A final da Taça de Portugal da época 1968/69 foi ganha pelo Benfica, que venceu a Académica, por 2-1, após um prolongamento. Ao consultar a lista de vencedores da Taça esta final aparecerá como mais uma entre as 63 disputadas. Mas quem se lembra do jogo do Estádio Nacional do dia 22 de Junho de 1969 reconhece que não pode senão recordá-lo como um momento único na história do País.
A Associação Académica de Coimbra era assumidamente uma contestatária do regime ditatorial imposto pelo Estado Novo e o jogo de Lisboa foi um marco nessa oposição; que abalou o Antigo Regime de uma forma que a sociedade portuguesa passou a não esquecer. Tudo o que passou a envolver esta final teve tal dimensão que os governantes da altura já previam manifestações de contestação por parte dos Estudantes, que tinham decretado luto académico dois meses antes como resultado da contestação socio-política ¿ os jogadores da Académica passaram a envergar uma braçadeira branca ou preta consoante a cor do equipamento usado.
E foi assim, trazendo consigo cerca de 15 mil pessoas até à capital, que a Académica entrou no Jamor: com o tradicional equipamento preto, braçadeira branca e capas negras sobre os ombros. E foi assim que «não esteve ninguém do Governo presente», contou ao Maisfutebol António Simões, o capitão do Benfica que acabou por levantar a Taça no final daquela tarde. «Foi um marco histórico no que eram as tradições políticas e sociais, uma tomada de posição das pessoas de Coimbra num trajecto de 48 anos de ditadura», contou Simões sobre esta «manifestação política extremamente bem aproveitada através de um evento desportivo».
«O descontentamento do povo português, bem representado pelas pessoas de Coimbra, mas não só, foi marcante», contou Simões. «Tenho esse dia marcado. Mas confesso que nós, jogadores, apesar de sermos jovens, quando começou o encontro estávamos concentrados no jogo. Mas não passou despercebido», lembrou o antigo futebolista, pois, ao intervalo, muitos foram os cartazes a reivindicar «Melhor ensino e menos polícias» e «Menos espingardas, menos quartéis e menos repressão».
«Momento de grande oportunidade»
Apesar da concentração na final de 120 minutos, Simões não se esquece de um ambiente muito especial, senão único: «Não foi um ambiente puramente desportivo. Havia mais polícia, mais guarda republicana. Havia um ambiente mais pesado, se quisermos.» Os jogadores da Académica não conseguiram a vitória em campo e a desejada volta de honra a mostrar a Taça (em cuja exibição o presidente da direcção-geral da Associação Académica de Coimbra, Alberto Martins, iria participar ao lado dos jogadores) ficou por realizar e ficou por saber-se o que poderia ter acontecido.
Ganhou o Benfica, Simões recebeu a Taça do presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Cazal Ribeiro, quebrando-se a tradição da entrega do troféu por um governante, em mais um prenúncio das mudanças que estavam por vir. «A esta distância, somos levados a pensar que sim [era o princípio], mas já tinha havido outros princípios», relembrou Simões, salientando que «foi, não caindo em contradição, o princípio de uma confirmação do que era o descontentamento do povo português».
«Estávamos já perto de acabar, como aconteceu cinco anos depois, com um regime podre, contraditório, incoerente, no qual Coimbra teve uma tradição pelas manifestações. A história conta quantas houve lá e que foram boicotadas. Foi um momento de grande oportunidade de Coimbra que Lisboa não quis desperdiçar numa final da Taça de Portugal que se torna memorável pelo peso socio-político que teve esse dia. Não tenho dúvida de que se falará sempre desse momento na história recente de Portugal», sintetizou Simões.