«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

«Vê, ouve e não fales!», assim mesmo, exclamativo. Johan Cruyff gritou-o ao filho Jordi, dias após promovê-lo à primeira equipa do Barcelona. Para Johan, apesar dos maneirismos e dos maus fígados, a mensagem até envolvia uma premissa pedagógica. Era um What happens in Vegas, stay in Vegas aplicado ao balneário dos jogadores do Barça.

Johan recusava colocar o filho numa posição mais ingrata do que aquela em que já estava. De um lado, o pai e treinador; do outro, todos os colegas de equipa. Perante um cenário delicado, o saudoso Johan tentou facilitar as coisas a Jordi. «Não quero saber de nada do que se passa lá dentro, guarda tudo para ti.»

Dois anos e dezenas de reprimendas depois, Jordi foi vendido ao Manchester United. Johan entregou o filho à asa protetora de Alex Ferguson, certo de que nada mais podia fazer por Jordi em Barcelona e no Barcelona.

Nunca falei com o menino Francisco Conceição. Jamais cometeria o erro ou o abuso de lhe dar um conselho. Tem bons amigos, tem uns pais próximos, tem muitos irmãos, está bem rodeado e não lhe falta amor e equilíbrio familiar.

Mas – há sempre um ‘mas’ nestes artigos – se lhe pudesse dizer alguma coisa, creio que seria isto: «Vê, ouve e não fales», sem o ponto de exclamação.

Vivemos numa época em que a busca de heróis se tornou maçadora. Tudo é mastigado e engolido depressa, sem ser saboreado. Se colonizássemos Marte amanhã, passado dois dias já não seria notícia. Os grandes feitos acabam mais depressa do que o próximo número de malabarismo político dos trumpistas desta e de outras vidas. Respirem.

Respirem e vejam o que joga Francisco Conceição. Joga tanto! – com ponto de exclamação. Abomino caricaturas desajeitadas e comparações precipitadas, mas há algo de grande no futebol de Francisco. Baixinho, esquerdino, corajoso, imprevisível. Recebe a bola e parte para cima do medo, barbeando-o com uma catana. Para ele nada há a temer dentro do campo de futebol.

Francisco é a melhor notícia no mundo do FC Porto nas últimas semanas. Talvez a única. Por isso, com a devida vénia e a permissão de quem o ama, deixo-lhe três palavrinhas apenas. «Vê, ouve e não fales.» Nós vamos saboreando tudo com a parcimónia possível. 

PS: o meu pai foi o meu treinador durante dois anos e meio. Não tenho dúvidas, até pelo que ouço dos meus antigos colegas de equipa, que foi o melhor treinador com quem trabalhei. E com quem mais aprendi. Se gostei da experiência? Não, não gostei. Mas não por culpa do meu pai. Tive amigos a virar-me a cara porque não jogavam ao domingo; ouvi conversas que preferia não ter ouvido no balneário; senti o meu próprio pai desiludido por me ver pressionado jogo após jogo dentro do campo. Dos 16 aos 18 anos, uma fase particularmente sensível da adolescência, não era simples gerir tudo isto. Duas lesões graves - uma nos ligamentos do joelho esquerdo e uma rotura muscular gravíssima na coxa direita - acabaram por facilitar as coisas, a partir de dada altura. Obrigado por tudo, obrigado por seres a pessoa mais justa que conheci até hoje, pai! - com ponto de exclamação.

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