Em Sarajevo, as gargantas soltam um clamor. Celebram. A Bósnia-Herzegovina está pela primeira vez num Campeonato do Mundo. Festa, euforia, até alívio. Foram várias as tentativas frustradas (duas por culpa de Portugal) e sonhos perdidos no limite.

Desta vez não. Já não há dúvidas: uma das mais jovens nações europeias, independente desde 1992, estará na maior festa do futebol, no Brasil. A Bósnia soube sair de um conflito genocida (e fratricida), reorganizar-se, pacificar-se e retomar o invejável tom da normalidade.

Recuemos duas décadas. Recuemos ao primeiro Mundial vivido pelos bósnios após a desagregação jugoslava.

Ano de 1994. Nos EUA, o Brasil de Romário e Bebeto embalava golos e chegava ao trono mundial. Roberto Baggio disparava para as nuvens as manhas de Itália e os transalpinos ficavam com Il Codino pelos cabelos.

Na Bósnia poucos terão visto essas imagens. O mais sangrento conflito no Velho Continente, depois da II Grande Guerra Mundial, decepou um império, promoveu a intolerância, traiu com perfídia os mais civilizados tratados e convenções da modernidade.

Dejan Savicevic, Robert Prosinecki, Zvonimir Boban, membros de uma geração de talento incomum, ficavam privados de lutar pelos maiores palcos de seleções.

Falar, então, da Bósnia era falar de notícias hediondas. Os telejornais projetavam relatos insuportáveis, valas comuns desmanchavam o traço da Europa respeitável e evoluída.

Massacres atrás de massacres, carros blindados e impotentes das Nações Unidas, guerrilheiros bárbaros e a razão irremediavelmente perdida. Por todos.

FIFA reconhece a Bósnia só em 1996

A seleção de futebol da Bósnia foi reconhecida pela FIFA apenas em julho de 1996. Iniciou a tentativa (falhada) de se qualificar para o Mundial de 1998 frente à Grécia. Perdeu por 3-0 e acabou esse trajeto no quarto lugar do seu grupo.

O desfecho infeliz foi repetido até à exaustão. Até agora, a este 15 de outubro de 2013, quase 20 anos depois daquele Mundial que se perdeu na mortandade de uma guerra estúpida. Estúpida como todas as guerras.

A Bósnia já não é essa seleção frágil dos primeiros anos de independência. Os genes sugeriam qualidade inata para o futebol, o tempo, curto, veio a confirmar a riqueza do ADN bósnio para o futebol.

Pouco a pouco, as ameaças passaram a fazer sentido. Os homens dos Balcãs aproximaram-se paulatinamente das grandes competições e agora sabem que estarão na próxima.

Qualificação a qualificação, aqui fica o crescimento de uma seleção nascida dos escombros da guerra:

Mundial-1998:

. três vitórias e cinco derrotas frustram a intenção de chegar a França. A Bósnia fica no quarto lugar do grupo, atrás de Dinamarca, Croácia e Grécia. As duas derrotas contra os croatas são uma afronta insuportável para um país ainda a gerir os murmúrios da guerra. Hasan Salihamidzic, jogador do Bayern Munique, é a figura de maior renome.

Equipa-base: Mirsad Dedic; Nermin Sabic, Murat Jasarevic, Muhamed Konjic e Mirza Varesanovic; Hasan Salihamidzic, Edin Mujcin, Elvir Balijc, Sejad Halilovic; Meho Kodro e Elvir Bolic.

Marcadores: Elvir Baljic (2), Senad Brkic, Muhamed Konjic, Sergej Barbarez e Marko Topic (1).

Europeu-2000:

. terceiro lugar no Grupo 9 de qualificação, atrás de República Checa e Escócia. Três vitórias, dois empates e cinco derrotas, com os mesmos pontos de Lituânia e Estónia. Só as Ilhas Faroé ficam mais longe.

Equipa-base: Mirsad Dedic; Edin Smajic, Sead Kapetanovic, Mirsad Hibic e Mirza Varesanovic; Hasan Salihamidzic, Bakir Besirevic, Elvir Baljic e Nermin Sabic; Meho Kodro e Elvir Bolic.

Marcadores: Elvir Baljic (6), Elvir Bolic (4), Sergej Barbarez, Marko Topic, Muhamed Konjic e Meho Kodro (1).

Mundial-2002:

. péssima fase de qualificação, apenas com duas vitórias sobre o Liechtenstein e dois empates. Quarto lugar no Grupo 7, bem distante de Espanha, Áustria e Israel.

Equipa-base: Tomislav Piplica; Mirsad Hibic, Muhamed Konjic, Faruk Hujdurovic e Mirza Varesanovic; Bruno Akrapovic, Sergej Barbarez, Almedin Hota e Vedin Music; Elvir Baljic e Elvir Bolic.

Marcadores: Elvir Baljic e Sergej Barbarez (3), Bruno Akrapovic, Almedin Hota, Mirsad Beslija, Muhamed Konjic, Nermin Sabic e Marijo Dodik.

Europeu-2004:

. a Bósnia fica a um golo do apuramento direto para o Europeu realizado em Portugal. No derradeiro e decisivo jogo, a seleção balcânica empata na receção à Dinamarca, 1-1. O triunfo teria-lhe dado o primeiro lugar no Grupo 2. Assim, foi a Dinamarca a vir ao nosso país. Pela primeira vez, a Bósnia aparenta ser capaz de fazer coisas importantes.

Equipa-base: Kenan Hasagic; Emir Spahic, Vedin Music, Muhamed Konjic e Zlatan Bajramovic; Mirsad Hibic, Vladan Grujic, Sergej Barbarez e Hasan Salihamidzic; Elvir Bolic e Elvir Baljic.

Marcadores: Sergej Barbarez (3), Elvir Bolic (2), Elvir Baljic e Zlatan Bajramovic (1).

Mundial-2006:

. a luta dada à Espanha foi heroica, embora insuficiente. No jogo em Valência, a Bósnia acaba reduzida a nove elementos e sofre o empate seis minutos depois dos 90. Carlos Marchena é o carrasco das aspirações bósnias. O terceiro lugar no Grupo 7, atrás de Sérvia e Espanha, sabe a pouco.

Equipa-base: Kenan Hasagic; Emir Spahic, Vedin Music, Dzemal Berberovic e Zlatan Bajramovic; Ninoslav Milenkovic, Sergej Jakirovic, Ivica Grlic e Hasan Salihamidzic; Elvir Bolic e Sergej Barbarez.

Marcadores: Elvir Bolic (5), Sergej Barbarez (3), Hasan Salihamidzic (2), Zlatan Bajramovic e Zvezdan Misimovic.

Europeu-2008:

. o mau arranque conduz à demissão de Blas Sliskovic, selecionador na altura, e à rebelião de 13 jogadores da seleção. A recusa destes em aceitar o novo treinador abre espaço à entrada de jovens como Edin Dzeko e Vedad Ibisevic. A qualificação é novamente desperdiçada, mas a equipa ganha qualidade com a entrada destas jovens promessas.

Equipa-base: Adnan Guso; Dzamal Berberovic, Samir Merzic, Branimir Bajic e Branislav Kunic; Dragan Blatnjak, Darko Maletic, Safet Nadarevic e Zvezdan Misimovic; Edin Dzeko e Zlatan Muslimovic.

Marcadores: Zvezdan Misimovic (4), Zlatan Muslimovic (3), Mirko Hrgovic (2), Adnan Custovic e Ivica Grlic (1).

Mundial-2010:

. segundo lugar no Grupo 5, atrás da Espanha, e tudo decidido pela primeira vez num play-off de má memória contra Portugal. A seleção lusa vence os dois jogos pelo mesmo resultado (1-0) e adia mais uma vez o sonho dos bósnios. Edin Dzeko confirma ser um avançado mortífero.

Equipa-base: Kenan Hasagic; Emir Spahic, Samir Muratovic, Sanel Jahic e Senijad Ibricic; Elvir Rahimic, Zvezdan Misimovic, Safet Nadarevic e Sejad Salihovic; Edin Dzeko e Zlatan Muslimovic.

Marcadores: Edin Dzeko (9), Zvezdan Misimovic (5), Zlatan Muslimovic (4), Seniad Ibricic (2), Vedad Ibisevic, Zlatan Bajramovic, Sanel Jahic, Emir Spahic e Sejad Salihovic (1).

Europeu-2012:

. após um ombro a ombro muito interessante contra a França, os bósnios voltam a ficar em segundo e são obrigados a novo play-off contra Portugal. Mais uma vez, a equipa das quinas mostra ser mais forte numa eliminatória a duas mãos: 0-0 no batatal de Zenica, 6-2 na Luz.

Equipa-base: Asmir Begovic; Emir Spahic, Elvir Rahimic, Sanel Jahic e Sasa Papac; Miralem Pjanic, Senad Lulic, Adnan Zahirovic e Haris Medunjanin; Edin Dzeko e Zvezdan Misimovic.

Marcadores: Edin Dzeko (4), Zvezdan Misimovic e Haris Medunjanin (3), Vedad Ibisevic e Miralem Pjanic (2), Senijad Ibricic, Darko Maletic e Sejad Salihovic (1).

Mundial-2014:

. braço de ferro hercúleo com a Grécia, decidido na melhor diferença entre golos marcados e sofridos. O jogo decisivo foi disputado em Kaunas, contra a Lituânia, e Ibisevic saiu como o herói da noite. No final acabaram todos nos relvados, em loucura. Nem os jornalistas faltaram à comemoração.

Equipa-base: Asmir Begovic; Avdija Vrsavic, Ermin Bikakcic, Emir Spahic e Senad Lulic; Miralem Pjanic, Sejad Salihovic e Haris Medunjanin; Vedad Ibisevic, Edin Dzeko e Zvezdan Misimovic.

Marcadores: Edin Dzeko (10), Vedad Ibisevic (8), Zvezdan Misimovic (5), Miralem Pjanic (3), Izet Hajrovic, Senad Lulic, Haris Medunjanin e Ermin Bicakcic (1).

E acabou tudo assim: