Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@mediacapital.pt ou rgouveia@mediacapital.pt

Em dezembro de 2019, Bubacar Djaló pôs termo a uma longa ligação ao Sporting, clube onde cumpriu a maior parte da formação enquanto jogador e onde deu os primeiros passos no futebol profissional pelas portas da equipa B.

Utilizado poucas vezes nos últimos anos, o médio sentiu que a etapa nos leões estava esgotada. Fez as malas e partiu rumo à Finlândia para jogar no HJK de Helsínquia. Meses depois, ajudou a melhor equipa daquele país a reconquistar o campeonato e, também, a vencer a Taça. «Vir para cá foi a melhor decisão que tomei», diz.

Aos 23 anos, Bubacar, em tempos apontado como uma promessa do Sporting, onde chegou a treinar com Jorge Jesus, renasce na fria Finlândia com a ajuda de suplementos de vitamina D e do próprio talento, que chegou a pôr em causa na reta final da passagem por Alcochete. Hoje? Sente importante como nos dias em que, ainda júnior, um jornal italiano o apelidou de «novo Pogba».

Maisfutebol – Sair do Sporting, um clube onde se está quase desde sempre, e ir diretamente para a Finlândia é uma mudança drástica. Como foi aí parar?
Bubacar Djaló – Eu estava à procura de um projeto para, digamos assim, reconstruir a minha carreira. O empresário Filipe Graça apresentou-me uma proposta do HJK, que estava à procura de um jogador com as minhas capacidades. Apresentaram-me um bom projeto que achei convincente. Decidi experimentar.

MF – O que é que pensou assim que ouviu o nome Finlândia?
B.D. – Vou ser honesto. O meu primeiro pensamento foi que a Finlândia não era propriamente um país com uma grande cultura de futebol. Mas pensei que poderia ser bom para mim, porque ia ter a oportunidade de jogar, que era o que eu procurava. Também fui pesquisar e vi que a equipa é quase sempre campeã e que por vezes vai às qualificações da Liga dos Campeões e da Liga Europa, o que poderia ser bom para o meu futuro.

MF – Que país encontrou ao nível da cultura do futebol?
B.D. –
Acabei por ver que é completamente diferente do que pensava. Posso dizer que o campeonato finlandês está, com toda a certeza, ao nível de uma II Liga portuguesa. Estava à espera de um nível mais baixo, mais físico e mais de contacto. De mais trabalho do que propriamente de qualidade.

MF – E o HJK Helsínquia?
B.D. – É a melhor equipa daqui, de longe. Está quase sempre a ganhar. No ano passado não foi campeã, mas este ano ganhámos tudo o que havia para ganhar e no próximo ano estaremos nas eliminatórias para a Liga dos Campeões. Também encontrei um grupo unido e não falo só porque fica bem dizê-lo numa entrevista [risos]. Encontrei mesmo um grupo muito unido, onde se puxa por todos. E os finlandeses têm uma cultura muito própria de trabalho e de levarem as coisas muito a séria. Ainda para mais numa equipa que tem este ADN de ganhar sempre.

MF – Teve uma adaptação fácil?
B.D. – Vim para um país diferente, com uma língua e cultura diferentes. Foi a primeira vez que saí de Portugal e é normal que a adaptação seja difícil. Mas receberam-me muito bem e isso ajudou-me bastante. Acho que vir para a Finlândia foi a melhor decisão que tomei.

MF – O que foi mais difícil nessa adaptação?
B.D. – A adaptação à cultura e ao clima. Cheguei no inverno, com frio e numa altura em que o sol chegava às 11h00 e ia embora à uma da tarde.

MF – Um dia com duas horas…
B.D. – Sim, só duas ou três horas de sol. É algo que nunca tinha visto na vida. Temos de tomar vitamina D para compensar. [Risos] Até a cor da minha pele mudou. Agora estou [mais risos]...

MF – Mais claro?
B.D. – Mais claro, sim! Depois veio a primavera: aí, o sol punha-se à meia-noite e nascia às 4 da manhã.

MF – Isso já não é mau, certo?
B.D. – Nada disso! É complicado para dormir, porque está sempre claridade. Tive de comprar cortinados super grossos para poder dormir.

MF – Quando chegou à Finlândia assinou por uma época com mais duas de opção e, recentemente, o HJK acionou a opção de renovação por mais duas épocas. Está a ser um casamento perfeito?
B.D. – Acho que não há casamentos perfeitos. Mas está a ser uma experiência muito boa, não só como profissional, mas também como pessoa. Estou a aprender muitas coisas, também culturalmente.

MF – Estive a ver os seus números esta época e saltou-me à vista que nos 14 jogos que fez como titular, o HJK nunca perdeu. É coincidência ou dá para puxar a brasa à sua sardinha?
B.D. – [Risos] Também tive duas lesões pelo meio, mas consegui fazer um bom número de jogos e quando joguei consegui ajudar a equipa. Sou mais um para ajudar. Logicamente que me sinto importante e acho que contribuo para as vitórias.

Bubacar Djaló ajudou o HJK a conquistar a dobradinha

MF – Sente que cresceu como jogador ao longo deste ano?
B.D. – Sim. E é normal. Quanto mais joga um jogador, mais evolui. E nos últimos anos eu não estava a jogar muito. Aliás, para ser honesto, estava a jogar muito pouco. Sinto que isso atrasou o meu desenvolvimento e afetou também a minha confiança. Este ano tive mais minutos, melhorei ao nível da confiança e pude demonstrar o meu futebol. Cada vez mais, sinto que estou pronto para qualquer coisa que venha.

MF – Disse que jogou pouco nos últimos anos no Sporting e que isso afetou a sua confiança.
B.D. –
Acho que não é só no futebol. Quando ficamos muito tempo sem fazer algo, fica difícil. Em dois anos fiz sete ou oito jogos no Sporting. Não tive muitas oportunidades para jogar e nunca compreendi porquê. Esperava ter tido mais oportunidades. Como disse, quando um jogador não joga, fica enferrujado. E aí surgem dúvidas: por um lado questionamos porque é que não temos oportunidades e, por outro sentimos que já não somos tão bons como antes. E olhamos para a trajetória de jogadores, com quem estivemos na Seleção e que estão a subir, e pensamos que talvez aquilo não seja para nós.

MF – Olhando para trás, sente que poderia estar agora no mesmo patamar que alguns jogadores da sua geração que estão hoje a dar cartas?
B.D. – Sinto. Se tivesse mais oportunidades a história poderia ser outra.

MF – Essa confiança que disse ser fundamental perde-se com jogos, mas também só se recupera a jogar.
B.D. – Exatamente. E eu fazia um jogo de dois ou de três em três meses. E quando entrava sentia-me com aquela pressão extra de ter de dar tudo certo. Era muita carga. Eu era mais novo e não tinha a mente tão leve para processar as coisas.

MF – Vi que em 2015, quando tinha 17 ou 18 anos, falou-se que clubes de topo como Manchester City, Juventus e PSG estavam a segui-lo e um jornal italiano até chegou a chamar-lhe «novo Pogba». Lembra-se?
B.D. – Sim, lembro-me. Claro que fiquei contente, aconteceu numa fase em que estava no máximo da minha confiança. Foi uma altura em que se passou muita coisa num curto espaço de tempo. Mas essas notícias até não mexeram muito com a minha cabeça. Foi um ano em que fiz alguns jogos pela equipa B e fomos vice-campeões de juniores.

MF – Mas essa comparação com Pogba tinha alguma razão de ser? Conseguia encontrar semelhanças com ele?
B.D. – Escreveram que eu tinha um estilo parecido, por gostar de ter a bola e querer arriscar. Mas, sinceramente, não me achava muito parecido com ele. Talvez só na parte de ter mais a bola.

MF – Achava-se mais parecido a algum outro jogador em particular?
B.D. –
Nunca me vi muito parecido com um jogador em específico. Sempre tentei seguir exemplos de vários jogadores da minha posição. Ir buscar pontos importantes a jogadores diferentes. Intensidade, agressividade, agilidade, perceção do jogo e equilíbrios.

MF – Durante os anos em que esteve no Sporting chegou a treinar com a equipa principal?
B.D. – Cheguei. Na altura do Jesus. Ainda em júnior cheguei a fazer um bom número de treinos com eles. Até era para ter feito uma pré-época com eles em 2015.

MF – Logo na primeira época de Jesus no Sporting?
B.D. – Sim. Ia eu e o Podence, mas eu acabei por não ir.

MF – E que memórias guarda de Jorge Jesus e da exigência dele nos treinos?
B.D. – Quando me chamavam, eu sabia que tinha de correr muito [risos]. Ou dávamos o máximo, ou não estávamos ali. No primeiro treino senti-me bastante intimidado. Pela forma como ele falava, como puxava por nós. Não dava desconto a ninguém.

MF – Lembra-se de alguma história engraçada?
B.D. –
Logo nesse treino, lembro-me que numa altura eu estava mais perto dos centrais e ele virou-se logo para mim: ‘Então, mas tu não és médio? Vai para o teu lugar pá’ [risos]. Mais tarde, acho que em 2017, meteu-me a lateral-direito num jogo-treino contra a equipa B. O Ary Papel passou por mim e eu fiz penálti. O Jesus veio para cima de mim todo chateado e a gritar [risos].

MF – Voltemos à Finlândia. Li que o país tem sido um caso de sucesso no combate à pandemia de covid-19.
B.D. – Neste momento está a piorar, mas os finlandeses são cuidadosos, não vão muito para bares e passam muito tempo em casa, também por causa do clima. E são um povo reservado, que não é muito de abraços nem de grandes festas. Quando cheguei cá, em janeiro, vi que eles já se cumprimentavam com a mão fechada. E, mesmo antes da pandemia, quando tínhamos uma pequena constipação, não treinávamos. Aqui, quando alguém está doente não trabalha e já era assim antes. Esses cuidados que eles já tinham, ajudam a travar o agravamento da pandemia aqui. Também nunca foi obrigatório o uso de máscara, mas o Governo recomenda e a maior parte das pessoas usa-a.

MF – Entre março e abril, Helsínquia foi isolada para que a contenção da pandemia fosse mais eficaz. Passou por isso?
B.D. –
Sim. Foi já no período da quarentena, numa altura em que o campeonato já estava parado. Eu vivo numa ilha a 15/20 minutos da cidade, mas dentro desse círculo de Helsínquia. Durante cerca de um mês ficámos em casa. Estava praticamente tudo fechado.

Bubacar Djaló vive numa ilha a alguns quilómetros da capital Helsínquia

MF – E o campeonato finlandês? Esteve parado cerca de três, tal como a maioria das ligas na Europa.
B.D. – Sim. Esteve parado algum tempo.

MF – E o público?
B.D. – Sempre houve público. Mas com um número limitado de pessoas e lugares marcados. Gradualmente foram aumentando a lotação, porque a situação também nunca esteve tão má como noutros países.

MF – E como se festeja a conquista de um campeonato em plena pandemia?
B.D. – De forma muito contida. Festejámos no estádio entre nós e no dia seguinte fizemos um jantar básico. Merecíamos mais, mas não queremos colocar ninguém em risco nem correr riscos.