Há 80 anos, Portugal estava cada vez mais longe do comboio das grandes potencias europeias do futebol. O amadorismo do desporto-rei no país tinha consequências inevitáveis. Os últimos anos tinham sido penosos. A Seleção somava derrotas atrás de derrotas, muitas delas por números expressivos. A pior delas diante da vizinha Espanha, por 9-0, a 11 de março de 1934 no Estádio Chamartín, casa do Real Madrid.
 
A derrota com Espanha abalou consciências. Era preciso fazer alguma coisa para aproximar Portugal dos patamares competitivos de outros países europeus.
 
E foi assim que nasceu o Campeonato Nacional. «O molde é estrangeiro. A sua adopção, entre nós, aceita-se como desejo de melhorar a classe do association», escrevia o Diário de Lisboa um dia antes do início dos campeonatos nacionais de futebol, a 20 de janeiro de 1935.
 
Agora que se assinalam os 80 anos da I Liga, o Maisfutebol recupera oito dos acontecimentos mais marcantes da prova. Vá, nós admitimos que fizemos batota! São mais do que oito. Era impossível fazer menos.
 
O início:
A 20 de janeiro de 1935 começa o Campeonato Português, em modo experimental, com oito equipas. Valadas, do Benfica, é o autor do primeiro golo, aos seis minutos do Benfica-V. Setúbal, 3-1. O Sporting é a equipa responsável pela primeira goleada da competição (6-0 à Académica, em Coimbra), mas quem ri por último é o FC Porto, que a 12 de maio empata em Lisboa (2-2) com o Sporting e é campeão com 22 pontos, mais dois do que os leões;
 
Os «Cinco Violinos».
Peyroteo, Jesus Correia, Vasques, Travaços e Albano fazem o primeiro jogo juntos, em Famalicão, a 24 de novembro de 1946. O Sporting ganha por 9-5 (sim, leu bem!), com mão cheia de golos de Peyroteo. É o início do período dos «Cinco Violinos». Juntos, vão continuar a dar música mais três épocas, ao longo das quais estabelecem recordes no futebol nacional. Logo na primeira temporada, os leões chegam aos 123 golos no campeonato, marca insuperável até hoje. A 27 de março de 1949, o Sporting - já em ambiente de descompressão após a conquista do «tri» - perde fora com o Sp. Covilhã por 5-2. Foi a última vez que estes cinco nomes estiveram simultaneamente em campo: Peyroteo arruma as botas aos 30 anos. De todos, três (Travaços, Albano e Vasques) ainda participam no tetracampeonato, alcançado em 1953/54;
 


As excepções.
Ao fim de 12 anos, o campeonato conhece um campeão que não FC Porto, Benfica ou Sporting. A 26 de maio de 1946, o Belenenses desloca-se a Elvas, onde vence a equipa local por 1-2, sagrando-se campeão nacional. «Chegámos a Lisboa à uma e tal da manhã. Estava bastante gente, mas nada que se compare com o que é hoje. Demos três voltas à estátua do Afonso de Albuquerque [nos jardins de Belém]. Era uma tradição de vitória. Toda a gente chorava», lembrou, em entrevista ao Maisfutebol, Manuel Andrade, melhor marcador do Belenenses no campeonato e único sobrevivente dessa equipa. É preciso esperar 55 anos para que o campeonato nacional conheça um quinto vencedor: o Boavista de Jaime Pacheco, em 2000/01.

 

Os lutos.
16 de dezembro de 1973, 13.ª jornada do campeonato nacional. Aquele FC Porto-V. Setúbal tinha tudo para ser mais um jogo como tantos outros. Mas não foi. Aos 13 minutos, Pavão, médio portista, caiu prostrado no relvado depois de entregar a bola a Oliveira. Foi levado para o Hospital de São João, onde morreu uma hora e meia depois. Tinha 27 anos.
Em 2004, a morte voltou a ensombrar um jogo da Liga. Já em tempo de descontos de um V. Guimarães-Benfica, a 25 de janeiro, Miklos Fehér caiu inanimado no relvado do Estádio D. Afonso Henriques. O avançado húngaro, de 24 anos, foi declarado morto às 23:10 no Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães.

 

O fim das secas.
Na última jornada do campeonato, a 11 de junho de 1978, o FC Porto derrota o Sp. Braga por 4-0 no Estádio das Antas e é campeão depois de 19 anos de jejum. O treinador é José Maria Pedroto, ele que tinha estado, enquanto jogador, no último título dos portistas, em 1959.
Também o Sporting passou por um longo hiato. Depois de 1982, os leões só voltaram a vencer a Liga  em 1999/2000. Na 34.ª e última jornada do campeonato (14 de maio), goleia (4-0) o Salgueiros no já desaparecido Estádio Eng. Vidal Pinheiro e matam o borrego ao fim de 18 anos.
Dos chamados três grandes do futebol português, o Benfica foi quem menos tempo esteve sem ganhar o campeonato. Ainda assim foram 11 anos. A 22 de maio de 2005, os encarnados fizeram a festa no Porto, após empatarem no Bessa a um golo. Giovanni Trapattoni era o treinador.
 
A estreia de Eusébio.
Aquele jovem moçambicano de 19 anos até já se tinha mostrado aos adeptos do Benfica em duas ocasiões. Primeiro, num jogo a feijões com o Atlético, em que, com três golos, mostrou que podia mesmo vir a ser um caso sério no panorama do futebol nacional. Depois, na segunda-mão dos quartos-de-final da Taça de Portugal, em Setúbal, onde os encarnados foram derrotados por 4-1 (Eusébio marcou e ainda falhou um penálti). Mas o primeiro jogo para o campeonato com a camisola encarnada aconteceu a 8 de junho de 1961. Eusébio da Silva Ferreira marca o segundo golo das águias numa vitória por 4-0 sobre o Belenenses. Foi o primeiro de 321 na Liga (319 pelo Benfica e dois ao serviço do Beira Mar). Foi, também, o nascer da lenda.

 

O primeiro jogo de Pinto da Costa como presidente.
A 24 de abril de 1982, um dia depois de Pinto da Costa tomar posse enquanto novo presidente do FC Porto, os azuis e brancos deslocam-se ao Estoril, onde empatam a uma bola em jogo da 26.ª jornada da Liga. É o início de uma nova era nos portistas e, a partir daqui, o paradigma do futebol nacional nunca mais será o mesmo. Nos 30 anos seguintes, os dragões conquistam 20 campeonatos.
 


O melhor campeão de sempre.
Nos 80 anos de história do campeonato nacional, só houve três campeões invictos. O Benfica em 1972/73 e, mais recentemente, o FC Porto, em 2010/11 e em 2012/13. A título de curiosidade, até houve uma equipa sem derrotas (Benfica em 1977/78) que não conseguiu ser campeã. Mas o campeonato mais imaculado foi mesmo realizado pelos «encarnados», com uma campanha impressionante de 28 vitórias e apenas dois empates, selada a 10 de junho de 1973 com uma goleada por 6-0 ao Montijo. Os encarnados, então comandados por Jimmy Hagan, terminaram a competição com 101 golos marcados e apenas 13 sofridos. O segundo classificado, o Belenenses, ficou a 18 pontos de distância, numa altura em que o triunfo valia dois pontos.