Perder pontos na Liga com golos de jogadores emprestados não acontece muito frequentemente. O que Tozé fez no domingo, no Estoril-FC Porto, só encontra paralelo num jogo dos dragões há praticamente dez anos.
 
Em dezembro de 2004, o FC Porto, então treinado por Victor Fernandez, empatou com o Marítimo (1-1), na Madeira. Luís Fabiano fez o golo que valeu um ponto, anulando a vantagem local, conseguida ainda cedo no desafio por Pena.

O brasileiro, melhor marcador da Liga 2000/01, estava a cumprir o seu último ano em Portugal, o segundo seguido de empréstimo do FC Porto a um clube da Liga. Antes estivera no Sp. Braga, agora vestia a camisola do Marítimo.
 
O Maisfutebol falou com o antigo avançado do FC Porto que recorda perfeitamente o jogo em questão. «Lembro bem, ainda era o Vítor Baía na baliza», começa por dizer.
 
Depois recorda o golo: «Houve um remate, o Baía defendeu para a frente, eu fui na recarga e empurrei.»
 
Mas, mais do que lembrar o momento em si, quisemos perceber como é a sensação de defrontar e travar a equipa que, afinal de contas, é a sua.

«Tozé? Nada de especial, são coisas do calor do jogo»
 
Pena assume que é duro. «É estranho. De um lado está o clube que te projetou, que te fez mais jogador. Mas você também quer mostrar ao seu ex-clube que ainda tem qualidade para integrar o grupo. É uma mistura de amor contra a vontade de mostrar valor», descreve.

O brasileiro, que foi do céu ao inferno no Dragão, passando de uma primeira temporada de sonho para um apagão difícil de perceber, admite que defrontar o FC Porto era sempre muito difícil.
 
«Por tudo o que passei e pelos amigos que lá tinha e tenho. O presidente, o chefinho, os jogadores, o departamento médico. Era uma família. E marcar contra a família é complicado. Mas em campo temos de esquecer tudo isso. Mas claro que é sempre difícil entrar e ver todos de azul e você de vermelho ou verde», admite.
 
«Quem disser que não fica dividido é mentiroso»
 
A semana antes do embate contra a sua equipa, garante Pena, não era diferente de todas as outras. «Eu agia normalmente», assegura.
 
Isso implica continuar a contactar com jogadores que vão ser seus adversários no campo. «Tinha lá muitos amigos e não mudava nada na semana do jogo. Falava com alguns quase diariamente», revela.
 
As brincadeiras apareciam, claro está. «Diziam-me: vai devagar. Segura um pouco. Não vai complicar-nos hoje a vida. Sempre com boa disposição», atira, entre risos.
 
Por tudo isso, Pena não tem dúvidas: «Todos os jogadores ficam divididos nestes jogos. Quem falar que não fica é mentiroso. Agora, isso não quer dizer que não tenha de ser profissional.»
 
«Depois, tem de haver também respeito, sempre. E há formas de o mostrar. Eu marquei e não festejei, por exemplo. Tinha respeito pelos adeptos, pela família», explica.
 
E por isso, Pena defende que voltar ao que já foi o futebol português e proibir os emprestados de defrontar o clube de origem não é solução.
 
«No Brasil é assim, mas estão até a pensar acabar com isso. Eu sou a favor de se jogar. É uma motivação mais, também. É uma oportunidade de mostrar trabalho. Se marcar, beleza, sem problema. Se falhar não é bom, mas acontece», desvaloriza.
 
E acha que a própria mentalidade está a mudar. «Hoje acho que estas situações são mais normais do que noutros tempos. O futebol está mais profissional, evoluiu muito. Os próprios dirigentes e adeptos sabem que os jogadores têm de dar sempre tudo. Claro que vai haver sempre quem ache que não devia jogar ou não devia marcar por ser contra o seu clube, mas o jogador tem de ser sempre profissional», reitera.
 
Aos 40 anos, Pena vive em Vitória da Conquista e vai seguindo, sempre que pode, o futebol português. Diz que vê uma Liga mais equilibrada do que no seu tempo porque «os rivais cresceram e não porque o FC Porto tenha andado para trás».
 
E deixa um pedido à «família portista»: «Estou com um projeto para abrir uma escola de futebol aqui, tenho alguns clubes brasileiros interessados em apoiar, como o Palmeiras, onde joguei, mas a minha primeira opção é o FC Porto.»