18 de Dezembro de 2004: Benfica-Penafiel, 1-0
Alvíssaras, caro leitor, se se lembra do jogo que está ali em cima a negrito sem ir pesquisar. E se o consegue, deixe-me que lhe diga, tiro-lhe o meu chapéu: é um benfiquista doente. Ou duriense.
Outro grande benfiquista é Argel, lembra-se? Não tenho grandes dúvidas que, de entre os benfiquistas com um dragão tatuado nas costas, Argel será dos mais fervorosos.
Chegou a Portugal para o F.C. Porto, é verdade, mas as coisas não lhe correram bem. Fez poucos jogos, ainda marcou um golo, mas as principais marcas que deixou, reza a lenda, foram numa porta de um gabinete na Torre das Antas.
Era de águia ao peito que haveria de vingar. Correu melhor, de facto, e basta analisar o seu currículo: três anos e meio, muitos jogos, alguns golos e um beijo falhado.
É verdade, um beijo falhado. É provável que tenha desperdiçado algumas soberanas ocasiões para marcar. Mas lembrar Argel, para mim, é sobretudo lembrar aquele beijo que não entrou. É recordar o homem que quis beijar Giovanni Trapattoni, naquele jogo com o Penafiel, e não conseguiu.
Não faço a mínima ideia de como foi o golo e, confesso, nem fiz questão de ir ver. O que importa reter, e acredito que muitos de vocês tenham essa imagem na mente, é a corrida desafogada do brasileiro em busca da testa do mister. Foi bonito.
Estávamos perto do Natal. As pessoas estão mais solidárias, mais carinhosas, costuma dizer-se. Talvez por isso, Argel quis demonstrá-lo. Mas o que tinha tudo para ser um momento Kodak, descambou. E por culpa do italiano.
Trapattoni não fez a sua parte. Fugiu com a testa à seringa. Ou tentou, pelo menos. E assim traiu o futebol.
Recusar um beijo no futebol? Mas isso faz algum sentido? São precisas três coisas para se conseguir ser profissional de futebol: jeito, sorte e não ter problemas em beijar homens.
Toda a gente sabe que o futebol é um mundo à parte. Todos viram Maradona beijar a boca de Cannigia, Laurent Blanc a careca de Barthez ou João Vieira Pinto o cotovelo de Paulinho Santos. Alguém achou estranho? É quase uma obrigação.
Cá na redação, por exemplo, seria estúpido se eu tivesse este tipo de abordagem com um colega. «Sim senhor, bom texto». E espetava-lhe um beijo. Fica mal. E ainda era acusado de assédio. Mas no futebol não.
E quem diz beijos, diz palmadinhas no rabo. Até àquele dia, eu estava convencido que era obrigatório. Aliás, eu pensava que isto vinha no mesmo livro que diz que um cabeceamento tem de ser feito de cima para baixo, a dizer sim à bola.
Mas Trapattoni, um homem com anos de futebol, rejeitou a essência deste desporto. Não quis carinho às portas do Natal. Não lhe ficou bem, claro está.
E por isso, por muito que vá à Wikipédia e veja que Trapattoni ganhou 22 títulos, incluindo Liga dos Campeões, Taça UEFA, Taça das Taças, Intercontinental, Supertaça Europeia, campeonato italiano, alemão, austríaco e até o português com uma equipa que tinha o Karadas...não me chega.
Vai sempre faltar aquele beijo. E eu estarei cá para o lembrar.
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