PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«GOL DE CUBA» - de Remo Beutels
Zulueta, Cuba. Perante o avanço do império Castrista do basebol, uma povoação de irredutíveis apaixonados por futebol resiste. Agora e sempre. «Somos uma bola de futebol a rolar sobre um relvado de basebol».

A definição é dos habitantes locais. Nenhum deles sabe explicar esta devoção ao desporto-rei. Apenas garantem que nem a repressão do regime de Fidel (agora nas mãos do irmão Raul) os desviou um milímetro das principais convicções: resistir, ano após ano, de Mundial a Mundial.

Em Cuba, a liga nacional de futebol é amadora. Profundamente. Os habitantes de Zulueta passam o tempo a ver jogos internacionais e a ansiar pela mais bela prova do calendário, o Campeonato do Mundo.

Como a seleção nacional deste país caribenho tem expressão mínima, a população entrega-se a outros prazeres. Espanha, Brasil, Argentina e Alemanha têm aqui milhares de adeptos. E provavelmente nem o sabem.

Este excelente documentário tem recolhido prémios e agraciações ao longo dos últimos meses e é um esboço apaixonante e muito divertido da vida numa vila de loucos. Loucos, sem qualquer dúvida, como o leitor poderá constatar se seguir o meu conselho e vir a película.

Quando a vi, não pude deixar de recordar os meus verões nos anos 80 e 90, quando era perfeitamente normal ter um Mundial sem Portugal. Cada um de nós, os capitães de areia de Vila Nova da Telha (Maia), escolhia o seu país adotivo e durante um mês decorava tudo o que podia sobre esses jogadores.

A internet era uma palavra desconhecida e toda a informação jorrava das cadernetas da Panini, das revistas publicadas nas vésperas da prova e no trabalho desenhado por cada um dos jornais. E era tão bom.

Eu, fruto da influência paterna, tinha na canarinha do Brasil a musa das minhas atenções. E nunca esquecerei o desempate por grandes penalidades na final de 1994, contra a Itália. Em Vigo, de férias, saí à rua como se fosse só mais um destes loucos cubanos. 

Fidel Castro, defensor da incompreensível beleza do basebol, não pode saber disto. Estou a contar visitar Havana em breve.



PS: «The Theory of Everything» - James Marsh.
Stephen Hawking. Um cérebro genial num corpo doente, arrasado pela esclerose lateral amiotrófica. Já admirava a personagem, mas depois de ver este filme fiquei-lhe completamente rendido.

O Óscar para Melhor Ator fica maravilhosamente bem nas mãos de Eddie Redmayne, capaz de transportar para a película a alma, os trejeitos, as expressões e o sentido de humor de Hawking. 

O tom inicial é de conto de fadas. O patinho brilhante e feio conhece uma mulher bonita, apaixona-se, casa e tem três filhos. Por trás, a magnífica carreira de cientista e o surgimento/desenvolvimento de uma doença terrível.

James Marsh, responsável pelo muito recomendável Man on Wire ( Homem no Arame), consegue contar uma história de vida fantástica de forma simples e certeira. Pungente nos instantes de drama, leve e conciso nos períodos de humor, intenso na recriação da relação entre Jane (aplausos para a atriz Felicity Jones) e Stephen. 

O Óscar de Melhor Filme para The Therory of Everything ( A Teoria de Tudo) não teria sido nenhum absurdo.

 

SOUNDCHECK:

«GOD’S FOOTBALLER» - Billy Bragg.

Os adeptos do Wolverhampton adoram esta música. Billy Bragg escreveu-a a pensar em Peter Knowles, um antigo jogador do clube. Knowles fez 174 jogos e 61 golos pelos Wolves, até abdicar do futebol com apenas 25 anos para se dedicar à grande causa da sua vida: a religião. Tornou-se Testemunha de Jeová e esqueceu o desporto.

Em 91 surgiu esta música, ainda hoje entoada nos jogos do Estádio Molineux.

«God's footballer hears the voices of angels
Above the choir at Molineux
God's footballer stands on the doorstep
And brings the Good News of the Kingdom to come
While the crowd sings 'Rock of Ages'
The goals bring weekly wages
Yet the glory of the sports pages
Is but the worship of false idols and tempts him not»
.

 

PS: «Port of Morrow» - The Shins.
O disco tem quase três anos, já andou algumas vezes a tocar no meu carro, mas só nas últimas semanas lhe prestei a atenção devida. O geniozinho de James Mercer revela-se em cada faixa do álbum, agora que tornou este projeto completamente seu. 

Mercer faz-se acompanhar de uma banda, mas as opções musicais e a composição são da sua completa responsabilidade. De Albuquerque, Novo México, continua a jorrar criatividade. Breaking Bad, uma das melhores séries televisivas de todos os tempos, Better Call Saul e os adoráveis The Shins. 

Simple Song é uma canção extraordinária, ao nível de New Slang, mas a partitura em repeat no meu leitor de cd's é esta: It's Only Life.  

 

VIRAR A PÁGINA:

«ETERNO DOMINGO» - Ricardo Namora.

Um livro de futebol, dividido em oito crónicas, escrito pelo punho de um antigo jogador da Académica Coimbra. Ricardo Namora, investigador na Universidade de Letras da Faculdade de Coimbra e treinador, é sobrinho de Artur Jorge e filho de José Manuel, velhas glórias da Briosa, e transporta para estas páginas todo o seu amor pelo desporto que nos une. 

Não é literatura pura e dura, antes um livro leve e com o qual facilmente nos identificamos, mais à frente ou mais atrás. Para ler numa esplanada, de sorriso nos lábios, e saborear cada um dos capítulos.
 

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.