«Aqueles não gostam do Real Madrid! Saíram da sala.» Estas foram as primeiras palavras de José Maria Buceta, psicólogo do Real Madrid que esteve presente no Seminário «Da formação à Alta competição», organizado pelo Benfica. A apresentação arrancou gargalhadas à assistência e fez prever uma intervenção dinâmica e interessante. A verdade é que quem ouviu o espanhol ficou, por certo, a olhar para Beckham ou Ronaldo de forma diferente. Se calhar, não são homens tão felizes quanto parecem e a velha máxima o dinheiro não traz felicidade também se aplica ao futebol. Buceta falou ainda de uma realidade que parece estar longe de chegar ao futebol português. Os atletas do Real Madrid não são galácticos por acaso, a verdade é que vivem noutro Mundo.
É óbvio que, estando Buceta a trabalhar com grandes jogadores como Zidane, Figo ou Beckham, houvesse a curiosidade de saber como se motiva um atleta desse nível. Buceta escudou-se atrás do sigilo profissional, apontando que não podia «falar de detalhes concretos», mas lá foi dizendo que «os grandes jogadores têm uma motivação muito alta e uma auto-responsabilização muito grande e isso é o seu maior combustível».
O psicólogo não deixou de recordar que se estava «a falar da formação de pessoas que têm de viver uma situação muito difícil e especial», tentando desmistificar a ideia de que os jogadores de alta competição reúnem todas as condições para serem felizes, já que têm dinheiro e fama. A verdade é que «muitos fracassam como futebolistas e pessoas, chegam aos 25 anos e são uns fracassados porque não conseguiram lidar com tudo o que envolve a alta competição». Para os que não lidam com os atletas de perto e não os conhecem fora de campo talvez tenha sido uma surpresa ouvir Buceta dizer que «muitos dos jogadores são pessoas muito tristes, porque nunca sabem se podem confiar em quem se aproxima deles e se estão com eles pelo que são ou não.» Para os outros pode não ter sido assim tão descabido.
No fundo, a função de Buceta será a de «ajudar os atletas a ser pessoas com muita autoconfiança, fortes perante a presença de obstáculos, da alta exigência, da avaliação social (porque todos opinam sobre a sua vida dentro e fora de campo); ajudá-los a lidar com um estilo de vida diferente, que há-de afectar a sua vida sentimental e social; terá ainda de saber lidar com a comunicação social.» José Maria Buceta apontou que há aspectos bastante específicos a preparar e que «os atletas têm de entender as características especiais da sua profissão».
Este trabalho tem de funcionar como uma preparação e prevenção, por isso terá de ser feito com «atletas jovens, de 16 anos, que ainda jogam nos juvenis, porque têm de entender o que implica ser atleta de alta competição nessa altura e não mais tarde». Continuou... «o jogador tem de saber que se não consegue aguentar a pressão da alta competição não pode jogar no Benfica, no Real Madrid ou no F.C. Porto... Porto pode dizer-se? Não disse a cor verde, é que me avisaram que verde e branco não podia [o que levou à gargalhada geral]. Estas são grandes oportunidades para testar se o jogador pode subir ou não.»
Um dos factores mais importantes, observou, é lidar com «a injustiça», porque «o desporto de alta competição é muito injusto». Desenvolvendo a ideia, o clínico deu exemplos que chegam a ser banais, mas que podem abalar a estrutura psicológica de um atleta e levá-lo a fracassar: «O atleta pode treinar e competir bem e depois o treinador não o colocar na equipa; pode ver um colega que até chega tarde, bebe whisky e fuma e o técnico coloca-o a jogar; olha para o colega do lado, que faz o mesmo trabalho, e ganha cinco vezes mais.»