Mais pelos dedos de uma mão belga, que se juntavam depois de um rodopio em torno da palma numa estranha coordenação com um absurdo concerto de apito, do que propriamente pelos pés de Montella, o executor da sentença, a eliminação ficara indelevelmente gravada no Bessa. Os italianos, que tropeçavam num jeito arrastado, davam mais de metade do passo no sopro inconcebível do árbitro e, agradecidos, dispensavam mais ajudas. Da mínima parte dos contornos, que não se apagavam mais, cuidou Nakata, num pontapé certeiro, servido a frio, quando os portugueses se aplicavam para manter as bancadas do Olímpico em lume brando. Muito antes de levantarem fervura num golo de Silva, que se limitou a adensar o suspense. 

Aos primeiros ensaios o Boavista reclamava a atenção da Roma, conquistava umas gramitas de respeito ao adversário, com vontade de rir diante do exercício de afirmação. Não havia mais de três minutos de jogo e Pedro Santos e Sanchez já tinham testado o pontapé. Pacheco prometera o ataque e cumpria. A equipa pegava no jogo com vontade de o morder, mas a Roma mantinha os colarinhos a distância segura, não deixava amarrotar a veste impecável, sem mancha de transpiração. 

O jogo, que o Boavista queria só para si, precipitava-se na mesma direcção, já depois de Sérgio, lesionado, deixar o relvado em maca. A Roma, mais sobranceira do que tranquila, nada fizera. Talvez nada precisasse fazer. E nada teria feito, se não fosse o orgulho ferido e o talento de um japonês que reclama a condição de titular. Um arranque e um remate cruzado bastaram-lhe para assegurar a veneração momentânea. 

Risco dilatado 

Estava tudo irremediavelmente perdido. Parecia, pelo menos. Só Pacheco, um teimoso sem cura, acreditava. E mexia. Dilatava o risco para além dos limites máximos, na vez de se render e cuidar de não perder por muitos. Rui Óscar saía e Duda entrava; menos um defesa, mais um avançado. A Roma, abúlica, estava covidada a participar. O Boavista estendia a passadeira a Batistuta e Montella para chegar mais adiante na extensão forçada da trama entediante de Capello, uma especialidade de bocejos e gestos quase reumáticos. 

Assim, na troca de calafrios, o Boavista chegava ao empate, num encosto de Silva, que esbarrou no poste antes de recuperar o interesse da eliminatória e silenciar milhares de vozes, que passavam a duvidar e a mandar Capello para a mesma parte incerta que se cansaram de recomendar aos portugueses. 

Sentindo-se novamente empurrada, a Roma voltava a jogar. Mas pouco. Quase nada, nos pés de Nakata. Em poucos instantes, o Boavista era novamente o melhor. Construía a surpresa devagar, aos soluços, entre a aflição e a ameaça, que Jorge Silva, incrédulo com o cabeceamento em seco com que ferira a atmosfera, falhou por míseros centímetros, uma diferença ridícula que não quis fazer dele um deus do Olímpico. 

Roma a sofrer 

Mas a Roma e o estádio sofreriam até ao fim, na iminência da eliminação, e só suspirariam de alívo à autorização do árbitro, que libertou a tensão e o aplauso demasiado cedo para o Boavista, capaz de ficar por ali, a correr a noite inteira, até desenhar nova cruz na fuselagem e abater mais um colosso italiano. Tê-lo-ia feito, possivelmente mais cedo, se o seu ataque tivesse metade da eficácia do adversário ou, em alternativa, se um outro árbitro, que não o belga que abre a crónica, tivesse dirigido o jogo do Bessa. Foi aí que a Roma, aborrecida e adormecida pela vantagem que qualquer exercício teórico lhe garantia, ganhou a eliminatória. O Boavista parou na vitória moral, incapaz de satisfazer Pacheco. E podia ter sido diferente.