«Faço hoje 100 anos, mas sinto-me como se tivesse 60.» Agnes Keleti mantém o bom humor. Tem saúde, uma memória fresca e uma história condenada a chegar aos guiões de Hollywood.

Agnes nasce na Hungria em 1921 e passa a adolescência a fugir da sanha persecutória dos nazis. Judia, é obrigada a falsificar os documentos para fugir à morte certa num campo de concentração. Tudo isto antes de ganhar dez medalhas olímpicas nos Jogos de 1952 e 1956.

«Chamaram-me a ‘Rainha da Ginástica’, mas era um exagero», diz numa entrevista em 2017 a uma televisão húngara, com a certeza de que não tem de impressionar nada nem ninguém. A vida, maravilhosa e exemplar, é o maior dos tesouros que Agnes tem para mostrar.

Já centenária – desde 9 de janeiro -, a antiga campeã ainda faz a espargata, ainda caminha com elegância, ainda sabe o que é sentir-se fresca. Uma bênção. Tudo nesta história se assemelha ao realismo mágico de García Márquez e Borges. Porém, é tudo verdadeiro.

Agnes celebrou o centésimo aniversário há um mês, a 9 de janeiro (AP)

Agnes fala e quem a ouve só consegue sentir espanto. E uma inveja boa. Memórias coloridas, como se Tim Burton pintasse um novo Big Fish e tornasse a vida numa palete de cores vibrantes.

«Sim, fugi aos nazis e não só. Escapei aos russos quando quiseram tomar conta da Hungria. Tive de falsificar documentação e fugi para outros países, onde trabalhei como criada em casas de pessoas ricas.»

Os historiadores garantem que 46 atletas olímpicos morreram nas prisões de Hitler, 13 em Auschwitz. E que 550 mil judeus húngaros perderam a vida, vários deles familiares de Agnes Keleti.

A perseguição, a intolerância, o preconceito. A maldade humana na sua forma mais nojenta. A extrema direita que qualquer alma boa, como a de Agnes, quer apagar deste planeta.

Seria normal, até aceitável, encontrar mágoa e rancor nas palavras desta senhora. Mas não. «Tenho saúde, tenho vida, adoro viver. Não posso viver a esconder-me dos fantasmas do passado.» Uma lição.

Agnes começa a fazer ginástica aos quatro anos, no VAC Sports de Budapeste, o único clube judeu na capital húngara. É pela primeira vez campeão nacional com 16 anos, em 1937, mas aí já a mão negra do nazismo paira sobre a cidade. Foge do país, volta e compete nas Olimpíadas de 1952 (Helsínquia) e 1956 (Melbourne).

Devido à invasão perpetrada pela União Soviética ao seu país, Agnes é novamente obrigada a fugir. Encontra abrigo em Israel e é aí que se torna treinadora e mentora das equipas de ginástica do país, até aos anos 90.

Só em 2015, e depois de 60 anos emigrada, Agnes volta à Hungria. É ali que quer passar os últimos dias da vida. Mas, como diriam os gauleses de Asterix e Obelix, amanhã não será certamente a véspera desse dia.

Ah, e se acham que Agnes Keleti é a mais velha atleta olímpica viva, então registem isto: há dez antigos competidores de Jogos com idade superior à da campeã húngara. Félix Sienra, velejador uruguaio que esteve nas Olimpíadas de 1948, é o mais velho de todos. Completou 105 anos também em janeiro.

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