A vida de Marcelão dava quase um livro. Aos onze anos cortava cana-de-açúcar doze horas por dia, aos dezassete começou a jogar futebol como avançado e aos dezanove era central da formação principal do Barcelona.
«A minha vida sempre foi feita de altos e baixos», admite, com a mesma sinceridade com que abre o coração ao Maisfutebol para revelar o susto que apanhou quando se viu ao jogar ao lado de Rivaldo, Kluivert, Overmars e Guardiola.
Marcelão, das roças para o relvado
Ficha de Marcelão
Desses tempos guarda sobretudo a memória de um mundo perfeito e a amizade de Simão Sabrosa. «Quando cheguei ao Barcelona foi um choque. Tinha 19 anos e tinha acontecido tudo muito depressa. Até aos 17 anos nunca tinha calçado umas chuteiras».
«De repente tinha tudo, tratavam-me com o bom e o melhor. Ofereciam-me chuteiras que eu ficava a admirá-las tanto que nem me apetecia calçá-las», conta. «Olhava para o lado e só via internacionais holandeses, espanhóis, franceses, portugueses, brasileiros».
«Durante duas semanas parecia um robot»
A primeira reacção, admite sem problemas, foi de puro pânico. «Sentia-me no meio das feras», revela. «Ficava muito acanhado, muito envergonhado. Tinha medo de fazer asneira e que as estrelas pensassem que não sabia jogar futebol».
«Nas duas primeiras semanas era praticamente um robot. Só fazia o que me mandavam. Diziam-me para fazer trinta passes e eu fazia trinta passes da mesma forma, direitinhos, para não meter a pata na poça».
Com o tempo, porém, soltou-se. «Comecei a fazer amizades e as coisas tornaram-se mais fáceis». Marcelão não esquece, aliás, a ajuda de Simão. «Dava-me atenção, aconselhava-me, dizia-me para aprender com os mais velhos», frisa.
«Ia todos os dias almoçar com ele, o Rivaldo e o Thiago Mota, que na altura era o meu melhor amigo. Passávamos o tempo juntos, falávamos, íamos às compras. Até passámos um Natal e um Reveillon juntos, em casa do Rivaldo».
Guaratinguetá, um pequeno passo para Camp Nou
O Barcelona apareceu na vida de Marcelão como quase tudo: aos trambolhões. O central estava nos juniores do Londrina quando disputou um torneio em que participava o Guaratinguetá, um pequeno clube que era propriedade de Rivaldo.
«O Guaratinguetá gostou de mim e comprou o meu passe. Fizemos um campeonato muito bom no Paulista e então o Rivaldo decidiu trazer seis jogadores para o Barcelona, um dos quais era eu, como prémio, para fazer um jogo contra o Barcelona B».
A partir daí foi o Barça que se entusiasmou por Marcelão e o jovem ficou três meses à experiência. «Nessa altura o Abelardo lesionou-se e eles precisaram de um central. O treinador Serra Ferrer, foi ver um jogo da nossa equipa e decidiu promover-me».
Foi inscrito na equipa principal e começou a treinar com as estrelas. «Assinei por três anos, mas só estive com o plantel principal no primeiro». No segundo foi emprestado para o Nasti Terragona. «Em 48 jogos fiz 40, foi um ano muito bom», conta. «No terceiro o Barça fez-me regressar, mas não consegui a naturalização e não fui inscrito».
Nunca chegou a renovar. «Apareceu o Racing Santander a querer contratar-me, mas fui iludido pelo empresário. Prometeu-me o Palmeiras, regressei ao Brasil e acabei num clube da III Divisão». O Barcelona acabou como tinha começado: num instante.