Tenho um par de galochas que só utilizo durante o Verão. É raro apanhar chuva, aquele par de galochas. Lembro-me de uma tarde, no Verão passado, em que caiu uma carga d’-água. Estava com as galochas, fiquei com os pés molhados. Sinceramente, não me importei. Num Verão inteiro, aconteceram quê? Duas, três vezes? É raro chover, no Verão. Não me vou desfazer das galochas por causa disso. Ando bem calçada. Se for preciso, subo montes, subo escadas. Já sei é que, pronto, se chover, fico com os pés molhados. Mas isso é uma vez, muito de vez em quando.

O Benfica joga na Liga Portuguesa. É raro jogar contra um adversário que pressione alto, o Benfica. Numa tarde do campeonato passado, o Benfica jogou contra o FC Porto. Apanhou uma pressão alta, perdeu o jogo. Sinceramente, não fez diferença. Num campeonato inteiro, aconteceram quê? Uma, duas vezes? É raro o Benfica apanhar pressões altas, na Liga Portuguesa. Não se vai preocupar com pressões altas por causa do FC Porto. Foi campeão. Se for preciso, ganha a Taça de Portugal, chega aos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Já sabe é que, pronto, se apanhar pressões altas, sente dificuldades. Mas isso é uma vez, muito de vez em quando.

Durante a pré-época, ainda não tinha caído uma carga d’água, ou seja, o Benfica ainda não tinha jogado contra um adversário competente a pressionar alto. Frente ao Burnley, ficou a ideia de que Roger Schmidt continua a usar as galochas do campeonato passado.

Quem olhou para a primeira-parte, período em que o treinador do Benfica lançou muitos dos principais candidatos ao primeiro 11 inicial oficial, viu uma equipa com os mesmos problemas colectivos e um novo problema individual: Jurásek não é Grimaldo. O lateral espanhol, quando recuado, através da sua exímia leitura de jogo e/ou da sua excepcional qualidade técnica, era capaz de inventar soluções face a opositores que lhe encurtavam o espaço, que o obrigavam a pensar e a executar mais rápido. Grimaldo era uma referência na primeira fase de construção; Jurásek tem um perfil diferente, sendo um jogador mais talhado para aproveitar o espaço do que para encontrar aquele que parece não existir. Além disso, Jurásek não veio pela facilidade em desequilibrar em zonas interiores, algo que Grimaldo fazia com mais eficácia do que alguns médios, mas pela largura e profundidade oferecidas.

Do outro lado, Bah apresenta melhores argumentos no momento de descobrir o passe certo sob pressão, acrescentando a essa capacidade a de romper em condução, contudo, sob pressão, também é um lateral bastante dependente da equipa, menos auto-suficiente do que Grimaldo. Admitindo que Vlachodimos é menos um com os pés e que os dois centrais, tal como Bah, estão altamente condicionados pelo bom funcionamento do processo colectivo, em que é que resultaram quase todas as tentativas do Benfica sempre que procurou construir desde trás? Resultaram em perdas de bola. Mesmo quando António Silva ou Morato arriscavam no passe em busca de Di María, Rafa ou João Mário, a equipa mostrava-se impreparada na hora de dar soluções ao portador, que rapidamente se via rodeado por um ou dois adversários.

Pressão alta exercida pelo Burnley: os dois laterais batiam nos laterais do Benfica.
Kökcü ou Aursnes baixavam para tentar oferecer critério na construção
Tendo em conta as dificuldades em ligar, o Benfica chegou a ter centrais, laterais e médios fora do bloco adversário
Quais são as soluções oferecidas a João Mário, de costas para o jogo, após receber o passe de Jurasek?

Pontualmente, o talento individual de alguns dos jogadores do Benfica foi resolvendo problemas que, em conjunto, podem ser resolvidos com maior regularidade/facilidade. Sucedeu frente ao Burnley, tal como já tinha sucedido frente ao FC Porto, no Dragão. No Estádio da Luz, contra o mesmo adversário, não chegou. Chegou para ser campeão, dizem. E poderá voltar a chegar, digo eu.

Porventura, poucos são aqueles que se preocupam em andar de galochas quase em Agosto se, na mala da praia, guardam o título de campeões nacionais. Este texto não é para esses, é para aqueles que, quando calçam as galochas, se lembram sempre dos dias em que ficaram com os pés molhados.