Um título é apenas um título, um chapéu, às vezes uma carapuça.
Esta semana recebi dois emails com o mesmo assunto: o nome da crónica. O primeiro, afirmava que não poderia ser mais certeiro, remetido por um homem de 52 anos, também ele jogador de fim-de-semana, fiel ao mesmo grupo quase há três décadas, com quem joga todas as terças-feiras.
O segundo foi enviado por um jogador amador. Colocava em causa não só o nome — «deveria chamar-se jogador de quinta-feira, uma vez que só joga às quintas :-)» — como referia que os verdadeiros jogadores de fim-de-semana são os jogadores amadores, federados, eles sim «praticantes de um futebol mais puro e genuíno, que honra os valores do desportivismo, associativismo e bairrismo sem nunca perder de vista a competitividade».
Ainda pensei desafiá-lo para um duelo de passes ou penáltis, mas meti a bola ao saco e disse-lhe que sim, que talvez tivesse razão. Não me caberá a mim defender o meu bom nome, era o que faltava, muito menos medir forças com os jogadores amadores. Tenho-lhes imenso respeito. Fui federado durante dois anos, noutra vida, e só de falar no assunto ainda me doem os músculos e as clavículas. Além disso, também eu, sobretudo eu, me pergunto muitas vezes o que é isso, afinal, de ser jogador de fim-de-semana? Por isso escrevo estes textos.
Confesso, contudo, que não resisti a fazer zoom à cara dos remetentes — aquela fotografia anexada à morada de email, para confirmar se tinham ar de jogadores. Um deles, sim, o jogador amador. O outro não. É essa a diferença. Uma das. Olha-se para a cara (e o corpo e o cabelo e o passo e a idade) de um jogador, profissional ou amador, e percebe-se de imediato que é ou poderia ser jogador. Um atleta. Existe um padrão, mesmo que seja de bom senso dizer-se que não há dois jogadores iguais.
É claro que há milhões de jogadores iguais, no mínimo parecidos, de tal forma que, quando alguém foge ao estereótipo, dizemos «nem parece jogador».
Héctor Bellerin, o mais recente reforço do Sporting, com gostos, aspecto e um bigode fora de jogo e de época é disso um bom exemplo. «Este deve ter a mania que é artista», «parece um cantor pimba» ou «tem mais pinta de músico que de futebolista» foram alguns dos comentários que apontei ao longo das duas últimas semanas. Os publicáveis. Basta alguém mostrar-se um pouco diferente, para provar que somos todos iguais. Mas isso é outra conversa.
Já eu, dei por mim a pensar que poderia ser um jogador de fim-de-semana. Porquê? Precisamente porque o jogador de fim-de-semana pode ser tudo e o seu contrário. É fácil gozar com ele, mas é difícil, senão quase impossível, apontar-lhe o dedo. Detectá-lo no meio da multidão. Pode ser baixo, gordo, magro, alto e espadaúdo, homem, mulher (quase sempre homem, mas lá chegará o dia em que o futebol feminino deixará de ser apenas um parêntesis), médico, advogado, canalizador, eletricista, pode ser humilde ou fanfarrão, ter muita ou pouca garganta, a mania que é artista, ter um ou dois pés, ter cabeça mas não ter pés, ou mesmo não ter pés nem cabeça; pode, em alguns casos, parecer-se com um jogador ou ter sido jogador, mas isso é a excepção. Nesses casos diz-se que já «foi jogador», que «poderia ter sido jogador» ou que «parece um jogador».
Desculpem, entusiasmei-me (isto da escrita é como a bola, convém saber quando largá-la), mas já que comecei vou até ao fim, o leitor que me perdoe.
Outro dos aspectos referidos na mensagem era o facto de eu «nem sequer jogar futebol», mas sim futsal. Tem razão, mais uma vez. O jogador de fim-de-semana joga, sobretudo, futsal e futebol de 7, se bem que, não raras vezes, pense que está a jogar futebol de 11, a fingir que o pavilhão é um estádio, o sintético um relvado e que não é dor a dor que deveras sente; o jogador de fim-de-semana não ama a dor, como diria o mestre Abel, mas não vive sem ela; não sente falta do cheiro a balneário, porque a maior parte nunca esteve num balneário a sério, mas conhece todos os cambiantes do Voltaren; não pode ser confundido com um jogador porque não joga a troco de dinheiro, nem sequer de uma sandes mista e uma mini; não só não recebe nada em troca, como paga para jogar, especialmente ao final do dia, depois de um dia trabalho, quase sempre tarde e a más horas — como é o meu caso, todas as quintas-feiras, às 23h, para mal dos meus pecados e do meu casamento.
Chegados a este ponto, escusado será dizer que o jogador de fim-de-semana não joga apenas ao fim-de-semana. Joga quando quiser, quando a mulher (ou marido) deixam e, sobretudo, quando pode. Por norma, uma vez por semana, se possível duas. Mais do que isso é amor ou loucura. Ou profissão.
«Jogador de fim-de-semana» é uma crónica literária de João Ferreira Oliveira, que escreve todas as segundas-feiras no Maisfutebol. O autor opta pelo Acordo Ortográfico antigo.