A ovação para João Tomás quando aos 61 minutos o avançado substituiu Van Hooijdonk podia parecer injustificada - os adeptos do Benfica receberam a entrada em campo do antigo ponta-de-lança da Académica como se fosse D.Sebastião a regressar de África para concretizar o Quinto Império, recordando os três golos que marcara em Guimarães.
Poderia ser injustificada quando entrou, mas meia hora depois João Tomás saía do relvado como o salvador do Benfica, autor dos dois golos que mataram o jogo, quando a vantagem de 1-0 trazida do intervalo parecia poder esfumar-se a qualquer momento.
O minuto da entrada em campo de João Tomás segue-se a outro decisivo para a História dos 3-0 entre Benfica e Sporting. Aos 60 minutos, Fernando Meira faz falta sobre João Pinto. Falta clara. O problema foi saber se acontece dentro ou fora da área.
O próprio árbitro Jorge Coroado, bem colocado, hesitou. Acabou por assinalar livre directo, junto ao vértice esquerdo da área do Benfica. No estádio é impossível ter a certeza. Diz quem viu na televisão que Meira carrega o jogador do Sporting dentro da área. Coroado pode ser inocentado pela dificuldade de analisar o lance, mas terá errado. E um penalty, numa altura em que o Sporting pressionava e procurava o empate, apesar de revelar alguma incapacidade em criar lances de perigo, era meio caminho andado para o golo.
Não foi penalty, o livre de Delfim não deu em nada, logo a seguir entrou João Tomás. O Sporting ainda pressionava, mas esses dois minutos ficariam marcados a tinta da china na vitória do Benfica, que na altura comandava com um golo de Van Hooijdonk, também de penalty, marcado em cima do intervalo.
A pressão do Sporting era ainda inconsequente, apesar de cada vez mais sufocante. Inácio lança Spehar (71m), abdicando do defesa-esquerdo Rui Jorge. A equipa de Alvalade parece ter cada vez mais condições para chegar ao golo. Se até aí fonte dos poucos desequilíbrios criados pelos leões tinha sido a deslocação de João Pinto para o centro do ataque - Chano mantinha-se no meio-campo e o centro da defesa do Benfica ficava sem vantagem numérica -, a entrada de mais um ponta-de-lança prometia baralhar as contas do sector mais recuado do Benfica.
Isso chegou a acontecer nos cinco minutos que se seguiram à entrada do croata, apesar de a momentânea superioridade numérica na frente (ou a posição privilegiada de um ou outro jogador do Sporting) não resultar em qualquer ocasião flagrante para marcar.
Expulsão, golo
Aos 76 minutos chega-se ao segundo momento decisivo do jogo. Pedro Barbosa protesta a marcação de uma falta e é expulso. O Sporting, que para criar perigo no ataque já fragilizara a sua defesa, perdia agora um elemento no meio-campo e ficava a jogar com menos um.
Dois minutos apenas passaram e o encontro ficou resolvido. Fernando Meira despacha uma bola na defesa, João Tomás arranca do meio-campo e termina na área do Sporting, 40 metros galgados em segundos, Nélson a tentar a mancha, a frieza do avançado a colocar a bola no ângulo. É certo que João Tomás dispôs das oportunidades e do espaço que Van Hooijdonk nunca teve. Aliás, até aos 78 minutos, quando fez o 2-0, João Tomás ainda não tinha provado que estava em campo.
Mas quatro minutos depois o avançado repetiu o feito e desmentiu a teoria de acidente, agora servido na perfeição por Calado, na meia-direita da área, agora picando a bola por cima de Nélson em vez de a desviar para um dos postes. O 3-0 acabava com o jogo, o Benfica era vencedor indiscutível, os últimos minutos foram de euforia na parte vermelha da bancada, de confrontos no sector verde e branco, de oportunidades perdidas para o ataque da equipa da casa, que trocava a bola com rapidez, aproximando-se com mais facilidade que alguma vez em todo o jogo da baliza do Sporting.
É injusto ligar a vitória do Benfica a dois erros do jogo - um de Coroado, outro de Pedro Barbosa - e à eficácia de João Tomás. Tudo isso surge ao fim de uma hora de jogo e até aí o Benfica tinha conseguido uma justa vantagem, embora na altura e da forma mais improvável.
Um penalty, quatro anos e meio depois
Os primeiros dez minutos de jogo são de pressão encarnada. Tudo é feito da forma indicada, as desmarcações, os passes nas costas dos laterais adversários, as corridas dos extremos, a pressão sobre a posse da bola. O Benfica cria duas grandes oportunidades para marcar - as melhores de todo o jogo, se exceptuarmos o período em que o Sporting actua com dez elementos.
Logo aos cinco minutos Carlitos centra atrasado e Maniche remata para excelente defesa de Nélson, com o pé direito. Quatro minutos depois é Miguel a obrigar o guarda-redes do Sporting a brilhar, a que se segue outro tiro de Carlitos por cima.
O começo sufocante dos encarnados não deu em nada e o Sporting lá foi equilibrando o encontro. Deixou de perder a bola com tanta facilidade, o que evitou as rápidas saídas do Benfica para o ataque, e começou a circulá-la melhor. Não que isso significasse uma maior proximidade do golo - ao maior tempo de posse de bola não correspondiam lances de perigo. Um mau passe de Maniche, aos 37 minutos, a que Acosta tenta chegar mas em que Meira se antecipa, é a melhor ocasião do Sporting em todo o primeiro tempo.
Pouco depois (41 minutos) Paulo Bento retribuiu a oferta. Num contra-ataque rápido Maniche solicita Carlitos na direita e o médio verde e branco antecipa-se. O corte de cabeça de Paulo Bento coloca a bola no meio da área, em Van Hooijdonk, que é impedido de rematar por André Cruz.
Coroado assinala penalty contra o Sporting, pela primeira vez nos últimos quatro anos e meio em jogos de campeonato - o último tinha sido diante do Gil Vicente, a 28 de Abril de 96. Van Hooijdonk marca para a esquerda de Nélson, mas o árbitro manda repetir. À segunda o holandês engana o guardião leonino, atirando para o outro lado e trazendo justiça ao resultado. Não que na altura o Benfica merecesse o golo, mas pelo futebol dos primeiros 10 minutos a equipa da casa era ainda superior.
O Sporting iniciou o segundo tempo a procurar pressionar, mas a incapacidade em chegar à área adversária era flagrante. Mesmo depois do penalty não assinalado, mesmo depois da entrada de João Tomás, mesmo depois da expulsão de Barbosa e dos dois golos do D.Sebastião da Luz, o Sporting tentou e nunca conseguiu. As únicas defesas de Enke a remates dos leões surgem já depois de Coroado ter mostrado a placa dos cinco minutos de descontos, a remates de Delfim.
A História dos 3-0 pode ter sido escrita a partir de um erro do árbitro e de outro de um jogador do Sporting, mas o final não foi inverosímil para quem viu o filme, só a forma de lá chegar.