Na história de Zinedine Zidane há muita História e muita Liga dos Campeões: 79 jogos, três finais e, evidentemente, aquele golo ao Bayer Leverkusen, o golo dos golos. 2002, na única Taça dos Campeões Europeus que venceu. Lá pelo meio, há muitas batalhas. Umas mais intensas e literais que outras.

Alguém como Zidane, com o génio e a longevidade dele, viveu muito. Mas não muitos momentos como este, de enorme tensão para lá do futebol. O desporto apanhado no meio da política, não foi a primeira vez nem a última, longe disso. Mas foi forte.

A imagem da Reuters, com 17 anos, mostra a expressão tensa de Zizou na entrada em campo, o semblante apreensivo dos árbitros, por trás deles um muro de escudos policiais no lugar de espectadores. Era 2 de dezembro de 1998. A Juventus em casa do Galatasaray, sempre um desafio intenso, mas neste caso incendiado por um conflito diplomático entre a Itália e a Turquia.

No centro da crise Abdullah Ocalan, o líder curdo do PKK, acusado de terrorismo pela Turquia. Em fuga, Ocalan tinha entrado em Itália e pedira asilo. A Turquia exigia a sua extradição, o Governo italiano não acedia, escudado no princípio constitucional de não extradição de alguém para um país onde enfrenta pena de morte.

Ocalan havia de ser «convidado» a deixar Itália um mês depois, seria capturado à chegada ao Quénia e condenado na Turquia a pena de morte, comutada mais tarde a prisão perpétua. Continua detido.

Mas naquele final de 1998 o braço de ferro entre Roma e Ancara estava ao rubro. A tensão escalou e no meio disto havia um jogo de futebol para jogar. Devia ter-se realizado a 25 de novembro, mas por esses dias a situação estava demasiado quente. A UEFA decidiu adiá-lo por uma semana. Em Itália temia-se pela segurança da comitiva da Juventus, um clima a que os jogadores não ficaram imunes. «Não me incomoda dizer que tenho medo e não estou nada convencido sobre a nossa ida à Turquia», dizia Zidane ao «La Stampa».

Naquele 25 de novembro, enquanto se jogava toda a restante quinta jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões, os jogadores da Juventus ficavam em casa. Zidane a tomar conta de Enzo, então um menino de três anos, segundo contou na altura o «Guardian». Era a primeira noite de Liga dos Campeões que a Juve falhava em quatro anos, desde setembro de 1995. Sim, aquele era o tempo da Vecchia Signora da Europa. Campeã em 1996, ainda sem Zidane, finalista vencida em 1997 e 1998.

A Juve acabou por ir a jogo, depois de as autoridades turcas terem garantido que criariam as condições para que se jogasse. Mas os italianos apenas viajaram no próprio dia do jogo, para uma cidade sob um gigantesco dispositivo de segurança. Mais de 20 mil agentes da polícia em Istambul nesse dia, dois helicópteros preparados para evacuar jogadores e árbitros em caso de problemas, cordões de segurança por todo o lado. Os jogadores foram recebidos na pista do aeroporto com rosas, numa manifestação de boa fé das autoridades turcas, e foram escoltados em permanência.

No estádio o ambiente foi pesado, muitos assobios das bancadas, mas o jogo decorreu sem que nada de grave acontecesse. Sem incidentes relevantes cá fora também. Terminou empatado a um golo, numa história que se construiu no último quarto de hora. Zidane, campeão do mundo coroado naquele verão e melhor jogador do mundo a coroar no final desse ano, fez o passe para Amoruso marcar o 1-0 aos 78 minutos e Suat empatou para o Galatasaray já nos descontos.

A Juve passou como primeira classificada de um grupo que teve a curiosidade de ter três equipas com os mesmos oito pontos no final: apurou-se com melhor diferença de golos que Galatasaray e Rosenborg, e seguiu. Mas não até ao fim desta vez, caiu na meia-final frente ao Manchester United, campeão europeu nesse ano naquela decisão com final épico frente ao Bayen Munique.

A «Vecchia Signora» falhava a primeira final da «Champions» em quatro anos, era tempo de fim de um ciclo de ouro, Marcelo Lippi já tinha decidido sair no final da época. Zidane ficou mais duas temporadas, antes de rumar a Madrid. É com o Real que volta hoje a Itália. Como treinador, com pouco mais de um mês de banco, uma nova e totalmente diferente batalha, com tudo ainda para provar.