A imagem de Stefano Rellandini para a Reuters é tão feliz que vale por si.

Não precisava de contexto para ser boa. Mas ele ajuda a perceber por que é tão forte.

Marco Materazzi e Rui Costa olham para um cenário de loucura. Naquele dia 12 de abril de 2005 jogava-se um Inter-Milan para a Liga dos Campeões, segunda mão dos quartos de final. Faltava um quarto de hora para o fim quando o estádio se tornou um cenário de ódio. Os adeptos do Inter inundaram o relvado do Giuseppe Meazza de garrafas e tudo o que apanharam à mão, primeiro, e depois de tochas, very-lights e petardos.



O pretexto próximo foi um golo não validado a Cambiasso, que representaria o 1-1 para o Inter. O Milan já vencia por essa altura e estava confortável na frente da eliminatória, depois de ter ganho a primeira mão por 2-0, em San Siro. Neste mesmo estádio, claro, que os dois gigantes de Milão partilham a par com a rivalidade de décadas.

Mas os responsáveis por aquilo já vinham com uma agenda, acreditam muitos dos que lá estavam, a começar pelo árbitro do jogo, Markus Merk. «Tratou-se de uma acção totalmente dirigida para interromper o encontro», disse na altura o juíz alemão, abismado com a quantidade de material pirotécnico que deixaram entrar no estádio.

«Primeiro estivemos quinze minutos em campo a pensar que o material ia acabar-se, mas nunca mais acabava. Durante a interrupção tentou-se restabelecer a segurança», descreveu Merk.

Durante a interrupção, o relvado virou um mar de lixo, fumo e fogo. E o guarda-redes do Milan, Dida, foi atingido por uma tocha.



E no meio disto, Marco e Rui. 

Uma primeira imagem forte, a do português, que tinha saído do banco do Milan aos 69 minutos e estava há pouco tempo em campo quando aquilo aconteceu, de braços cruzados, camisola fora dos calções.



Depois junta-se-lhe o adversário. Aquele braço de Materazzi no ombro do português, a imagem de paz dos dois rivais juntos nesta naturalidade e placidez perante a loucura, devolve tudo ao essencial, com a imensa força das coisas simples. Isto não é guerra e não é ódio; é futebol, é desporto, dizem Marco e Rui, sem precisarem de palavras para o fazer.

Que este gesto tenha partido de Materazzi, um dos jogadores mais brutos e quezilentos em campo da década passada no futebol mundial, é o pormenor que sublima este momento.

Aliás, este Inter-Milan tinha começado com Materazzi protagonista de uma cabeçada. Ironia, um ano antes de Zidane. O defesa do Inter queixou-se de agressão de Shevchenko, nem lhe faltou uma queda teatral a acompanhar.



Mas, naquela altura em que um bando de arruaceiros nas bancadas quis ser protagonista, ele intuiu o essencial. A rivalidade fica lá dentro, as quatro linhas são o limite do jogo. Tudo o mais é outra coisa.

Durou 15 minutos a paragem, enquanto os bombeiros apagavam os focos de incêndio no relvado e o lixo era retirado. Merk ainda tentou retomá-lo. Mas quem fez aquilo não queria que o jogo continuasse, e começou tudo outra vez.

Ao fim de um minuto o árbitro acabou de vez com o jogo. A UEFA atribuiu ao Milan a vitória, por 3-0, e castigou o Inter com quatro jogos à porta fechada, mais dois suspensos, além de 200 mil euros de multa. O Milan seguiu até à final da Liga dos Campeões, perdida naquele jogo louco com o Liverpool que os italianos ganhavam por 3-0 ao intervalo e perderam nos penáltis.

Foi há apenas nove anos, mas eram outros tempos no futebol europeu. Naquela época houve um jogo dos quartos de final exclusivamente italiano. Em 2014,o calcio arrisca-se a chegar a essa fase sem qualquer equipa. Para já resta precisamente o Milan, que perdeu em casa a primeira mão dos oitavos de final, com o At. Madrid.