O treinador português Carlos Carvalhal cativou o futebol britânico durante três épocas, divididas entre Sheffield Wednesday e Swansea City, não só, mas também pelas célebres frases que adaptou perante a comunicação social e adeptos.

Apesar de não ter conseguido subir pelo Sheffield, nem de ter evitado a descida do Swansea na época passada, Inglaterra não esqueceu a boa disposição e as palavras do português. A adaptação da frase de Quinito «All the meat on the barbecue», [em português: «Toda a carne no assador», ou a «If a swan falls, another begins to fly», tradução para «Por cada leão que caia, outro se levantará», até viraram estampa em t-shirts solidárias.

Em entrevista ao The Guardian, Carvalhal foi convidado a falar da vida para lá do futebol e ativou memórias. O gosto e da vida entre a música e a arte, o 19 na tese, a aprendizagem com Vítor Frade e até falou de Descartes.

«Vi U2 em Vilar de Mouros em 1982 e vi os The Cure também. Lloyd Cole e os The Commotions também deram bom concerto. Lembro-me de Simple Minds, Echo and the Bunnymen, Nina Hagen, Elvis Costello e Duran Duran. E o melhor concerto que vi foi Rolling Stones, no estádio do Sporting», começou por dizer Carvalhal.

Atualmente sem clube após ter saído do Swansea, o técnico português de 52 anos defende que as pausas na carreira são ocasião para dar a conhecer mais de si. «É uma boa oportunidade para as pessoas conhecerem-te melhor. Quando estás a trabalhar, devo dizer: se alguém quer falar comigo, a 99,9 por cento digo que não», revelou.

Talvez por isso as revelações de uma vida fora do futebol, que já conheceu, em 20 anos de treinador, 17 clubes diferentes. Do Sp. Espinho ao Swansea. Mas o futebol começou como jogador e no conservatório de Música Calouste Gulbenkian. Foi nesta escola, dada ao estudo da música e das artes plásticas que Carvalhal ganhou uma bolsa de estudo. E na qual tomaria a decisão do futebol, com os estudos pelo meio.

«Comecei aos cinco anos, quando a idade normal era seis. Andava cinco quilómetros todos os dias para chegar lá. Não era muito dado à música, mas perguntava aos meus colegas e eles explicavam-me. Cresci nesse meio seis anos. Foi rodeado por música clássica, arte, ballet. Mas eles também tinham um campo de futebol e foi no conservatório que decidi ser futebolista», conta Carvalhal.

Quando deixou a escola, Carvalhal virou futebolista profissional no Sp. Braga, clube da terra natal. E começou a estudar Ciências do Desporto na universidade, onde foi ensinado por Vítor Frade, antigo futebolista, adjunto, grande estudioso do futebol e mentor da periodização tática.

«Ele [ndr: Frade] pôs-nos a estudar muitas coisas. Para fazer a minha tese, tive de estudar a teoria do caos, a complexidade e a teoria dos sistemas. Quando apresentei a minha tese ao júri, deram-me 19 em 20. Não me deram 20 porque tinha alguns problemas com o meu português. Disseram que devia publicá-la em livro e colocá-la na biblioteca da universidade. Acabei a universidade com uma especialização em futebol e, aos 32 anos, comecei como treinador», afirma.

Carvalhal assume que quando um treinador chega a Inglaterra, está «no topo» e lembra que Futre o chamava de «médico», por andar sempre com os livros atrás. Sobre o futebol atual, o técnico luso quis justificar o porquê de Descartes estar enganado na sua abordagem científica.

«O problema, hoje em dia, é que estão a fazer tudo para isolar os jogadores. Com o treino particular [PT], os dados, o GPS, fazemos de tudo para que se tornem máquinas individuais. É uma abordagem científica, a partir de Descartes, que diz que se estudarmos as particularidades do fenómeno, vamos conhecer melhor. Mas a complexidade prova que isso é errado. Ao isolares o individual, não entendes o todo. O futebol é um jogo coletivo. De conexões. E conexões, não há máquina que possa avaliar isso», detalhou.

Assim é, fora do futebol, o treinador que provocou gargalhadas em conferência de imprensa. Ou o que até ofereceu pastéis de nata aos jornalistas.