Que ninguém tenha dúvidas: o dono da bola era o ser mais instável do mundo. Manipulador, aproveitador, ditador, muitas das vezes, sem escrúpulos. Ciente da sua importância, que era extrema. Sabedor dos danos que o seu abandono poderia provocar.
O dono da bola era um tipo porreiríssimo sempre que a bola não era precisa para nada. Contava piadas, ajudava no que fazia falta, dava boas sugestões. Assim que a bola começava a rolar, tudo mudava. Vestia o fato de pequeno tirano que decidia as equipas, escolhia o guarda-redes, a hora de começar e, mais importante de tudo, o apito final.
É verdade que muitas vezes havia influência externa. Um chamamento para jantar, por exemplo, não lhe deixava outra hipótese que não pegar na bola e ir para casa, enquanto dizia aos que ficavam: «Arrumem os postes».
E quem ficava, resmungava, enquanto pontapeava as pedras que faziam de baliza para o lugar de onde tinham saído. «Um dia vamos juntar dinheiro, comprar uma bola e mandamos todos». Mas no fundo cada um sabia que o que dava mesmo jeito era uma bola só para si. Todos queriam ser o dono da bola.
Olhando para o que está a ser o caso mais mediático da atualidade do futebol português, não tenho dúvidas que Bruma é o dono da bola. Passou a ser, essencialmente, depois de o terem deixado fazer um Mundial sub-20 sem a devida proteção. Sim, mais isso, até, do que o lançamento na primeira equipa.
Lembro-me bem que, no final da época passada - não foi assim há tanto tempo - , Bruma era apenas um jogador que todos diziam que iria dar qualquer coisa de bom. Mas que tinha dificuldades na hora de decidir, defendia mal e tinha muito a aprender na forma de se colocar em campo. Não era o dono da bola, nessa altura.
Mas rebentou. E, arrisco dizer, mais cedo do que qualquer um estivesse à espera. No meio de iguais assumiu-se diferente. Entre todos foi o melhor, a face mais visível de uma geração promissora, mas que esbanjou demais. Comprou a bola e passou a ser ele quem manda.
E como sempre acontece com o dono da bola, deixou de ser um tipo porreiro. Esqueceu as raízes, os valores que lhe passaram, as matrizes que deveria seguir para que a sua carreira fosse boa para todos. Para si, pela exposição. Para o Sporting, pelo que lucraria com isso.
Não gosto de ingratidão e tenho muitas dúvidas que Bruma não o esteja a ser. Percebo o jogador, não o percebendo. Compreendo os sonhos, não entendo a pressa. Como em tantos outros casos. É mais fácil perceber a posição do Sporting, mas a corda já esticou tanto que não me parece que haja volta a dar.
Bruma tem a bola e vai decidir o que fazer com ela. Ao Sporting (e a todos os outros) fica o aviso: estes miúdos de hoje compram a bola cada vez mais cedo.
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