Valeu pelas estreias, pela constatação inequívoca de que Portugal produz que se farta em qualidade. Os particulares servem para isto mesmo. António Oliveira secundarizou a afinação de um onze incontestado e deu prioridade à observação, ao estudo de novas soluções para lugares que, longe de se encontrarem fragilizados, ganham cada vez mais candidatos. A Selecção pode dar-se ao luxo de abdicar de consagrados, deixando-os de reserva para compromissos a doer. Falta Paulo Sousa, joga Delfim, o único dos debutantes com direito a 90 minutos de baile. Cabral levantou-se finalmente para pular em direcção ao centro da pista, depois de uma convocatória em que nem sequer despiu o fato de treino. João Tomás, o tal que alcança no Benfica, em escassos minutos, aquilo que outros bem mais caros não conseguem esboçar, recebeu um estímulo que lhe permite abordar os próximos meses com confiança redobrada. Faltava apenas Jorge Silva. Já foi campeão no F.C. Porto, tem brilhado como pode na tacanhez de Paranhos, mas encarou com naturalidade a justiça que finalmente lhe fizeram. Tocou uma única vez na bola, mas nunca a deve ter sentido tão redonda, tão especial, tão mágica. 

Este Portugal-Israel valeu essencialmente pelo registo de uma renovação tranquila que qualquer selecção pujante deve promover. Não se trata de um espírito de sucessão, mas sim de um conceito pragmático e realista, que jamais poderá ser alvo de contestação. É assim que se alargam as escolhas. Portugal, é cada vez mais visível, já não depende única e exclusivamente de um par de jogadores brilhantes. Estão a aparecer outros igualmente efectivos, uma segunda leva de talentos que está a aprimorar-se no dia a dia dos clubes. O seleccionador quis provar isto mesmo ao País no jogo de Braga. 

Já se sabia também que seria pouco provável que Portugal realizasse uma exibição soberba. Os adeptos, ainda assim, uniam as suas cerca de 20 mil vozes para incentivar cada corrida ou aplaudir cada passe, mesmo que a direcção indevida do couro pudesse provocar uma reprimenda sonora. Queriam algo semelhante ao passeio triunfal na Holanda, um regalo numa noite fria que o cimento gelado das bancadas tornava ainda mais desagradável. Apostava-se na hola e o estádio ondulava, centrando as atenções que a lentidão inicial havia dispersado. Sérgio Conceição e Rui Costa tentavam de longe. O primeiro acertara nas mãos do guarda-redes, o segundo nos painéis de publicidade. Estava difícil lidar com os três defesas israelitas. Pauleta, ainda assim, procurava espaços livres entre o trio, mas arrancava quase sempre sem ter a certeza de que a bola lhe chegaria aos pés. E não chegava mesmo. 

João Pinto como Berkoviz 

Oliveira abdicaria de um trinco, certo que a vontade de Delfim bastaria para monopolizar a circunferência central. Bino era sacrificado, chegava João Pinto com indicações precisas. O jogador do Sporting teria de colocar-se entre Rui Costa e Pauleta, unindo-os e autorizando que as trocas de flanco do avançado do Bordéus provocassem um desequilíbrio notório na defesa contrária. João teria de imitar Berkoviz, o mais perigoso de Israel, o pensador de todo o futebol azul-e-branco e único com autorização para calcorrear qualquer zona do terreno. 

A primeira parte, apesar de tudo, chegava ao fim com dois sustos para os portugueses, que persistiam em encurtar as acções atacantes, terminando-as ainda longe do perigo, com remates de longe. Berkoviz surgia em posição privilegiada, mas rematava por cima, já depois de Quim ter avançado uns metros para lhe encurtar as perspectivas de êxito, e Mizrahi deixava que Fernando Couto lhe condicionasse o remate e disparava contra o corpo do guarda-redes do Braga, chamado para um breve instante de brilhantismo. 

Os golos para decidir 

Portugal aceleraria apenas o suficiente para vencer e alegrar as quatro estreias. Figo, logo aos 49 minutos, agradecia o passe de Pauleta e o tropeção de Gershon, que se prostrara a seus pés, para marcar a diferença que de facto existe entre as duas equipas. Os portugueses podiam abreviar o esforço, trocá-lo pela recreação e pelo passe curto. Estava decidido. Sem o recurso a todas as armas, ao poderio que a Europa respeita cada vez mais. 

Bastou, todavia, um livre perigoso de Abukasis para voltar a despertar a Selecção Nacional. Os jogadores sentiam a superioridade, mas suspeitavam que a vantagem mínima podia ser ingrata, conjugando truques para deixar que Jorge Costa sentenciasse. Figo cobrara um livre da esquerda, João Pinto anulara todo o esquema defensivo de Israel com um ligeiro toque de cabeça e o capitão do F.C. Porto limitava-se a empurrar, consentindo que o patriotismo voltasse a saltar com o festejo de mais um golo. 

Agora sim estava cumprido todo o programa do particular. A vitória estava bem segura na mão que já se fechara. Delfim podia finalmente saborear a tarefa que Oliveira lhe atribuira. João Tomás, Cabral e Jorge Silva estavam autorizados a olhar à sua volta para experimentarem as sensações de jogar rodeados por incentivos de sentido único. Chegava a parte final do baile dos debutantes, aquela em que a euforia deu lugar aos sentimentos pensados, prontamente guardados no sector dos momentos inesquecíveis. Já nem o golo de Benayoun, num remate excelente, poderia cancelar a festa ou torná-la menos iluminada.