Este sábado em Belgrado, a Liga sérvia pode ficar decidida no final do dérbi. Mas só se o Partizan, se impuser em casa ao ao rival Estrela Vermelha. Primeiro problema: o Partizan vem de uma série de quatro derrotas consecutivas em dérbis. Segundo problema: a impressionante série de oito vitórias conseguidas por um treinador português em estado de graça.

Desde que chegou a Belgrado, em meados de março, Ricardo Sá Pinto conseguiu o que parecia impossível: venceu todos os jogos e recuperou nove dos onze pontos de atraso para um líder cada vez mais angustiado. Se, pelas 20.15 desta noite, o Estrela Vermelha tiver somado o nono triunfo consecutivo, assumindo a liderança a duas jornadas do fim, o ex-leão terá contribuído para virar uma página na história de uma das rivalidades mais acesas do futebol europeu, marcada pelo domínio recente do pentacampeão Partizan.

Diz-se veciti derbi mas só a forma é invulgar. O significado, esse, é comum, e podia ser dito em turco, castelhano, português, ou italiano. Vecit é a palavra sérvia para eterno, e o Partizan-Estrela Vermelha de Belgrado é um dérbi que se proclama eterno com a mesma legitimidade dos «irmãos» Benfica-Sporting, Boca-River, Celtic-Rangers, Milan-Inter, Galatasaray-Fenerbahçe ou Olympiakos-Panathinaikos.

A fundação dos clubes data do final da II Guerra Mundial, em 1945, mas a rivalidade já vinha de trás, dos duelos entre o SK Jugoslavija (antecessor do Estrela Vermelha) e o BSK Belgrado, que depois da derrota do nazismo transferiu poderio e adeptos para o recém-criado Partizan. O novo estado de coisas transformou, como foi regra nos países a Leste de Berlim, a rivalidade desportiva num reflexo de lutas políticas, com o recém-criado Partizan como porta-estandarte do Exército, enquanto o Estrela Vermelha era apadrinhado pelo ministério do Interior.

Ao longo de 45 anos, os cigani do Estrela Vermelha e os grobari (coveiros) do Partizan disputaram, dérbi a dérbi, a supremacia na capital da Jugoslávia. A supremacia nacional, essa, teve de ser partilhada com as potências croatas de Zagreb (Dínamo) e Split (Hajduk), até à fragmentação do país no início da década de 90.

Menos poderoso do que noutros tempos, por força da exportação precoce dos seus melhores talentos, o futebol sérvio renasceu dos escombros, transformado num duopólio que os anos mais recentes inclinaram a favor do Partizan. O saldo histórico, esse, está mais equilibrado do que nunca: desde 1947, 25 campeonatos foram ganhos pelo Estrela Vermelha e 24 pelo Partizan. O eventual hexacampeonato dos «coveiros» teria, por isso, um simbolismo acrescido.

A lenda do derbi eterno construiu-se também com vários episódios de violência, muitos deles tendo como protagonista Arkan, o líder da claque «ultra» do Estrela Vermelha, os «Tigres», e dos paramilitares nacionalistas sérvios. Acusado de vários crimes contra a humanidade durante a Guerra dos Balcãs, Arkan acabou assassinado num hall de hotel, em 2000. O desaparecimento do seu «hooligan» mais violento virou uma página no tempo dos dérbis a ferro e fogo. Se a rivalidade permanece intensa, os surtos de violência estão mais controlados. A eficácia dos mecanismos de vigilância policial tem aumentado, e as normas de segurança impostas pela UEFA fizeram diminuir as lotações do estádios.

Longe vão os tempos em «Marakana», do Estrela Vermelha, amontoava quase 100 mil espectadores num estádio que agora não acolhe mais de 55 mil lugares. E o estádio do Partizan, palco do tira-teimas desta tarde, também viu a lotação reduzida de 50 para os atuais 32 mil. Mas se os adeptos são menos, e um pouco menos fanáticos, e se os nomes de Estrela Vermelha (campeão europeu em 1991) e Partizan (finalista vencido em 1966) já não fazem tremer a Europa do futebol, nem por isso o dérbi é menos intenso, porque nestas coisas de dérbis e rivalidades, a eternidade é muito tempo. Vječnost je duga, diz-se por lá.