Gibraltar tem um estádio. Chama-se Victoria Stadium e até tem muito futebol que contar. Recebe treinos e jogos todos os dias, às vezes mais que um jogo por dia. Por ser o único sítio do território a que se pode chamar estádio, é o cenário de todos os desafios dos campeonatos. O Victoria Stadium não tem é condições para receber jogos da UEFA. E é aqui que chegamos ao Algarve. Mais precisamente ao Estádio Algarve, a que a seleção de Gibraltar vai passar a chamar casa. São pouco mais de 300km de distância. E, sobretudo, não é Espanha.

A escolha é óbvia, explica Dennis Beiso, diretor-executivo da Federação de Gibraltar, ao Maisfutebol. Primeiro, por causa das limitações do Victoria Stadium, protagonista diário de uma imaginativa ginástica de agenda. «É o nosso único estádio de futebol, tem capacidade para 2500 espectadores. É uma das razões por que não pode ser utilizado para jogos da UEFA, não tem a capacidade mínima. Tem quatro jogos do campeonato por fim de semana, normalmente o primeiro à sexta-feira, dois ao sábado e outro ao domingo ou à segunda-feira. É um relvado artificial, mas temos de ter cuidado para cumprir os horários mínimos de intervalo entre jogos definidos pela FIFA. Além da I Divisão também temos a II Divisão, com 12 clubes, jogam lá todos. Depois temos ligas juvenis, algumas das quais jogam noutros campos. Temos até aos escalões sub-7.»

Deixemos então descansar o relvado do Victoria Stadium e voltemos ao Algarve. «Infelizmente, decidimos que jogar em Espanha não seria boa ideia, por causa da situação política entre Espanha e o Reino Unido», explica Dennis Beiso. E foi aí que entrou o estádio português.

O processo está na reta final: «Temos o OK da UEFA e da Federação Portuguesa de Futebol também. Reunimo-nos com a Federação para visitar o estádio. O Estádio do Algarve está a três, quatro horas de distância de carro. Tem condições excelentes, já recebeu jogos de topo da UEFA, nomeadamente no Euro 2004. Devemos ter novas reuniões no próximo mês.»

Será um acordo para dois anos, porque Gibraltar vai iniciar a construção de um novo estádio e prevê tê-lo pronto no verão de 2016. «Vai chamar-se Europa Stadium, terá capacidade mínima para oito mil espectadores e passará a ser o nosso estádio nacional, onde vai jogar a seleção, os clubes nas competições internacionais e onde será a final da Taça», conta Dennis Beiso.

Gibraltar, que passa a ser o membro da UEFA com menor população (não chega a 29 500 pessoas), precisava de trazer a Portugal todos os seus habitantes para encher o Estádio Algarve. Não o fará, mas espera tirar partido da surpresa, e também do factor adeptos-britânicos-de-férias-ou-a-viver-no-Algarve. «Primeiro, esperamos que vão muitos gibraltarianos. E esperamos também atrair outras nacionalidades, adeptos ingleses, escoceses. Acho que muita gente terá interesse em ver como jogamos», espera Dennis Beiso.

E como joga Gibraltar? Dennis Beiso: «O futebol é um reflexo da cultura, somos uma mistura entre o futebol inglês, rápido e físico, com a classe e a técnica dos nossos vizinhos de Espanha e de Portugal, dos países mais mediterrânicos.»

Esta é a definição do dirigente, vejamos a do selecionador. Allen Bula entra na conversa via telefone. «O que fiz em Gibraltar foi ir buscar o melhor do estilo latino e juntá-lo com o melhor do futebol inglês. Os nossos jogadores estão muito confortáveis com a bola nos pés», apresenta-se.

Bula tem 48 anos e formou-se em Inglaterra, para onde foi estudar. Foi lá que fez a formação como treinador e foi daí que partiu para uma experiência na Eslováquia, como técnico da formação do Kosice. Regressou para orientar a seleção de Gibraltar em 2010. «Aceitei este cargo com a condição de os preparar como profissionais para quando fossemos membros da UEFA», conta.

E como se prepara uma seleção sem competição? Bula procura orientar treinos uma vez por semana, muitas vezes com os clubes do campeonato de Gibraltar. Depois, aproveita cada oportunidade para fazer jogos de preparação. «Temos jogado particulares, com equipas inglesas e algumas espanholas. Só em 2011 é que jogámos com uma seleção, das Ilhas Faroé.» De resto, Gibraltar participa há anos nos Island Games, uma competição que reune seleções de ilhas ou pequenos territórios, que se realiza de dois em dois anos. É o mais parecido com competição regular que teve.

Bula conhece todos os jogadores que estão em Gibraltar, todos eles amadores. E parte do seu trabalho é procurar novas opções para a seleção, entre jogadores que atuam no estrangeiro. Ainda recentemente foi notícia a disponibildade de Danny Higginbotham, de 34 anos e que joga no Chester, em Inglaterra, para vestir a camisola de Gibraltar. Bula confirma que é uma das hipóteses, mas evita revelar mais nomes. De resto, continua à procura.

E como funciona esse processo de criar uma seleção? «Procuro em qualquer lado no mundo. Pergunto a todos os meus contactos na Europa, às pessoas que conheço, a muitos jogadores. Há agentes que me contactam também a falar de algum jogador. Eu vou ver o jogador e decido se tem qualidade para o chamar.» Já agora, Bula revela que os seus contactos também passam por Portugal: «Mas ainda não encontrei nenhum jogador elegível.»

O campo de recrutamento de Bula é curto, mas a ambição não. Quando se lhe pergunta se tem alguma equipa como referência, responde com uma declaração de princípio: «Há muitos treinadores que se referem a equipas diferentes, mas cada equipa tem que produzir o seu próprio estilo de jogo. O que quero da nossa seleção é que quando ganhe a imprensa diga que ganhou com grande qualidade de futebol. Quero que digam que jogámos com grande qualidade.»

Bula não tem uma equipa favorita, mas não hesita na hora de escolher o treinador que lhe serve de exemplo. «Há um treinador que admiro há muitos anos, que para mim é talvez o melhor do mundo. Depois de mim», provoca, no meio de uma gargalhada. «É o José Mourinho. É assim que gostava de ser visto no futuro, Um grande treinador é o que consegue trazer uma equipa de baixo e levá-la a ganhar. É um dos poucos que conseguiu fazê-lo com várias equipas.»

A ambição de Bula não é pequena. «O meu maior objetivo é fazer de Gibraltar a primeira das equipas pequenas a estar na fase final de um Campeonato da Europa.» Já em 2016? «Se não conseguir nestes três anos, vai acontecer no próximo. Não vou lá só para me sentar e me contentar com um empate.»

Leia também: