João Martins tem um problema: olham para ele como se fosse o irmão do Carlos. O rótulo colou mal o mano mais velho começou a ganhar notoriedade e o mais novo (tem sete anos a menos), se no início não ligava muito, está agora a sentir na pele as consequências das comparações. Das negativas, está bom de ver. 

Ponto prévio. O João adora o Carlos. É o seu ídolo. Desde a infância. O modelo exemplar, o farol orientador. Por isso, a culpa não é do irmão mais velho. Nunca será. A questão está nas pessoas. Na cabeça das pessoas.

«Quero dizer a toda a gente que tenho um orgulho muito grande no meu irmão, é a minha referência, tanto a nível desportivo, como a nível pessoal. Quero deixar isso bem explícito», começa por desabafar ao Maisfutebol o médio que terminou contrato com o Ac. Viseu.



«Mas o que eu quero é que me olhem e falem de mim como o João, por aquilo que faço, pelo meu futebol, que esqueçam que sou irmão de quem sou. As pessoas às vezes, vão ver-me jogar, e perguntam: aquele é o mano do Carlos, não é? Não, sou o João! Quero que tentem conhecer-me como tal», acrescenta não escondendo que tudo isto o deixa «um pouco triste».

João Martins não aborda a questão, mas o nosso jornal sabe que esta «colagem» já lhe fechou as portas de clubes da Liga por diversas vezes. «Não mo dizem diretamente, mas eu sei que as pessoas comentam que sendo irmão do Carlos Martins eu não preciso de nada, que ele está sempre por trás a ajudar-me. Fazem muitas comparações, coisas desnecessárias», desafoga.

«Sou bastante prejudicado por não me terem dado oportunidades e por me julgarem, para o bem ou para o mal, sem me conhecerem, mas sim ao meu irmão. O Carlos é uma pessoa, eu sou outra. É uma pena não reconhecerem o meu valor. Claro que temos coisas parecidas, mas outras diferentes», desvenda.

A dica é boa. Então e no que são, afinal, semelhantes e distintos? «Não gosto de falar de mim, mas temos em comum o facto de darmos sempre o máximo em campo, para ganhar, sermos aguerridos e lutarmos muito. Posição? Sim, mas ele é mais ofensivo, é um 10, eu sou mais um 8, sou mais de construção, enquanto ele anda mais pelo último terço do terreno.»

Promessa adiada?

Quanto ao que os distingue, o médio começa por defender o caráter do irmão... e o dele «Muitas vezes dizem que tem um temperamento difícil em campo, mas não é nada disso. Ele joga com muita entrega, muita intensidade, e confundem isso com mau feitio. Quem nos conhece fora do campo, sabe que não fazemos mal a ninguém, somos uns paz de alma e as pessoas gostam muito de nós», admite.

O problema é quando confundem todas essas qualidades com a tendência de um jogador para ser conflituoso, palavra que João Martins admite não apreciar muito. «Apesar de tudo, eu tenho um pouco mais de sangue frio. Sou mais controlado, consigo gerir melhor as várias fases do jogo. Sou mais calmo», assegura.

Nesse aspeto, o estatuto que o mano mais velho já alcançou, bem diferente do seu, também pode ajudar a explicar alguma coisa. «O facto de sempre ter jogado em grandes clubes pode dar-lhe mais moral para, por exemplo, abordar os árbitros com mais agressividade, mas isso é geral e não o vejo como algo negativo. Só quem anda lá dentro sabe como isto é», prossegue, juntando mais uns detalhes.



«A carreira que ele já tem permite-lhe fazer coisas que quem sempre andou cá por baixo, como eu, não pode fazer», observa, com propriedade, recordando que, tal como o irmão, passou por uma das melhores escolas de formação da Europa:

«Fiz a formação toda no Sporting e depois fui emprestado. Sempre fui visto como uma promessa, joguei 50 vezes pelas seleções, dos sub-16 aos sub-21. Tive uma preparação de base muito boa, mas, no primeiro ano de sénior, foi muito complicado porque tive poucas hipóteses para jogar.»

Álvaro Magalhães: de carrasco a salvador

Curiosamente, o primeiro treinador que teve como sénior, no Olhanense, o tal que pouco aposta nele, foi quem, mais tarde, há dois anos, lhe devolveu a alegria de jogar. «É claro que jogar pouco logo no primeiro ano com os mais velhos faz parte, mas, sei lá, há quem tenha sorte ou um treinador que aposte mais nos jovens. Quem era? Álvaro Magalhães... foi muito difícil, porque todos me viam como um grande jogador, mas depois não tive oportunidades.»

Na Naval, o mesmo técnico fez exatamente o contrário. O futebol tem destas coisas. «Aí, apostou em mim e agradeço-lhe muito por ter acreditado em mim. Comecei a fazer jogos a fio e recuperei a confiança que tinha perdido ao longo dos anos [Olivais e Moscavide, Atlético, Gil Vicente, Vizela, Mafra...]», recorda, colocando o dedo ainda mais na ferida:

«Época após época a passar e a motivação a desaparecer. Fui-me abaixo e comecei a colocar tudo em causa, até continuar a jogar futebol. Foi muito complicado, mas ele ajudou-me, e, tanto na Figueira, como agora em Viseu, fiz duas épocas bastante boas. Fui reconhecido e agora espero poder dar o salto para a I Liga.»

Aos 25 anos, concretizar o sonho é (ainda) perfeitamente possível. «Gostava que me dessem essa possibilidade, para mostrar o meu valor e mostrar que sou capaz de fazer as mesmas coisas num patamar mais elevado.»