Génio

gé.ni.o [ˈʒɛnju]

nome masculino

  1. espírito bom ou mau que, segundo crenças antigas presidia ao destino de cada um,
  2. temperamento, índole, caráter
  3. nível extraordinário de certas capacidades, como talento e inspiração
  4. pessoa que sobressai pela aptidão excecional para determinada atividade
  5. artista de grande inspiração

Devia haver legislação a restringir o uso da palavra génio. No futebol, mas não só, a facilidade com que o entusiasta classifica como genial qualquer expressão de talento - ou até de mero jeitinho - por mais efémera e pontual que esta seja, é um primeiro passo para acabarmos com os critérios todos trocados.

À boleia dessa praga, a multiplicação de génios a la minuta, vêm outras aberrações linguísticas tipicamente preguiçosas. O envergonhado esteve menos bem, por exemplo, que é tantas vezes aplicado a desempenhos calamitosos, tem um efeito secundário perverso: quando o menos bem passa a ser a moeda corrente da crítica, a constatação de um uma evidência – dizer que alguém, ou alguma equipa, esteve mal - passa a assumir contornos de grosseria ou de ofensa pessoal.

Tomemos como exemplo o último Portugal-Bulgária. Dizer, timidamente, que a seleção – ou, particularmente, Ronaldo - esteve menos bem na finalização é encobrir a evidência de que tanto uma como outro estiveram francamente mal na pontaria. Pura aritmética: estamos a falar de 30 remates, 11 deles enquadrados com a baliza e zero golos. Um facto que, em si mesmo, não é especialmente grave – mais grave é presumir que a crítica direta e frontal é um gesto de má-fé ou de desrespeito.

O eufemismo na crítica, tal como o exagero no elogio não são, ao contrário do que se argumenta, uma questão de elegância. São, sim, sintoma de falta de rigor – e a falta de rigor é, em si mesmo, um defeito de uma profunda deselegância. Um adepto que tem a sua escala de valores, sem ponto intermédio, posicionada entre momentos menos bons e em génios de geração espontânea é um adepto pouco esclarecido, propenso a exageros, à cegueira coletiva, e alérgico à autocrítica.

Volto ao princípio, para repetir a ideia de que a palavra génio deve, a bem do rigor, sem usada com pinças em contextos futebolísticos, e não só. Camões foi um génio. Bach foi um génio. Considerando todas as atividades humanas, o século XX, terá produzido umas escassas dezenas de génios, não mais, Se considerarmos génio alguém que preenche os requisitos anteriores e, pela excelência na sua atividade, melhora as vidas das pessoas com quem se cruza, em 130 anos de história, o futebol terá tido, se tanto, quatro ou cinco nomes com direito ao rótulo.

Johan Cruijff melhorou transversalmente o futebol mundial, tornando-se referência a partir da qual se lançou o debate, seja para os seguidores das suas ideias seja para os que escolheram caminhos opostos. Por consequência, bem para lá dos seus numerosos defeitos, melhorou a vida a muitos milhões de pessoas, mesmo que elas não tenham noção disso. É consciente de todo o peso e significado da palavra que escrevo esta evidência: Cruijff era um génio, no sentido mais restritivo que a palavra possa ter. Com todas as letras. E em maiúsculas.