Trent Alexander-Arnold fez todo o percurso da formação no Liverpool, anos e anos de academia até chegar à primeira equipa. Chegou ao topo, aos 24 anos é um jogador de elite, internacional inglês. Mas sabe que para cada história de sucesso como a sua há milhares de outras bem diferentes. Muitos dos miúdos que cresceram com ele na academia do Liverpool ficaram pelo caminho. Ele conhece-os e sabe as dificuldades por que passaram. Agora, decidiu fazer alguma coisa para ajudar.

Quando o Liverpool venceu a Liga dos Campeões em 2019, depois da incrível reviravolta na meia-final com o canto rápido que ele inventou a apanhar a defesa do Barcelona distraída, o que Alexander-Arnold tinha para dizer era isto: «Sou só um rapaz normal de Liverpool cujo sonho se tornou realidade.»

Essa consciência acompanhou-o sempre. Em fevereiro do ano passado começou a dar forma a uma ideia, através de um vídeo que publicou nas redes sociais. «Nos últimos anos vimos tantas histórias, histórias tristes e devastadoras sobre miúdos que não conseguem vingar na academia e chegar à primeira equipa. Eu sou um dos afortunados que conseguiram, mas há tantos rapazes que não conseguiram e que eu conheço pessoalmente», dizia: «Sinto que há muito mais que podíamos todos estar a fazer.»

A mensagem continuava com uma promessa. «É algo que está próximo do meu coração e eu quero envolver-me tanto quanto possa e dizer a estes rapazes que não estão sozinhos, que estou aqui.»

Recebeu perto de três mil comentários, muitos deles de jogadores ou famílias a contarem os seus casos.

«Ah, jogavas no Liverpool e agora fazes isto»

A BBC também encontrou vários jogadores que cresceram ao lado de Alexander-Arnold na academia do Liverpool e não se afirmaram como profissionais. «Éramos muito próximos desde os nove anos e até aos 16 anos partilhámos a mesma jornada», contou Josh Agbozo, um antigo companheiro do lateral do Liverpool que trabalha agora como terapeuta ocupacional. «Fui dispensado aos 16 anos, tive muitas lesões e não pude mostrar o que achava que podia fazer. Foi duro ser dispensado, senti-me um pouco perdido e sem saber o que podia fazer a seguir.»

Liam Robinson também jogou ao lado de Alexander-Arnold na formação. «Tinha o plano e o sonho de ser jogador profissional, por isso não fiz outros planos. Ao 10º ou 11º ano, disseram-me que ia ser dispensado», conta: «Lembro-me de voltar para o balneário e desatar a chorar. Naquele momento sentia que me tinham tirado tudo e não sobrava nada.»

Robinson faz agora trabalho de manutenção de esgotos e diz que ainda é difícil lidar com o passado. «Ouço muitas piadas. ‘Ah, jogavas no Liverpool e agora fazes isto.’ As pessoas fazem julgamentos e não pensam como um comentário como esse pode afetar alguém.»

«Tudo o que conhecemos na vida é futebol e depois vem alguém e apaga isso»

Nos últimos anos as estruturas do futebol já evoluiram muito no acompanhamento dos futebolistas e na transição de carreira. «As academias agora estão a trabalhar nisso, sei que os clubes estão a fazer muito mais do que faziam, sei que há organizações a ajudar estes rapazes», reconhece Alexander-Arnold: «Mas há muito mais que podíamos estar a fazer. Muito, muito mais. Vi em primeira mão como amigos próximos, pessoas com quem criei realmente laços, viram a vida estilhaçada. Para mim não é justo. Nós sacrificamos muito. A educação, a vida social. Não sobra muito. Tudo o que conhecemos ao longo da vida é futebol, futebol, futebol, e depois vem alguém e apaga isso.»

Ao Guardian, Alexander-Arnold falou sobre o caso trágico de Jeremy Wisten, um antigo jogador da formação do Manchester City que foi encontrado sem vida aos 18 anos depois de ser dispensado. «Eu sabia que havia um problema. Via-o. Mas nunca imaginei que alguém tirasse a sua própria vida. Não estou a justificá-lo. Mas quanto mais penso nisso mais consigo entender o que aconteceu.»

Alexander-Arnold quis usar a sua voz e a sua imagem para ajudar a dar visibilidade ao problema. Então, criou um projeto que tenta ser uma resposta prática para quem não conseguiu vingar como jogador profissional e procura um rumo para o futuro.

After Academy, das oportunidades de emprego à partilha e ao aconselhamento

Chamou-lhe After Academy e conta com o apoio do Sindicato de jogadores inglês (PFA), bem como do Liverpool, que tem já em curso um programa de acompanhamento de antigos jogadores. Conta também com vários dos seus patrocinadores, garantindo uma rede de oportunidades de trabalho ou de estágio em ambiente empresarial.

Esse é o ponto de partida, mas ele quer que o projeto seja mais abrangente. «Quero facilitar em relação ao que quer que seja que alguém precise nesse momento difícil», disse ao Guardian: «Seja educação, trabalho ou apenas alguém com quem falar e que perceba porque estás com dificuldades. Só quero ajudar, e que as pessoas percebam que não é vergonha pedir ajuda.»

Falar ajuda, esse é um dos pontos de partida para Alexander-Arnold, que associado ao lançamento do projeto promoveu uma conversa com vários antigos jogadores. Steven Gerrard, lenda do Liverpool e agora treinador, Steve Sidwell, antigo médio que trabalha agora na formação do Brighton, e Liam MacDevitt e Tash Jordan, dois antigos jogadores que passaram por academias, falam sobre as suas experiências, numa conversa aberta e por vezes dura.

A PFA, que anunciou que irá associar-se ao projeto de Alexander-Arnold com «aconselhamento em termos de educação, carreira e bem-estar», deixou alguns números que dão a medida de como é apertado o funil para chegar à elite. «Mais de 99 por cento dos que assinam pela academia aos nove anos não chegam a ser jogadores profissionais», diz o Sindicato, citando ainda uma estimativa segundo a qual mesmo entre os que chegam ao programa de elite das academias com 16 anos, «cinco de seis já não são jogadores profissionais aos 21 anos».