Dubai, paraíso da arquitetura moderna. «Cidade futurista», nas palavras de Tozé, privilegiado habitante do emirado quase há dois anos. Pedaço de terra onde todas as extravagâncias são permitidas, onde qualquer excesso é encarado com uma normalidade que assusta o modesto cidadão comum. 

Em entrevista ao Maisfutebol, o médio formado no FC Porto demonstra estar completamente satisfeito com a decisão tomada em 2019. Fala do Al Nasr, dos colegas de equipa, do luxo que o rodeia e de uma parceria muito especial com Álvaro Negredo - que, entretanto, saiu para o Cádiz. 

Titular absoluto, ídolo nas ruas e acarinhado por todos, Tozé vive um ciclo particularmente feliz, principalmente após o nascimento do pequeno Gustavo, em fevereiro. A vida é para viver ao máximo no Dubai e Tozé pretende ficar por lá mais uns tempos. 


PARTE I: «Gostava de ter tido mais preponderância no FC Porto»

PARTE II: «Acabei o secundário com média de 20, só baixei nos exames»

Maisfutebol – Está a terminar a segunda época no Al Nasr, do Dubai. Está satisfeito pela aposta feita em 2019?

Tozé – Têm sido dois anos fantásticos, estou muito satisfeito. As coisas realmente têm corrido muito bem a nível futebolístico e a nível familiar. Estou a fazer duas épocas de muito bom nível. Vencemos a Taça da Liga na época passada, perdemos este ano a final e temos a oportunidade de jogar ainda a final da President’s Cup, uma prova ainda mais importante. No campeonato queremos ser campeões, mas temos de melhorar algumas coisas e penso que no próximo ano podemos pensar seriamente nisso. Além do lado profissional, o meu filho Gustavo nasceu aqui há dois meses, a gravidez foi toda acompanhada aqui e só posso dizer coisas do Dubai. Tem sido mesmo muito bom.

MF – Não sente a falta do reconhecimento em Portugal? Raramente as imagens chegam cá.

T – Tenho esse reconhecimento aqui. Os Media fazem um grande acompanhamento, sou reconhecido na rua, recebo carinho. Sinto que o meu trabalho está a ser bem feito, sinto-me em casa. Mesmo essa parte tem sido fantástica. Fui muito bem recebido pelo clube.

MF – Quando o convidámos para esta entrevista, o Tozé estava a sair de um treino e já passava da meia-noite. É normal treinar a essas horas?

T – Estamos no Ramadão e os horários mudaram. Os treinos agora são às dez da noite. Será assim durante um mês. Só podemos treinar depois de os jogadores conseguirem fazer a primeira refeição do dia, que é feita já depois do pôr do sol. Nesta fase chego a casa à meia-noite e meia/uma da manhã, mas nos períodos normais treinamos às cinco da tarde. Claro que no verão é impossível treinar à tarde, porque as temperaturas chegam aos 50 graus. Temos de esperar mais pelo fim da tarde.

MF – Como são as condições de trabalho no Al Nasr?

T – São mesmo muito boas, fiquei surpreendido quando cá cheguei. Temos um estádio novo, inaugurado em março de 2019 num jogo contra o Arsenal. Temos seis campos de treino. O Al Nasr é um clube grande, tem muitas modalidades: natação, futsal, ténis, está até a lutar pelo título nacional de futsal. Não estava à espera de condições tão boas. Mesmo a qualidade dos relvados, tendo em conta o calor, é muito boa. E fica mesmo no centro do Dubai, o que nos permite ter uma qualidade de vida ótima.

MF – O nível da liga é muito inferior ao da portuguesa?

T – Não posso dizer isso. É tudo muito equilibrado e competitivo. Todas as equipas perdem muitos pontos, toda a gente luta para ser campeã, há muitos jogos grandes ao longo da época e este envolvimento é engraçado. Isso agrada-me, há jogos grandes e com mediatismo muitas vezes. A competitividade é acima do que eu pensava.

MF – Já é possível ter espetadores nas bancadas?

T – Ainda não. Continuamos a jogar sem público.

MF – O Dubai é qualidade de vida, luxo e ostentação como tantas vezes se ouve?

T – É assim mesmo. É uma cidade futurista. Condições fantásticas, tem coisas que não vejo em mais lado nenhum. As pessoas têm poder de compra e compram aquilo que lhes apetece. Um carro potente, um apartamento na Palmeira [Palmeira Jumeirah, uma ilha artificial], um iate gigante, isso faz parte desta cultura. É um grande destino de turismo e muitos turistas vivem o Dubai também com passeios por essa riqueza. Estamos a falar de uma cidade recente, a evolução nos últimos 20 anos é extraordinária. Foi tudo muito rápido e ainda vejo construções por todo o lado. Agora teremos a Expo 2020 – que foi adiada um ano – e isso ainda impulsionará mais a economia. Vai ser algo de outro mundo. Há restaurantes de todos os estilos, gosto de experimentar um bocadinho de tudo.

MF – Qual foi a maior extravagância a que assistiu ou que fez aí no Dubai?

T – Há coisas engraçadas. ‘Isto está-se mesmo a passar?’ Há aqui uma aplicação onde podemos alugar veículos e uma das opções é alugar um helicóptero, por exemplo. Vemos sempre helicópteros a passar. Há um dj que numa tarde gastou 250 mil euros numa festa. Isso ficou famoso aqui. São extravagância que às vezes conto e as pessoas não acreditam. Quando chegou a um parque de estacionamento há sempre Ferraris, Lamborghinis, Bentleys, Mercedes, Land Rovers, todos de altíssima cilindrada.

MF – Fez-lhe confusão viver rodeado por essa ostentação ou adaptou-se bem?

T – Fui muito bem recebido no clube e isso facilitou tudo. A adaptação ao resto foi facílima. Em vários sítios a vida é quase europeia, não há restrições para nada. Claro que há o lado religioso, que tem de ser respeitado, mas 80 por cento dos residentes são estrangeiros e há uma variedade grande de culturas. Está tudo muito bem organizado e a sociedade funciona bem. Estamos adaptados e ainda há dois dias fomos convidados para um ‘iftar’ – refeição que acaba o período diário de jejum – em casa de um colega de equipa. Estivemos presentes e foi muito engraçado. Esperamos pelas 18h48, altura em que o sol se pôs, e partilhámos a refeição. Antes dos treinos os meus colegas vão rezar, há uma sala para isso, mas já encaramos isso com normalidade. Quando fazemos jantares de equipas, a tradição ‘emirati’ é respeitada: vem uma travessa grande com arroz, vários tipos de peixe e marisco por cima, e comemos tudo com a mão direita, sentados no chão. Gosto de me envolver na cultura deles.

MF – Como é o convívio com os colegas muçulmanos no balneário?

T – Há jogos em que eles rezam ao intervalo, porque coincide com o horário dessa oração. Às vezes isso acontece antes dos jogos. Nessa altura ficam os quatro estrangeiros, o treinador vai falando connosco e depois chegam os outros. No início era estranho, mas lidamos bem com isso e até os treinadores aceitam perfeitamente bem isso.

MF – O Álvaro Negredo era das pessoas mais próximas do Tozé?

T – Muito, muito próximo. Antes de assinar pelo Al Nasr estive a pesquisar tudo sobre o clube. E vi que o Negredo jogava cá. Ganhou uma Premier League, um Europeu e senti que seria um orgulho jogar ao lado dele. Estabelecemos uma ligação muito grande desde o primeiro estágio. Passámos o Natal juntos, as famílias tornaram-se amigas. Foi fantástico ser recebido assim por uma estrela como ele.

MF – Há alguma aventura no Dubai que goste de contar aos seus amigos?

T – Há uma história que gosto de contar sempre. É a história do golo que o Álvaro Negredo marcou aos cinco segundos na final da Taça da Liga. Isso começou umas semanas antes. Estávamos em casa do Álvaro, no Natal, e ele mostrou-me o vídeo de um golo marcado em Espanha: ‘Que achas? Temos de fazer isto’. As coisas passaram e nós acabámos por nunca fazer a tal jogada. Até que, no dia da final, estávamos já no autocarro e ele mandou-me uma mensagem. O Álvaro sentava-se mais à frente. ‘Vamos tentar fazer isto hoje?’ Disse que sim, que não havia melhor dia. E tentámos. Bola ao centro, ele jogava para mim para trás, eu simulava que jogava para trás e virava-me, ao mesmo tempo que ele corria sem parar para a área adversária. Sem olhar para trás. E fez golo aos cinco segundos [7,33 segundos, segundo os dados oficiais]. Por acaso ganhámos 2-1 e eu marquei o segundo golo. Só nós dois é que sabíamos, mais ninguém. Nasceu tudo na tal conversa no Natal e acabou assim. Nunca mais vou esquecer, nem ele. Ainda me fala muito nisso. É das melhores memórias que tenho aqui no Dubai.

VÍDEO: o golo de Negredo aos 7,33 segundos

MF – Quando acaba o seu contrato com o Al Nasr?

T – Acaba agora em junho, mas sei que há negociações para a renovação. Houve a abordagem por parte do clube. Gostava de ficar, estou adaptado, identificado com a cultura, e isso é relevante quando há um choque cultural. É muito diferente daquilo que lidei durante 20 anos no futebol. Espero que as conversas corram bem, gostava de renovar e ficar cá mais uns anos. Os meus pais vêm cá e gostam, veem que eu estou feliz. Tudo isso me agrada. Gosto desta estabilidade. Porquê mudar? Mas, se for preciso mudar, cá estarei. Faz parte da vida de futebolista.