Ao assumir o cargo de treinador principal do Paços Ferreira, Vasco Seabra abandonou as redes sociais. A decisão reflete uma personalidade preocupada com as coisas que realmente interessam.

Em longa entrevista ao Maisfutebol, no Estádio Capital do Móvel, Vasco fala com uma sinceridade desarmante, dá exemplos concretos na gestão do balneário e confessa-se fã de Paulo Fonseca.

Oportunidade ainda para um regresso ao passado e aos dias em que Diogo Jota e André Leal brilhavam nos juniores dos castores. Pelas mãos de Vasco Seabra.

Parte 1: da loja de desporto dos pais ao banco do Paços de Ferreira

Parte 3: «Há dinheiro e impaciência, é fácil despedir treinadores


Maisfutebol - Nasceu em Paços, vive em Paços e é o treinador do Paços. Tudo isto numa cidade de 50 mil habitantes. A sua vida mudou muito?
Vasco Seabra - «O meu dia-a-dia é diferente agora. Deixei de dar aulas, ainda na fase dos juniores, e deixei de ajudar os meus pais na loja de desporto. O profissionalismo é total. Sou mesmo de Paços, sempre fui, vivi sempre cá e conheço muitas pessoas. Sinto carinho, dizem-me que vai correr tudo bem. Quando as coisas correm mal, até procuro refugiar-me, mas quem me viu crescer… procura-me para dar um abraço. Tenho a consciência que os resultados é que ditam tudo. Mas no banco de suplentes, durante o jogo, não ouço nada. Só os meus adjuntos.»

MF - E a sua família, como está a viver isto tudo?
VS - «Para os meus pais é um bocadinho mais duro. Sou filho único. Na semana em que o resultado é mau… Eu decidi deixar de ter facebook quando assumi o cargo de treinador principal. Não gosto de me condicionar pelo que dizem e acho que as redes sociais mexem sempre connosco. Fiquei mais feliz (risos). Deixei de perder tempo com coisas primárias. Para os meus pais é mais difícil, compreendo isso, sofrem por mim. Eles querem, acima de tudo, que eu esteja feliz. E quando ouvem alguma crítica ao filho… é normal. Digo-lhes que todos os treinadores são criticados.»

MF - Está preparado para o insucesso?
VS - «O Paulo Fonseca é a minha maior referência. Tenho paixão por toda a equipa técnica do Paulo. E até eles tiveram uma experiência menos feliz, no FC Porto, e superaram isso. Esses exemplos motivam-me. Há fragilidade evidente na função de treinador, mas sinto-me preparado. E a minha família também está.»

MF - Como é um dia normal na atual vida do Vasco?
VS - «Acordar às 7h45, chegar ao estádio às 8h30, tomar o pequeno-almoço com o plantel às 9h15. Entre a chegada e o pequeno-almoço aprimoramos uma ou outra ideia para o treino, que começa às 10h30. Dura duas horas e fico aqui a seguir para analisar o filme do treino com a equipa técnica. Depois, tentamos sempre fazer ginásio ou corrida à volta do campo. Meia-horinha para relaxarmos (risos). Almoçamos e às 14h30 retomamos o nosso trabalho no gabinete.»

MF - O trabalho do treinador não permite folgas.
VS - «Trabalho todos os dias. Há muita coisa para fazer. No início da semana recebo o relatório do observador sobre o próximo adversário, dois dos nossos adjuntos enviam-me o relatório da nossa própria equipa e analisamos tudo. Depois criamos exercícios, gostamos de variar, não queremos saturar o atleta. Enquadramos todas essas informações e criamos a proposta semanal de treino.»

MF - O que faz para desligar momentaneamente do futebol?
VS - «Vejo umas séries e pouco mais. Mas é importante fazer isso. Mesmo em casa vejo muito futebol, ligas estrangeiras, Champions…»

MF - As escolas do Paços têm sido muito elogiadas. O André e o Jota são os melhores elementos que treinou?
VS - «São dois miúdos com enorme qualidade. Tinham um entendimento incrível, jogavam de olhos fechados. No primeiro ano de juniores, o Jota era ‘dez’ e o Andrezinho era ‘oito’. O trinco era o Sousa, que está no Gondomar. Na primeira fase, em 22 jogos, o Jota só tinha cinco golos. Para um jogador com tanto ‘golo’, aquilo não me fazia sentido. Então, apostei numa mudança. Falei com ele e lancei-lhe o desafio de começar a jogar na linha, como ponta. Imaginei-o mais aberto, para receber, tocar e arrancar para a baliza. Ele nunca seria um extremo para abrir e cruzar. Queria-o de frente para o jogo. Foi, por isso, que avancei o Andrezinho para ‘dez’. Fazia todo o sentido.»

MF - Correu bem?
VS - «O Jota não gostou da ideia. Disse-me logo: ‘na ponta? Ei mister, nem vou tocar na bola’. Eu prometi-lhe que se corresse mal, sem problema, voltávamos atrás. No primeiro jogo vencemos 2-0 e o Jota fez dois golos (risos). Ele é muito competitivo, adora desafios e veio logo ter comigo. ‘Mister, já não saio mais daqui’. Em 14 jogos na nova posição fez 17 golos. Toda a gente o queria, explodiu. Benfica, Sporting, V. Guimarães… E nesses 17 golos, o André fez 10 assistências.»