Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@mediacapital.pt ou rgouveia@mediacapital.pt

Tomás Podstawski. O apelido, do lado do pai, remete-nos para sangue polaco, mas a verdade é que Tomás nasceu há 26 anos no Porto e foi o português com mais internacionalizações da sua geração, cumprindo todas as etapas, dos sub-16 aos sub21, com um total de 85 jogos oficias. Era uma promessa do FC Porto e do futebol português, mas, como acontece muitas vezes nesta fase, viu a carreira sofrer uma travagem brusca na passagem para sénior.

Ficou sempre à beira da equipa principal, chegou a sentar-se no banco com José Peseiro, mas nunca chegou a estrear-se, mesmo depois de ter sido campeão na II Liga, com a equipa B de Luís Castro. Ao fim de nove anos no Olival, cortou o cordão umbilical com o clube formador, sem deixar qualquer mágoa para trás, e rumou ao Vitória Setúbal. No Bonfim estreou-se, finalmente, no primeiro escalão, mas o projeto sadino estava já a definhar e, em 2018, Tomás decidiu procurar a sorte na sua segunda pátria.

Rumou à Polónia, terra natal do pai Wlodzimierz, para representar o Pogon Szczecin e, agora, na terceira temporada, o modesto clube de Estetino [tradução portuguesa do impronunciável Szczecin] é líder da liga polaca, com mais dois pontos do que o gigante Legia Varsóvia quando já vamos na segunda volta do campeonato.

Encontrámos o Tomás em pleno estágio do Pogon para um jogo dos oitavos de final da Taça da Polónia frente Piaste Gliwice. O antigo internacional português falou-nos das fortes ligações que mantém com Portugal, dos laços familiares que recuperou na fria Polónia e nas expetativas que reserva para o futuro numa altura em que está a acabar contrato.

Saudades de falar português?

- Nem por isso, tenho aqui dois portugueses na equipa e também está cá a minha namorada, portanto continuo a falar português. Tenho na equipa o Luís Mata, defesa esquerdo que veio do FC Porto B, e tenho o Luka Zahovic [filho de Zlatko Zahovic, antigo jogador do FC Porto e Benfica] que também nasceu em Portugal e viveu em Portugal até aos doze anos. Veio agora do Maribor para o Pogon e também tem nacionalidade portuguesa e fala fluentemente português. Continuo a falar português todos os dias.

A época está a correr muito bem, não é? Contra todas as expetativas o Pogon está em primeiro lugar….

- Sim, está a correr muito bem, estamos em primeiro. Não tenho tido muitos minutos este ano [10 jogos, um golo], comecei a época com uma lesão muscular que não me permitiu estar com a equipa nos primeiros quatro jogos. Quando regressei ao plantel, estávamos com resultados positivos e o treinador não tem alterado muito a equipa. Joguei só dois jogos como titular, mas tenho entrado em quase todos os jogos. Não tenho muitos minutos, mas ainda temos campeonato para jogar até maio.

Este ano o campeonato tem um figurino mais curto do que é habitual, face à pandemia da covid-19. Isso pode favorecer o Pogon na luta pelo título?

- Sim, o nosso campeonato era como o da Bélgica, jogávamos as trinta jornadas, depois dividia-se em dois grupos de oito e fazíamos mais sete jogos para o apuramento de campeão. Fazíamos 37 jogos numa época e esta só vamos ter o tradicional a duas voltas e como só temos 16 equipas só há trinta jornadas. No nosso caso pode ser uma vantagem.

O Legia está a apenas dois pontos, vai ser possível segurar a liderança?

- O Legia é uma espécie de Benfica aqui da Polónia, é o clube da capital e tem uma massa adepta que se estende de Varsóvia ao país inteiro. Eles são sempre favoritos por causa da estrutura, do orçamento e de todo o historial que têm. O Pogon nunca ganhou nenhum título, seria um feito histórico, mas o clube tem crescido muito a nível de estrutura. de organização e também na qualidade dos jogadores. Estamos também a construir um novo estádio com boas condições para os jogadores. Além disso, temos uma massa adepta forte dentro daquilo que é a realidade polaca. Mas vai ser difícil lutar com o Legia, temos que ir aos poucos, a cada semana, a cada jornada. Chegar às competições europeias já seria histórico para o Pogon.

Falaste nos adeptos, os polacos são muito fanáticos, mas nesta altura também estão impedidos de ir aos estádios, não?

- Sim, neste momento não temos adeptos nas bancadas. Houve ali uma fase em que em Portugal já estava tudo fechado e nós aqui ainda permitíamos a entrada de 25 por cento da capacidade do estádio. Foi mais ou menos até outubro, mas depois voltaram a fechar tudo. Preferimos jogar sempre com adeptos, especialmente em casa. No estádio novo vamos ter capacidade para 22 mil adeptos e, pelo facto de estarmos em primeiro, iríamos de certeza conseguir encher o estádio. Jogar com o estádio cheio, com resultados positivos, eles a puxarem por nós e a celebrar as nossas vitórias, seria uma sensação única.

Continuas a jogar como médio defensivo, mas já marcaste um golo esta época, o que não é muito habitual. Como foi?

- Marquei um ao Lech Poznan. Foi já no final do jogo, num lance de bola parada, aproveitei uma segunda bola e com um remate a meia altura fiz o golo. É sempre bom para a estatística.

Tens aí o Luís Mata no plantel, vocês já se tinham cruzado no FC Porto B...

- Sim, jogámos pouco, mas chegámos a fazer alguns jogos. Na altura em que ele chegou lesionei-me, depois na época seguinte saí para o Vitória. Os nossos caminhos separaram-se, mas depois voltámo-nos a encontrar aqui.

Para o Luís Mata e para o Zahovic foi bom encontrar-te aí, não só como amigo, mas também como tradutor…

- Sim, eu falo fluentemente polaco, também tenho nacionalidade polaca, portanto a minha adaptação qui foi muito fácil. Não foi nada de novo para mim a nível do que é a cultura polaca, mas o facto de eles estarem cá faz com que também me sinta melhor.

Estás em estágio para um jogo da Taça com o Piast, atual oitavo classificado do campeonato

- Sim, eles há dois anos foram campeões, o ano passado também ficaram bem classificados e foram aos play-offs das competições europeias. Têm uma equipa forte. Nesta altura os relvados estão fracos, o inverno foi muito rigoroso e isso também prejudica o ambiente. Os tapetes verdes ficam com alguns buracos, o piso fica irregular, é muito difícil manter uma qualidade de topo.

Esta já é a tua terceira época na Polónia, quais as grandes diferenças para a liga portuguesa?

- A grande diferença é que aqui o campeonato é muito mais equilibrado. Não há uma diferença tão grande entre, por exemplo, o Legia e o décimo classificado. Não existe aquele fosso que existe em Portugal entre o FC Porto, Benfica, Sporting e Sp. Braga e os outros. Depois ainda há o Vitória ou uma equipa sensação, como já foi o Famalicão e é agora o Paços de Ferreira. Mas o resto fica tudo mais para baixo. Aqui até ao sétimo ou oitavo classificado é muito equilibrado, mesmo o Legia já perdeu dois jogos contra os últimos classificados o que demonstra que a qualidade aqui não é tão diferente. Os orçamentos também são mais próximos, não há aqueles desfalques entre orçamentos gigantes, como os do Benfica ou FC Porto, e outros mais fracos como o Tondela ou Moreirense. A nível de qualidade de jogo também é diferente. Em Portugal temos grande qualidade de jogo entre as equipas que estão nas competições internacionais, são extremamente eficazes e competentes no seu trabalho. Depois temos equipas que não conseguem acompanhar a nível de infraestruturas e qualidade de treino. Aqui, comparando com a segunda metade da classificação portuguesa, o campeonato é da mesma qualidade, mas com melhores condições de trabalho, com melhores condições para os jogadores evoluírem. Aqui sentes-te mais jogador naquilo que são as condições que proporcionam aos jogadores para treinarem e jogarem. Aqui é um jogo mais físico, menos de posse, com muitas transições também, mas se calhar não tão fortes taticamente. Mas também há qualidade individual e há equipas que consegue jogar coletivamente com qualidade, como o Lech Poznan, o Legia ou mesmo a nossa equipa. Lembro-me que ainda há dois anos o Jagiellonia Bialystok eliminou o Rio Ave nos play-off da Liga Europa.

Depois há outra diferença evidente que passa pelo frio. Já tinhas jogado com temperaturas tão baixas e com neve?

- Não, não estava nada habituado. Este ano até estamos a ter um inverno muito mais forte do que nos anos anteriores. Temos tido neve. Szczecin ou Estetino em português fica a noroeste, a duas horas de Berlim e não costuma nevar tanto, mas temos tido temperaturas de menos oito ou menos, mas não é tão difícil como em Portugal com a humidade que tem. No Porto ou em Lisboa também é difícil jogar quando está zero graus. Aqui também temos a paragem de inverno. Em Portugal joga-se o ano todo, aqui, como na Alemanha, para-se e quebra-se um pouco o ritmo. Para mim isso é que é mais difícil.

Já contaste que falas fluentemente polaco, mas no balneário sentes-te como mais um polaco ou como um estrangeiro? Como é que os outros jogadores olham para ti?

- Sinto-me bem, sinto-me em casa, mas claro que serei sempre visto como um português que tem nacionalidade polaca, eles não vêm em mim um polaco que teve uma educação típica polaca, tenho uma perspetiva muito diferente de ver as coisas e de ver o futebol. Fico ali num intermédio, ou seja, eles não olham para mim como um polaco tradicional, como não sou, mas também não me vêm como um estrangeiro, vê-me com uma pessoa que está ligada à Polónia. Fico ali num equilíbrio.

Como foi a nível familiar esta possibilidade de jogares na Polónia? Foi uma ideia bem recebida?

- Sim, a proximidade com a família tem sido um ponto positivo. O facto de vir para aqui permitiu-me visitar mais a família do lado do meu pai. Consigo estar mais tempo com eles e isso é ótimo. Mas, claro, como jogador, como profissional, preferia estar nas ligas principais. A Polónia, nesse aspeto, não chega a esses patamares, mas é um campeonato com Potencial. Mas a família claro que está feliz por eu estar cá.

O teu pai chegou a jogar basquetebol [no Astoria Bydgoszcz] e andebol [no Warszawianka]. Ele teve influência na tua opção pelo futebol?

- Os meus pais tiveram imensa influência naquilo que me tornei hoje enquanto jogador e pelo caminho profissional. Além de dedicarem muito do seu tempo para treinarem connosco. Tenho mais dois irmãos que também jogam e jogávamos todos em família. O facto de serem os dois professores de educação física levaram-nos a enveredar por uma vertente desportiva que fazia parte do nosso ADN. Claramente tiveram influência na minha carreira.

Tens dois irmãos mais novos, o Filipe (20 anos) e o António (22 anos). O mais velho chegou a estar aí contigo no Pogon, não foi?

- Sim, chegou a estar aqui na equipa B do Pogon, mas depois quando veio a altura do covid as ligas ficaram completamente congeladas e ele ficou sem jogar. Esteve cá seis meses e depois acabou por voltar para Portugal. Agora está sem clube neste momento e, em princípio, vai optar por uma vertente académico/desportiva, possivelmente nos Estados Unidos.

E o teu irmão Filipe, estava no Gondomar…

- Continua, mas nos dias de hoje, os campeonatos não profissionais estão totalmente parados, não sei como será o futuro.

Em Portugal eras muitas vezes confrontado entre a opção pela seleção de Portugal ou da Polónia. Agora que estás na Polónia são os polacos que te perguntam o mesmo. É uma questão que te incomoda?

- Não incomoda, mas respondo sempre o mesmo. Quando for uma situação concreta, real, será o momento de tomar decisões, mas não gosto de falar de situações que não são concretas, por isso não há muito a dizer. Tenho legitimidade para jogar na Seleção A ou pela seleção polaca, se for o caso depois tomarei a decisão, mas qualquer jogador sabe que a carreira é curta e todos os momentos são de aproveitar, especialmente quando se quer jogar ao mais alto nível neste desporto. Quando há a possibilidade de se jogar um Europeu ou um Mundial nenhum jogador dirá que não quer experimentar.

Aqui em Portugal tiveste um percurso fantástico nas seleções, com um total de 85 jogos em vários escalões. Sentes que faltou fechar o ciclo com uma chamada à seleção principal?

- Tudo parte primeiro daquilo que tenho de fazer nos clubes, depois estar num espaço mais competitivo. A seleção portuguesa está neste momento num nível extremamente elevado e todos os jogadores que pertencem aos quadros da seleção estão a jogar nas melhores ligas a nível europeu. O meu primeiro objetivo será focar-me para poder jogar ao mais alto nível possível a nível de clube para, depois, poder pensar noutras situações como a seleção.

Há três anos, em entrevista ao Maisfutebol, contaste que ainda não tinhas nacionalidade polaca, já trataste disso entretanto?

- Já tenho, já.

Já conhecias bem a Polónia antes desta opção pelo Pogon, mas já conhecia Scszecin, a cidade onde estás agora?

- Não, esta cidade não conhecia, mas também tenho cá família. Tenho uma prima direita do meu pai, portanto, é como se fossem meus tios e ajudaram-me na adaptação à cidade.

A tua família é de Varsóvia?

- Tenho família espalhada por toda a Polónia. A maior parte está numa parte central onde Portugal fez o primeiro jogo no Europeu de Sub-21 de 2017, em Bydgoszcz. Mas depois também tenho família em Varsóvia, Poznan, Gdansk e Szczecin. Nas cidades principais só não tenho familiares em Cracóvia, de resto tenho um bocadinho por todo o lado.

E o que nos podes contar de Szczecin ou Estetino?

- É uma cidade com 400 mil habitantes, uma cidade que era alemã antes da II Grande Guerra Mundial, depois passou para o lado polaco. Fica a duas horas de Berlim, é perto da fronteira. É uma cidade, como as cidades polacas, com uma forte componente cultural e ao desporto com o nosso Pogon. Também tem aqui uma sede da NATO, que é uma das sedes mais a leste da Europa. Dentro da Polónia é uma cidade desenvolvida, ou seja, tem mais influência da Alemanha do que as cidades que estão a leste, mais próximas da Ucrânia ou Lituânia. Para quem viva no Porto ou em Lisboa não fica surpreso. Estou contente por estar cá.

Continuas a acompanhar a Liga portuguesa? Surpreendido com o primeiro lugar do Sporting?

- Continuo a acompanhar, não me surpreende, acho que o que o Sporting tem conseguido é por mérito próprio, mas também sei que o FC Porto vai estar muito perto deles até ao fim. Ainda falta muito campeonato. Fizeram agora há pouco tempo cinquenta por cento do campeonato, por isso é muito cedo para se dizer alguma coisa. O Sporting está a mostrar que acredita cada vez mais, mas a nível da qualidade individual é difícil dizer quem é o mais forte. Acredito que muita coisa pode ainda mudar até ao final, especialmente o FC Porto porque o Benfica está um bocadinho mais atrás. Lembro-me dos últimos campeonatos que havia uma diferença de sete pontos e depois tudo muda até maio.

Deixaste cá certamente muitos amigos. Aquela equipa do FC Porto B que foi campeã está agora toda dispersa. Tens acompanhado o percurso dos teus antigos companheiros?

- Sim, o Francisco Ranos está no Nacional, o Ivo Pinto voltou da Bélgica e está no Famalicão. Depois o Rafa está no Eibar em Espanha, o André Silva está no Eintrach Frankfurt. O João Graça está na II Liga, no Mafra. Da minha geração, de 1995, era essencialmente este grupo.

Nas férias? Vens a Portugal? Agora é ao contrário…

- Sim, devo ir, mas normalmente aproveito as férias para viajar, gosto muito de viajar. Não tenho ido tanto a Portugal, até porque agora está tudo fechado e com a covid é sempre difícil. Mas tenho aproveitado agora que estou aqui nesta zona da Europa. A nível geográfico é muito positivo. EM Portugal, com dois dias de folga, não consegues vir para aqui para a Europa central, são pelo menos cinco horas de voo. O facto de estar aqui na polónia tem sido bom nesse aspeto, já fui à Dinamarca, era para ir à Suécia, mas foram cancelados os voos agora. Já fui visitar Berlim, Veneza, tenho ido a vários sítios aqui à volta.

Falaste na covid-19, como está aí a situação? Também há muitas restrições?

- É diferente, tem tudo a ver com os critérios de cada país. A acreditar nas notícias, a Polónia tem menos casos do que Portugal, mas a verdade, os factos, é que A Polónia faz muitos menos testes do que Portugal, portanto é difícil estar a comparar estatísticas. Os números aqui agora estão melhores, mas Portugal testa três vezes mais e a Polónia é quase quatro vezes maior do que Portugal, tem quase 40 milhões de habitantes. As coisas agora estão pacíficas, não sinto um grande caos, apesar de eu e a minha família sentirmos isto também. Como em todo o mundo, as pessoas estão deprimidas, estão tristes. Os restaurantes estão fechados há mais de três meses, voltaram agora a abrir os shoppings. É obrigatório o uso de máscara. O mais difícil tem sido para os restaurantes e, agora, os hotéis também estão a passar um mau bocado.

Tens contrato até ao final desta época, expetativas para o futuro? Vias com bons olhos um regresso a Portugal?

-  Acabo contrato em junho, sim, vejo com bons olhos se a proposta também for positiva. Depende das condições do clube, do projeto e das condições que o clube tem para oferecer. Sabemos que Portugal é sempre um mercado com visibilidade, sinto que este ano está a subir a nível qualitativo outra vez. Houve ali uma quebra, mas agora sinto que estão vários jogadores a regressar, até jogadores da minha geração, como já falámos, como Pedro Rebocho que agora voltou de França para o Paços de Ferreira. Se gostava de ir para Portugal? Gostaria acima de tudo de ir para um campeonato que me levasse a diferentes sonhos e a diferentes patamares. Também tenho a possibilidade de ficar cá na Polónia. Tenho tudo em aberto, mas também tenho uma possibilidade de voltar a Portugal.

Um título na Polónia também te pode abrir outras portas, não?

- É importante. É nisso que estamos focados.

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