Ao minuto 13, na jornada 13 daquele dia de dezembro de 1973. Uma tarde cinzenta, a anunciar a tormenta, sobrevoava o Estádio das Antas. As bancadas rebentavam pelas costuras, como de costume. Foliões de jornal no braço, bandeiras mil, azul e branco de cima a baixo.

Nesse dia, um dominava as parangonas na imprensa: Teófilo Cubillas, craque peruano que os dragões apresentariam no dia seguinte como reforço. O FC Porto estava bem no campeonato e o entusiasmo era, por isso, mais do que justificado antes do que viria a ser um jogo negro.

Tudo preparado, cumprimento entre os capitães. De um lado, Fernando Pascoal das Neves, o inesquecível Pavão. Do outro, Carlos Cardoso, o homem da braçadeira no Vitória Setúbal. Sorrisos, abraços, nada a indiciar o que viria a suceder 13 minutos depois do apito inicial.

Diabólico, arrasador, sombria conjugação. Ao minuto 13, na jornada 13 e naquele dia 16 de dezembro, Pavão cairia desamparado no relvado. Para nunca mais se levantar. Por uma vez na vida, o 13 foi mesmo um número maldito.

40 anos depois, o Maisfutebol recorda esta figura mítica na história do FC Porto e lança uma questão relevante: se o colapso tivesse sucedido nesta sexta-feira, 13 de dezembro de 2013, a medicina moderna teria dado mais hipóteses a Pavão para resistir e sobreviver?

«Levei um desfibrilhador para o FC Porto em 1977»

Domingos Gomes chefiou o departamento médico do FC Porto durante várias décadas. Naquele fatídico dia de dezembro estava no camarote 14 das Antas. Em conversa com o Maisfutebol deixa, de imediato, uma informação surpreendente. E que ajuda a responder à nossa pergunta.

«Se o nosso querido Pavão fosse acometido daquela paragem cardíaca em 1977, quatro anos depois, teria uma probabilidade maior de enganar a morte», diz o clínico. E conclui de imediato o raciocínio.

«Nesse ano eu já tinha adquirido um desfibrilhador para o clube. Aliás, quem visitar o museu pode vê-lo. Era, e é, um objeto enorme, nada a ver com os atuais», explica Domingos Gomes. «Na tarde em que Pavão caiu, infelizmente, a assistência médica estava privada desse elemento fundamental».

O primeiro a socorrê-lo foi Rodolfo Reis. Era lateral e jogava atrás de Pavão. Nunca mais olvidará o que viu e sentiu. «Vi-o mandar avançar a equipa, a passar a bola ao Oliveira e a cair de bruços na relva. Quando cheguei ao pé dele, tinha os olhos a revirar, estava todo encolhido e percebi que era muito grave».

O guarda-redes Tibi era outro dos jogadores em campo. «O Pavão foi para o hospital e o jogo continuou. Ao intervalo mentiram-nos. Disseram que ele estava a melhorar. Só a dez minutos do fim é que soube que ele tinha morrido. Um miúdo apanha-bolas veio ter comigo e disse-me», recorda.

Um eletrocardiograma, e uma observação clínica: como em 73

Pela instalação sonora do estádio, os adeptos ficaram a saber da morte de Pavão, no final do jogo. Sob um pesado silêncio sepulcral, insuportável, as Antas esvaziaram-se.

Até hoje, eterniza-se a dúvida sobre a origem da vil paragem cardíaca. Na altura, e em surdina, sugeria-se o abuso de medicamentos estimulantes, com a Polícia Judiciária, após pertinaz inquérito, a lançar o alerta:

«A medicina desportiva não pode continuar a ser desprezada em Portugal».

O doutor Domingos Gomes concentra-se e deixa mais alguns dados pertinentes. «O Pavão tinha 26 anos quando faleceu. Até aos 35, a doença cardíaca é, na sua esmagadora maioria, congénita», refere o antigo médico do FC Porto.



«Na altura faziam-se os exames no Centro de Medicina Desportiva. Um eletrocardiograma, uma observação clínica e mais nada. Só se houvesse alguma alteração preocupante nos resultados é que se avançava para algum teste mais complexo», acrescenta Domingos Gomes.

Ora, percebe-se facilmente que na década de 70 os futebolistas profissionais não eram devidamente acompanhados. Pelo menos neste item. E agora, em pleno século XXI, o que mudou nos exames obrigatórios para a obtenção do certificado de aptidão?

«Pouco, muito pouco», responde Domingos Gomes. E chegam mais explicações.

«A maior diferença está nos locais onde se fazem. Dantes estavam limitados aos Centros de Medicina, agora qualquer clínica privada presta esse serviço: um eletrocardiograma, de esforço ou não, para cada jogador e a consulta de observação clínica».

«A legislação na medicina desportiva é rudimentar»

A leitura da situação é esta: a medicina desportiva evoluiu drasticamente, apresenta soluções extraordinárias mas, no que à bateria de exames primários diz respeito, as mudanças são exíguas.

«Sim, a cardiologia avançou de forma impressionante. Os exames possíveis ao dispor dos médicos são muito mais amplos e variados. No entanto, no desporto, ou no futebol em concreto, continuam a fazer-se os mesmos. Porquê? É uma pergunta difícil. As teorias divergem, de país para país», responde Domingos Gomes.

Para este especialista em medicina desportiva, um dos maiores males está na legislação. «Na medicina de trabalho, por exemplo, a lei está bem concretizada. No desporto a regulamentação é rudimentar. E assim tudo depende, quase em absoluto, da consciência dos médicos».

Domingos Gomes finaliza a sua observação com mais uma reflexão: «a obrigatoriedade de um desfibrilhador em todos os recintos desportivos reduziria decisivamente o número de óbitos no desporto por problema cardíaco. É caro? Não, são vidas humanas que estão em jogo».

Se no dia 16 de dezembro de 1973, naquele hediondo FC Porto-V. Setúbal, houvesse um aparelho dessa natureza no estádio, Pavão teria sido salvo?

«Sim, teria. A medicina não é matemática, mas ele teria recebido uma assistência fulcral na hora. Os primeiros minutos são decisivos».

Rodolfo Reis: «O Pavão era um homem diferente»

Pavão, Fernando Pascoal das Neves, nasceu em Chaves. A alcunha surgiu por correr sempre de braços abertos. Sob indicação de António Feliciano, velha glória do FC Porto, chegou aos juniores dos dragões em 1964.

Dotado de impressionante visão de jogo, assumiu-se rapidamente líder do balneário dos azuis e brancos. Nos seniores esteve entre 1965 e 1973. Quando morreu, levava no braço a braçadeira de capitão.

Rodolfo Reis, à época seu colega de equipa, considerava-o «um homem diferente».

«Quando subi aos seniores, os meus colegas mais velhos obrigavam-me a tratá-los por você. Mesmo dentro do campo, era assim. Com o Pavão não. Era o único que me pedia que o tratasse por tu. Dava-me muitos conselhos, talvez por ser de longe o melhor da equipa e por não ter medo de perder o lugar», atira, bem disposto.

Pavão faleceu com 26 anos. Foi seis vezes internacional por Portugal e fez 179 jogos (16 golos) ao serviço do FC Porto na I Divisão.