«Lembra-se daquela queda de um avião da TAP ao aterrar na Madeira? O Barreirense tinha previsto ir nesse voo. Se assim fosse, provavelmente estaríamos todos mortos.»

Manuel Abrantes, antigo guarda-redes do clube da Margem Sul, lançou o tema durante uma conversa para a grande reportagem do Maisfutebol sobre os 40 anos da Revolução dos Cravos.

O acidente - o mais grave da história da aviação portuguesa e o único da TAP com vítimas mortais – remonta a 1977, três anos depois do 25 de abril, mas merece ser recordado. Afinal, 131 pessoas perderam a vida naquele dia.

Guilherme Alves celebraria o seu 77º aniversário no próximo dia 5 de maio. Porém, o árbitro da Associação de Futebol do Porto liderava uma equipa que não chegou a dirigir o Nacional-Barreirense daquele fim-de-semana. O juiz morreu a par dos seus auxiliares: António Almeida e Carlos Rocha.

O voo TP425, proveniente de Bruxelas (Bélgica) e com escala em Lisboa, falhou a terceira e derradeira tentativa de aterragem debaixo de chuva intensa. O aparelho tocou no solo muito para lá do previsto, com velocidade excessiva e segundo a versão oficial entrou em aquaplanagem.

A pista do Aeroporto de Santa Catarina – mais curta que na atualidade – terminou rapidamente e o avião continuou a marcha para um trágico final. O embate numa estrutura uns metros abaixo, uma explosão e dezenas de vítimas mortais para contabilizar.

O balanço final foi de 131 vidas perdidas, incluindo as dos três árbitros portuenses, e apenas 33 sobreviventes.

Natural do Porto, Guilherme Alves tinha 40 anos e pertencia ao Grupo Coordenador dos Árbitros de Futebol do Porto e à Comissão Coordenadora Nacional de Árbitros de Futebol.

«Era muito bom árbitro, lembro-me bem dele. Aliás, era uma bela equipa de arbitragem», desabafa Manuel Abrantes.

Os árbitros assistentes António da Rocha Almeida (34 anos) e Carlos da Silva Rocha (31 anos) também faleceram naquela trágica noite: 19 de novembro de 1977.



A equipa que fintou a morte e o jovem Carlos Duarte

O Barreirense, então a disputar o segundo escalão do futebol português, fintou esse destino cruel. Manuel Abrantes, antigo guarda-redes do clube da Margem Sul, não esquece o investimento particular de um dirigente que provocou uma alteração nos planos.

«Tínhamos previsto ir nesse voo, na véspera do jogo com o Nacional da Madeira. O clube na altura não tinha muito dinheiro e foi essa a decisão. Felizmente, um dirigente decidiu pagar do seu próprio bolso mais uma noite de estadia e acabámos por viajar na véspera.»

Carlos Duarte não teve a mesma sorte. Aliás, o jovem guardião sofreu danos consideráveis devido a uma infelicidade tremenda.

«Eu andava lesionado e já tinha falhado o jogo anterior. Mesmo assim, viajei para a Madeira. O titular ia ser o Quim Pereira, mas também andava com dores e, como a viagem foi complicada, acabou por se ressentir. Então, o clube decidiu chamar o guarda-redes da equipa júnior.»

O guarda-redes dos juniores do Barreirense era Carlos Eduardo, de apenas 17 anos. O adolescente seguiu para a Madeira um dia após a restante equipa. Foi no fatídico voo TP425.

«Bem, acabou por ter a felicidade de não morrer no acidente mas ficou muito mal. Ficou sem ver de um olho nessa altura e acabaram de ter de amputar uma parte do pé direito. Depois a TAP acabou por lhe arranjar um emprego, de forma a tentar compensar o que aconteceu naquela dia.»


Um jogo surreal e o receio após o apito final

Nacional e Barreirense entraram em campo na ressaca daquele terrível acidente, sem esquecer as dezenas de mortes da noite anterior.

«Fomos de certa forma obrigados a jogar, mas a verdade é que nenhum jogador tinha vontade de o fazer. Na baliza estive eu, mas mal me conseguia mexer. Acabaram por ser noventa minutos surreais, apenas com trocas de bola. Nós ficávamos com ela uns minutos, depois passávamos para eles, e foi assim o jogo. Terminou 0-0, não havia cabeça para mais.»

A equipa da Margem Sul teve de seguir para o Aeroporto de Santa Catarina – agora conhecido como Aeroporto da Madeira – após o encontro e enfrentou com receio a viagem de regresso.

Manuel Abrantes termina a conversa com um relato marcante.

«Não imagina o que foi chegar ao aeroporto e ainda ver todo aquele rasto de destruição, sentir que se tinham perdido ali dezenas de vidas, e ter de entrar num avião para percorrer a mesma pista. Estávamos cheios de medo! Foi algo que nunca esqueci, se bem que no final da época acabámos por festejar o regresso à I Divisão.»