Esta segunda-feira, 6 de setembro de 2021, Jean-Pierre Adams deu o seu último suspiro.

A sua vida, porém, mudou definitivamente naquele 17 de março de 1982.

Nesse dia, um erro da anestesista do Hospital Édouard Herriot, em Lyon, onde entrou para ser operado a uma rotura de ligamentos, haveria de deixá-lo para sempre preso a uma cama.

A sobredosagem na anestesia provocou-lhe um broncoespasmo, que privou o seu cérebro de oxigénio durante o largo período e o deixou num profundo coma durante longos 39 anos.

Jean-Pierre nasceu em Dakar e viveu na capital senegalesa até aos 10 anos. Emigrou para França em criança com a sua avó, que o deixou a cargo de um colégio católico, em Montargis, a pouco mais de 100 quilómetros de Paris. Foi adotado por um casal francês e na adolescência estudou, trabalhou numa empresa fabricante de borracha, até que começou a despontar no futebol. Haveria de se estrear como sénior no Entente BFN, hoje Fontainebleau.

A carreira profissional durou até àquele episódio dramático, que deixaria o pujante defesa-central, que juntamente com Marius Trésor haveria de fazer «Garde Noire» no eixo recuado da seleção francesa, em estado vegetativo aos 34 anos.

O choque foi geral e invadiu as páginas da imprensa francesa: como era possível ele, durante anos referência de Nimes, Nice, Paris Saint-Germain, ele um dos primeiros negros a envergar a camisola dos «Bleus» (22 vezes internacional) muito antes da era do multiculturalismo no desporto gaulês, estar condenado a viver assim.

É aí que Bernardette assume o papel principal.

A mulher de Jean-Pierre enfrentou os preconceitos da época quando assumiu a sua relação com um homem negro. Ambos casaram em abril 1969. Nesse ano, tiveram o primeiro filho, Laurent, e em 1976 nasceu Frédéric.

Quando em 1982, aconteceu aquele erro dramático, Bernardette não mais largou Jean-Pierre. Garantia que ele sentia a sua presença, apesar de ele ser incapaz de fazer quase todos os movimentos voluntários – exceto abrir os olhos e deglutir alimentos.

Levou-o para casa, depois de 15 meses no hospital, e passou a tratar dele 24 horas por dia.

Vesti-lo, alimentá-lo, dar-lhe banho, acompanhá-lo à casa de banho, fazer-lhe a barba, fazer exercício para evitar atrofia muscular e estar vigilante sempre que Jean-Pierre passa mal a noite.

A este quotidiano juntou-se um longo processo por negligência hospitalar, que durou 12 anos, que só não deixou a família numa penúria financeira devido ao apoio da federação e da liga francesa e da associação de antigos internacionais pelo país.

Tudo acabou com uma pena leve para a equipa hospitalar, considerada culpada por negligência, e uma pequena indemnização.

As memórias do futebol esboroaram-se com o tempo. O estoicismo de Bernardette, não, naquela que foi a maior das provas de amor.

Acreditava que ele pudesse ainda «acordar», graças ao avanço da ciência. Por outro lado, um dia, confessou à reportagem da CNN, de visita a sua casa, a maior das suas preocupações.

«E se eu morrer antes, o que será dele? Ele precisa de mim para comer, para as suas necessidades primárias. Se eu não fizer isso, quem o fará?», decidida a poupar os filhos à provação.

Essa angustia teve agora o seu epílogo.

Jean-Pierre, nascido em Dakar, morreu esta segunda-feira, em Nimes. O amor de Bernardette, à prova de tempo e lugar, perdurará para o resto dos seus dias.