Uma despedida amarga e dolorosa marca o fim da campanha portuguesa neste Euro-2000. Uma despedida marcada pela revolta, um estado de espírito diametralmente oposto ao futebol sorridente e sedutor que Portugal apresentou em todos os outros jogos da competição.  

Mas antes de levar a discussão para as duas decisões de arbitragem que ficaram ligadas à história do Portugal-França, importa dizer que a selecção portuguesa perdeu (2-1 após prolongamento) diante de um campeão do Mundo obrigado a puxar dos galões e a explicar as razões da conquista do título, pondo em campo todos os seus argumentos. A vitória francesa é, no conjunto do encontro, merecida. A forma como foi consumada, após 114 minutos de luta intensa, é que não presta justiça à carreira das duas equipas neste Campeonato da Europa. 

Do ponto de vista do espectáculo, as expectativas para este jogo eram altas. Demasiado altas, talvez. Apesar do futebol atractivo e tecnicista que as duas equipas mostraram desde o início da competição, o rótulo «meia-final» pesou demasiado para que a festa anunciada tivesse lugar.  

Em seu lugar, surgiu um jogo fechado, intenso até ao limite, e marcado por um rigor táctico, que na maior parte do tempo tomou o lugar do talento em estado puro. Mas o futebol também pode ser grandioso dessa forma. E o jogo do Heysel foi de uma grandiosa competitividade. 

Os dois técnicos surpreenderam com as formações iniciais. Humberto Coelho manteve o esquema táctico habitual, mas titularizou Sérgio Conceição em detrimento de João Pinto, na tentativa óbvia de abrir o jogo pelos flancos e travar as habituais subidas de Lizarazu. No meio, surpreendeu também a aposta em Vidigal, que ocupou o lugar de Paulo Bento para equilibrar em termos físicos o duelo com o colosso Vieira. Um tributo à solidez do adversário, em benefício do músculo e em prejuízo da fluidez na circulação de bola. 

Mas a França também prestou homenagem aos portugueses, reforçando o meio-campo com três jogadores de características defensivas (o regressado Petit ocupou o lugar do criativo Djorkaeff). Na frente, regressava Anelka, formando com Henry uma dupla de avançados, alimentada pelo génio de Zidane. 

Os resultados imediatos destas opções perceberam-se logo nos primeiros minutos: um meio-campo sobrepovoado, onde o metro quadrado custava uma fortuna em suor. Foi preciso esperar 13 minutos para Deschamps conseguir o primeiro remate do jogo (à figura de Baía). E apenas mais cinco para Portugal se colocar em vantagem, na primeira oportunidade digna desse nome. 

Um golo caído do céu 

Uma insistência de Sérgio Conceição, que ganhou dois ressaltos, foi encontrar Nuno Gomes na meia-lua. O avançado português deixou seguir a bola e, com a confiança dos goleadores em veia aplicou-lhe um fortíssimo remate de pé esquerdo que deixou Barthez sem reacção. 

Portugal estava em vantagem, sem que o decorrer do jogo o tivesse anunciado. Esse facto quase fez esquecer uma realidade preocupante: o bloco compacto dos franceses a meio-campo obrigava Rui Costa a recuar demasiado na procura da bola e a desgastar-se em esquivas em terrenos recuados, limitando-lhe a capacidade de intervenção na zona decisiva. E como Figo também não encontrava espaços para se libertar de Thuram, Portugal não circulava a bola com o mesmo à-vontade dos outros jogos e ia cavando espaços entre as suas linhas. 

Esse aspecto não foi muito relevante até ao intervalo. Mas na segunda parte, exibindo a confiança dos campeões, a França foi à procura da felicidade e, conduzida por um sublime Zidane, condenou Portugal a uma posição de expectativa, roubando-lhe sistematicamente a bola. 

Nem assim o espectáculo se libertou das amarras tácticas. Mas o golo de Henry (51 m), beneficiando de uma fuga de Anelka em posição suspeita, voltava a colocar as coisas no ponto zero. Com a diferença de que a França juntava ao ascendente físico a supremacia psicológica. 

Barthez salva a França 

As escassas oportunidades de golo não permitem traduzir a intensidade do jogo. Até final, cada duelo foi disputado no limite do sofrimento e da resistência. Mas só nos últimos dez minutos Portugal conseguiu retomar a iniciativa, numa altura em que já tinha colocado Paulo Bento em campo (ganhando eficácia de passe) e trocado Rui Costa por João Pinto (sem ganhar agilidade ofensiva).  

Figo, a pagar o preço da fama, começava a dar sinais de desgaste. Nuno Gomes não conseguia encontrar brechas na impressionante dupla de centrais adversária. Só as explosões de Sérgio Conceição logravam criar algumas dores de cabeça a uma França compacta e inteligente, com uma autoconfiança desmotivadora. 

O prolongamento e a morte súbita anunciavam-se inevitáveis. Mas ainda assim foi preciso uma proeza felina de Barthez para negar o golo a Abel Xavier (grande exibição), numa cabeçada a livre de Figo. Jogava-se o último minuto do tempo regulamentar, e Portugal nunca esteve tão perto da final como aí. 

Mas o prolongamento chegou, e com ele os fantasmas de Marselha e, sobretudo, de um certo França-Paraguai, decidido com «golo de ouro» há exactamente dois anos, dia por dia. Mesmo conseguindo equilibrar o jogo, Portugal nunca deu o passo seguinte, o de assumir o comando. E, no tempo suplementar, não logrou demonstrar a teórica superioridade física pelo facto de ter mais um dia de repouso que o seu adversário. 

Um eslovaco na história do Europeu 

Um contra-ataque concluído por João Pinto, com um remate a rasar o poste de Barthez, foi a última oportunidade de glória de um jogo tão avaro em lances de golo como generoso em emoção e nervos. E foram esses nervos que explodiram de uma vez por todas, a 6 minutos do fim.  

Os avançados suplentes da França, entrados de fresco, combinaram de forma a libertar Trezeguet na cara de Baía. O guarda-redes português conseguiu tirar-lhe a bola dos pés, apenas para a ver escapar-se em direcção a Wiltord, que rematou de ângulo apertado para a baliza. Abel Xavier, sobre a linha, desviou para canto. Com a mão, decidiu o auxiliar eslovaco Igor Sramk, o mesmo que uma hora antes considerara legal a desmarcação de Anelka. Uma decisão discutível, tanto mais que as imagens parecem inocentar o defesa português de qualquer intencionalidade. 

O resto foi penoso, como um mau filme em câmara lenta. Os portugueses, de cabeça perdida, cercaram o árbitro e o auxiliar, tentando inverter o destino. Zidane, fazendo justiça à sua dimensão de craque, converteu o «penalty» com uma frieza inacreditável. E Portugal despediu-se do Europeu com uma negativa em comportamento (Nuno Gomes seria expulso no fim do encontro), apesar de tudo insuficiente para fazer esquecer um percurso a todos os títulos brilhante. Mas, como há 16 anos, a convicção francesa foi mais forte. Foi pena que essa força não encontrasse uma tradução mais cristalina. 

Ficha do jogo 

Portugal, 1 - França, 2 

Estádio Rei Balduíno, em Bruxelas

Árbitro: Gunter Benko (Áustria) 

Portugal: Baía; Abel Xavier, Fernando Couto, Jorge Costa e Dimas (Rui Jorge, 91 m); Costinha e Vidigal (Paulo Bento, 60 m); Sérgio Conceição, Rui Costa (João Pinto, 76 m) e Figo; Nuno Gomes

Treinador: Humberto Coelho 

França: Barthez; Thuram, Blanc, Desailly e Lizarazu; Vieira, Deschamps, Petit (Pires, 87 m) e Zidane; Henry (Trezeguet, 104 m) e Anelka (Wiltord, 71 m)  

Ao intervalo: 1-0 

Marcadores: Nuno Gomes (19 m); Henry (51 m) e Zidane (116 m, g.p.) 

Disciplina: Vidigal (43 m), Figo (53 m), Jorge Costa (54 m), Dimas (61 m) e João Pinto (107 m);Desailly (39 m). Cartão vermelho a Nuno Gomes (116 m)