«Mas, ô Augusto, você perdeu pro Uruguai, vai vetar a minha letra?», questionava, exasperado, Chico Buarque, ao ver-lhe negado o direito a cantar «Tanto Mar», dedicado à Revolução dos Cravos, que eclodira do outro lado do Atlântico.

Naquela noite de 1975, o interlocutor do agora por fim galardoado com o Prémio Camões era Augusto da Costa, que tomou todo o whisky que lhe pôs à frente o dono do Canecão – histórica sala de espetáculos do Rio de Janeiro –, sem, contudo, mostrar qualquer complacência para com o poema de homenagem ao 25 de Abril português.

«Ele foi um “back” mesmo, firme, não deixou passar bola nenhuma. Não me deixou cantar o “Tanto Mar” de jeito nenhum», recorda o músico e escritor no documentário «Chico: Artista Brasileiro».

Já calvo, de bigodinho, uma figura austera, filho de portugueses, nascido no Rio de Janeiro, em 1920, Augusto da Costa ficou conhecido como «O Capitão da Censura».

Mais do que a carreira como central, por vezes até lateral direito, pelo São Cristóvão (1936 a 1944) e pelo Vasco da Gama (1945 a 1954), ele é recordado por envergar a braçadeira no jogo decisivo do Mundial de 1950, quando 200 mil brasileiros que lotaram o Maracanã – e milhões fora do estádio – viveram um dos maiores traumas da história do futebol.

Augusto esteve a minutos de levantar a Taça Jules Rimet, antecedendo a Bellini (1958), Mauro (1962), Carlos Alberto (1970), Dunga (1994) e Cafu (2002). Porém, dessa vez, «não foi bonita a festa», como canta Chico em «Tanto Mar» [cuja versão original de 1975 foi ligeiramente alterada em 1978]. Aconteceu o «Maracanazo»: Schiaffino e Ghiggia viraram o jogo, após o golo de Friaça, e o Uruguai levantou a sua segunda taça do mundo perante um estádio em choque e absoluto silêncio.

«Um dia depois, voltei a trabalhar normalmente, porque, desde 1941, eu era também funcionário público. Sempre joguei futebol e trabalhei. Fui, então, para a minha repartição. Eu era da Polícia Especial e, então, tive de aturar a troça os meus colegas», disse o próprio Augusto da Costa no livro «Dossiê 50», de Geneton Moraes Neto.

Por azar, o defesa lesionou-se durante o jogo e não voltaria a vestir a camisola da seleção do Brasil. Ao pendurar as botas de travessas, em 1954, acabou por enveredar por uma curta carreira de treinador de futebol, que em 1957 o traria até Portugal.

No Belenenses virou adjunto daquele que seria o seu sucessor

«Augusto, um dos maiores jogadores do futebol brasileiro, durante muitos anos capitão de equipa do seu país e do Vasco da Gama, chegou ontem a Lisboa para tocar conta do seu novo cargo de treinador do Belenenses», anunciava o Diário de Lisboa na sua edição de 20 de julho de 1957.

A verdade é que a aventura como técnico principal durou apenas oito jornadas – com três derrotas e um empate. Ainda assim, de forma surpreendente, o brasileiro aceitou ficar por mais uns tempos como adjunto do argentino Helenio Herrera, que em 1963/64 e 1964/65 haveria de conquistar duas Taças dos Campeões Europeus pelo Inter de Milão.

Ao contrário de Herrera, que marcou uma era, Augusto não teve sucesso como treinador e dedicou-se em exclusivo à carreira na polícia, que acumulava desde os tempos de jogador no São Cristóvão.

O compromisso com que este militar de formação encarou a sua função levou-o a subir de posto e a mudar de cargo, até chegar a Chefe da Secretaria de Censura.

Em plena ditadura militar brasileira – que durou entre 1964 e 1985 –, Augusto tornou-se uma figura central da sociedade carioca e num inimigo de estimação dos artistas. O seu lápis azul rasurava letras de músicas, peças de teatro, argumentos de filmes.

Até que o seu apertado crivo teve um encontro imediato com Chico, naquela noite no Canecão.

Augusto morreu em 2004, no Rio, aos 83 anos.

A sua vida viveu com a amargura de poder ver-lhe escapar por entre os dedos a honra de ter poder ter sido o primeiro brasileiro a levantar a taça do mundo.

Brasil no Mundial de 1950 [Augusto é o terceiro na fila de cima a contar da esquerda]

«Várias vezes sonhei com aquele jogo com o Uruguai. O placard era sempre diferente no sonho. A gente ganhava, eu levantava a taça. Quantas vezes eu sonhei... Se fosse possível esquecer o que aconteceu naquele dia, seria bom. Mas não se esquece. Não pude esquecer. Eu, capitão, naquela idade [29 anos], estava diante de minha última chance de conquistar o título de campeão do mundo. Eu sabia que não teria outra chance depois», recordou em «Dossier 50».

Sobre os tempos de censor, não consta que tenha tido qualquer arrependimento.

Numa simbólica véspera de 25 de Abril, Chico Buarque recebeu o Prémio Camões, numa cerimónia no Palácio de Queluz com a presença dos presidentes Lula da Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, bem como do primeiro-ministro António Costa.

Chico agradeceu o galardão mais importante da lusofonia e dedicou-o aos «artistas humilhados por anos de estupidez e obscurantismo», numa referência a Jair Bolsonaro, confesso apoiante da ditadura militar.

«Reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prémio Camões, deixando o seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula», apontou com ironia.

Augusto da Costa, que não se comoveu com «Tanto Mar», esteve em Portugal num período bem mais cinzento, não foi aclamado, nem jamais por cá sentiu «um cheirinho de alecrim».