Dezasseis dias depois do acidente da Luz, Ivo voltou ao trabalho no Salgueiros. O episódio foi vivido em directo por milhões de pessoas que, por televisão e no estádio, assistiam ao jogo Benfica-Salgueiros, do passado dia 19 de Agosto, e que chegaram a temer pela vida do jovem guardião. 

Aos 63 minutos, um cruzamento para a área salgueirista fez encontrar o avançado angolano Mantorras com Ivo, jovem guarda-redes que estava a fazer a sua estreia na I Liga, com a camisola do Salgueiros. E que estreia. Até ao incidente, Ivo brilhava com várias intervenções de enorme qualidade e complicava imenso a missão atacante do Benfica. O primeiro golo dos encarnados tinha ocorrido nove minutos antes, sem quaisquer culpas para Ivo, que havia evitado um score bem mais elevado. 

Mas a estreia, até aí auspiciosa, foi subitamente interrompida com esse lance. De forma involuntária, Mantorras atingiu o guarda-redes do Salgueiros na cabeça. Ivo ficou inconsciente. As imagens televisivas não enganavam: por muitos esforços que os médicos do Salgueiros e do Benfica fizessem, Ivo não respondia. Seguiu, inconsciente, para uma unidade hospitalar em Lisboa. Só horas mais tarde, pelas duas da madrugada de segunda-feira, acordou. Sem saber onde estava, nem o que lhe tinha acontecido...

«Não me lembro de nada» 

Na longa conversa que teve com o Maisfutebol, no dia em que voltou ao trabalho em Paranhos, Ivo recorda, agora com mais distância e com menos receio, tudo o que se passou naquele domingo. E começa por sublinhar que sentiu uma espécie de... buraco negro temporal: «Lembro-me perfeitamente do início do jogo, de todas as incidências até aos sessenta e tal minutos. As coisas estavam a corer muito bem. O Benfica tinha dificuldades em criar perigo, estávamos a enervar o adversário, e chegámos a acreditar que podíamos vencer aquele jogo. Tivemos oportunidades para isso, mas num lance em que foram à nossa baliza, conseguiram marcar, numa jogada em que não tive qualquer hipótese de evitar o golo». 

Tudo mudou aos 63 minutos: «Lembro-me que houve um cruzamento, que saí ao primeiro poste. E depois... não me lembro de mais nada! Não sei o que se passou, só o que vi nas imagens, que já vi muitas vezes. É impressionante, mas não tenho qualquer registo na memória de todos aqueles minutos, quando estava deitado, os médicos a tentarem acordar-me. Sair de maca... Nada, não me lembro de absolutamente nada». 

O regresso ao mundo da consciência deu-se horas depois, já no hospital: «Eram cerca das duas da manhã, acordei, olhei para o lado, e vi que estava no hospital... Não sabia por que lá estava, perguntei logo às enfermeiras, e vi que estava lá a minha namorada. Foi então que ela me contou tudo. Ela estava de férias no Algarve, veio logo para Lisboa quando soube do que se passou... Ela contou-me o que tinha acontecido comigo. Nos primeiros momentos foi um pouco confuso perceber tudo, só depois fui reconstruindo as coisas na minha cabeça. Vieram os médicos e tranquilizaram-me. Avisaram a minha família de que estava bem, que iria para o Porto no dia seguinte e que nem valia a pena virem a Lisboa». 

«Ser guarda-redes é duro, mas não é perigoso» 

O pior já tinha passado. A transferência para o Hospital de Santa Maria, no Porto, surgiu mais por precaução: «Quando regressei ao Porto, já tinha acordado e estava consciente. Precisava de repouso e foi isso que fiz durante alguns dias». Ivo faz questão de explicar não sentiu dores: «Quando estava inconsciente, não senti nada. Quando acordei, nem sequer me doía a cabeça. Isso ajudou a encarar esta recuperação de outra forma. Com menos medo, talvez». 

E agora, será que Ivo vê o futebol de maneira diferente?: «Numa certa perspectiva sim, mas sou exactamente a mesma pessoa que era antes de tudo isto. Vou treinar da mesma forma, a minha vontade de voltar é enorme, estou muito ansioso para que tudo volte ao normal na minha vida de jogador». As sequelas físicas, pura e simplesmente, não existem, Não há sinais de dor, nem cicatrizes: «Isso é bom, faz-me ver que tudo pode voltar a ser o que era», conclui Ivo. 

Será que ser guarda-redes é uma profissão de risco: «É como as outras», desdramatiza o guardião, «Todas as profissões têm riscos. Aliás, até acho que há outras posições no campo que implicam mais riscos, ou pelo menos outros riscos. Agora, ser guarda-redes não é fácil. É duro. Fiquei muito, muito triste com o que se passou ao guarda-redes russo. Claro que me lembrei do que se passou comigo, fiquei muito triste...» 
 

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