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Entrevista Renato Paiva  |  

Paiva: «O meu benfiquismo pode fechar-me portas e vivo bem com isso»

Entrevista MF a Renato Paiva - PARTE VI

«Quando me perguntam quais são os meus maiores títulos na formação, eu respondo que é quando me sento no sofá e ligo a Premier League, a La Liga, a Liga francesa e a Liga alemã e vejo a seleção nacional inundada de jogadores com os quais eu trabalhei.»

Quem o diz é Renato Paiva, treinador que acaba de colocar um ponto final numa ligação profissional de 16 anos ao Benfica e onde passou por praticamente todos os escalões.

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Ainda antes da viragem do ano – e prestes a seguir de viagem para o Equador, onde vai treinar o Independiente Del Valle – o técnico de 50 anos falou, numa grande entrevista ao Maisfutebol, do novo desafio e fez uma retrospetiva de uma vida ao serviço do clube da Luz, para o qual entrou ainda antes da criação do Seixal.

Neste excerto, o último de uma longa conversa, Renato Paiva recorda as faltas à escola para ir à bola em Lisboa ou para ver treinos da Seleção Nacional no Estádio do Bonfim, paredes-meias com o liceu, e fala sobre a condição de adepto fervoroso do Benfica, que não tem problemas em assumir. «Cresci a ouvir falar do Benfica, a ouvir falar do Eusébio e aprendi a ler o jornal A Bola com cinco anos ao colo do meu avô. A primeira palavra que ele me fez soletrar foi A Bola e a segunda foi Benfica. A pior coisa que podemos fazer é esquecermo-nos das nossas raízes e não termos memória.»

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Maisfutebol – O Renato nunca teve problemas em assumir o seu benfiquismo. Era daqueles que iam ao estádio e acompanhavam a equipa nos jogos fora?Renato Paiva – Jogos fora não tanto, mas fiz grande parte da minha formação na universidade do terceiro anel. E isso também me leva a não negar o meu benfiquismo. Um: para estar bem comigo próprio. Muita gente diz-me que na minha profissão não posso dizer que sou do Benfica. E ia fazer o papel do hipócrita? Não posso esquecer-me que devo respeito a mim próprio, que as pessoas com quem cresci e as pessoas da minha família, que me conhecem, merecem o respeito de eu não chegar a uma televisão e fazer a figura de dizer que não tenho clube ou que sou do Oriental, como todo o respeito, ou do Belenenses, como se dizia. Por grandes clubes que sejam, atenção! Isso era atraiçoar a minha consciência e os que me conhecem. Tenho uma filha e quero que os meus exemplos perdurem e que a orgulhem. Se as pessoas me quiserem será pela competência e a história do futebol está cheia de casos de treinadores de outros clubes que tiveram muito sucesso em clubes rivais. Quem me quiser contratar, não me vai contratar pelo meu benfiquismo: nem no Benfica. Claro que será muito mais difícil treinar um FC Porto ou um Sporting. Mas prefiro isso a fazer figuras de mentiroso ou as outras pessoas de parvas. Sempre foi público eu ser do Benfica: é de família e foi-me incutido pelo meu pai e pelo meu avô desde pequenino. Cresci a ouvir falar do Benfica, a ouvir falar do Eusébio e aprendi a ler ao colo do meu avô no jornal A Bola com cinco anos. A primeira palavra que ele me fez soletrar foi A Bola e a segunda foi Benfica. A pior coisa que podemos fazer é esquecermo-nos das nossas raízes e não termos memória. E eu tenho a minha muito vincada. Mas não sou daqueles que dizem que não treinam o FC Porto ou o Sporting: sou profissional de futebol.

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Arquivo pessoal

MF – Vive bem com a ideia de o seu benfiquismo poder fechar-lhe algumas portas?R.P. – Eu tenho essa noção e vivo bem com isso. Orgulho-me muito pela minha forma de estar no futebol. Tenho muitos amigos no FC Porto, no Sporting, muitos amigos árbitros e não tenho quezílias com colegas de profissão. Tenho uma forma de estar muito própria na vida e sei que é um preço a pagar, mas lá está: como é que eu vou dizer que não tenho clubes quando quem me conhece sabe que eu perdia quatro horas para chegar ao Estádio da Luz e outras quatro para voltar casa? Prefiro que as pessoas das outras instituições me olhem como uma pessoa honesta, frontal, verdadeira e que assume as suas convicções. E aqui recordo o malogrado Vítor Oliveira, que nos deixou um legado de transparência e frontalidade.

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MF – Quais são as memórias mais marcantes que tem dessas idas ao Estádio da Luz?R.P. – [Risos] Tenho uma fantástica e que agora já posso dizer. Faltei à escola para numa quarta-feira ir ver um Benfica 5, Sporting 0 para a Taça de Portugal.

MF – Que idade tinha?R.P. – Seguramente teria os meus 15 ou 16 anos. Acho que foi no ano dos 7-1. Foi a meio da tarde e eu fui com um grupo de amigos. Faltámos à escola, fomos até ao Barreiro e aí apanhámos o barco para o Terreiro do Paço e depois o metro para o Estádio da Luz. A outra foi estar no Estádio da Luz para a apresentação do Futre: também faltei à escola e também foi a uma quarta à tarde. Mas atenção que eu, tirando a matemática, sempre fui muito bom aluno e não era muito de faltar à escola [risos].

MF – E os seus pais sabiam disso?R.P. – Não! Vão saber agora, possivelmente, mas não há problema. O meu pai só descobriu uma coisa. Antes do Europeu de 84 em França, a Seleção Nacional estagiou em Palmela e treinava no campo do V. Setúbal. E o topo norte do Estádio do Bonfim tem uma estrada e do outro lado tem o liceu, onde eu estudava. E sempre que a Seleção ia treinar eram faltas à escola para ir ver a Seleção. E um dia chegou-me um postal de faltas a casa, o meu pai sentou-me no sofá e diz-me assim: ‘Então? Estás a gostar dos treinos da Seleção?’ ‘Não estou a perceber que conversa é essa.’ Ele conhecia a minha paixão por futebol e sabia que aquelas faltas eram claramente relacionadas com o ir ver os treinos da Seleção Nacional de manhã. Tenho estas lembranças muito bonitas.

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Sempre com uma bola por perto (arquivo pessoal)

MF – E há espaço para o V. Setúbal no coração?R.P. – Há, claramente! O primeiro jogo de futebol de I Liga que vejo é no Bonfim: um V. Setúbal-Estoril quando chego de Castelo Branco em 1982. Fui jogador de futsal e de andebol no Vitória, comecei como treinador no Vitória e o meu primeiro estágio, antes de entrar no Benfica, é com o Carlos Carvalhal no Vitória um ano inteiro.

MF – O mesmo estágio do Bruno Lage?R.P. – Não! Mas quem apresenta o Carlos Carvalhal ao Bruno Lage sou eu. Eu sou treinador-adjunto no futsal do Vitória, o Carvalhal vem treinar para o Vitória e eu tinha lido há pouco tempo o livro que era a tese de curso dele. Tinha adorado o livro, mas gerou-me montes de dúvidas. Quando ele veio, pedi à direção para me deixar estagiar e foi aí que conheci o Carlos. Vi os treinos todos dessa época. No final do treino, o Carlos ou o Rifa, que era o adjunto, vinham ter comigo e perguntavam-me se eu tinha dúvidas. Depois começámos a ir almoçar umas vezes e a dar cabo de umas toalhas de papel cheias de esquemas. E tinha sentada ao meu lado uma instituição do futebol chamada Quinito: assistia aos treinos, mas ia ao mesmo tempo bebendo aquelas histórias e conhecimento que o Quinito me ia passando. É uma experiência que não tem preço, impagável. Quando o Carvalhal vai para o Belenenses, eu sou adjunto do Bruno e sou eu que peço ao Carvalhal para irmos ao Belenenses ver treinos: e é aí que eu os apresento.

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MF – É verdade que em 2018 o FC Porto tentou contratá-lo para o FC Porto B?R.P. – Não vou comentar. Peço desculpa.

MF – E o Benfica é um objetivo de carreira?R.P. – Quando assumimos a carreira de treinador queremos o melhor para nós. E, em termos emocionais, o melhor para mim era treinador um dia o Benfica, o clube do qual sou adepto. Eu faço parte da história do Benfica e estou muito orgulhoso disso: é uma história específica, ligada a jogadores, ao futebol de formação, mas faço parte da história do Benfica. Há coisas que estão no museu que tiveram o meu contributo e esse legado já ninguém me tira. Obviamente que dentro dos meus desejos e ambições, esse seria um dos pontos mais altos da minha carreira e a realização de um sonho de vida. Se não treinar, não deixarei de ter orgulho naquilo que fiz e que vou fazer.

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