EINDHOVEN - A selecção portuguesa teve um início de sonho no Campeonato da Europa. Mais do que a vitória (3-2) sobre a Inglaterra, contou a forma como ela foi conseguida e as circunstâncias de que o jogo se revestiu. Naquele que foi, a larga distância, o melhor jogo da competição até à data, Portugal derrubou uma série de velhos fantasmas: venceu um adversário da elite mundial pela primeira vez em largos anos, marcou três golos, cada um mais bonito do que o outro, e principal novidade, descobriu-se capaz de reagir a uma situação de desvantagem como nunca o havia feito desde a histórica partida com a Coreia do Norte, em 1966.  
 
Difícil imaginar um começo pior para a Selecção, que sofreu dois murros consecutivos nos primeiros minutos, ainda para mais em situações perfeitamente previsíveis ¿ as entradas de Scholes e os cruzamentos de Beckham haviam dominado os cuidados defensivos na última semana de treinos. Em condições normais, o jogo estaria morto à nascença, e com ele, provavelmente, todas as ambições que Portugal trouxe para a Holanda.  
 
Mas este não foi um jogo normal. Um rasgo genial de Figo, concluído com um remate violentíssimo a vinte metros da baliza, deu aos portugueses um balão de oxigénio, que a exibição portentosa de Rui Costa e as movimentações de Figo e João Pinto continuaram a alimentar. A partir dos 25 minutos começou o vendaval português. Um vendaval contraditório, porque era feito de paciência e lucidez. As trocas de passes sucediam-se, à procura de espaços que tardavam a aparecer. E quando uma interminável troca de passes entre Abel Xavier, Paulo Bento e Rui Costa foi concluída com um cruzamento deste para o vôo triunfal de João Pinto, entrou-se definitivamente no domínio da lenda.  

Bom prenúncio

 
Com os médios defensivos mais eficazes na recuperação das bolas que Shearer trabalhava para as entradas dos médios ingleses, estava encontrado o antídoto para a tremideira defensiva, uma vez que Couto e Jorge Costa nunca perderam o norte nos duelos sistemáticos que travavam com os dois pontas-de-lança ingleses.  
 
Rui Costa pensava o jogo com a sabedoria dos iluminados. Figo inquietava os ingleses a cada arrancada a meio-campo. João Pinto desdobrava-se nas mais diversas zonas do terreno, chegando a fazer carrinhos junto à sua linha de fundo para logo depois aparecer na área, nas costas do sacrificado Nuno Gomes. Mais do que chamar a si o comando do jogo, Portugal punha em prática, no Phillipstadion, todos os princípios teóricos do bom futebol latino. E o intervalo chegou com um empate que, pelas circunstâncias em que havia sido arrancado, era prenúncio de vitória lusa.  

Inglaterra puxa pelo físico

 
Na segunda parte, a troca de Heskey por Owen simbolizava a rendição inglesa: sem armas para responder à técnica com a técnica, acentuava-se o aspecto físico, de combate dos homens de Keegan. Portugal sentiu a diferença, recuou um pouco no terreno, mas continuou a fazer do futebol uma ideia em movimento. O terceiro golo, de Nuno Gomes, após mais um passe clarividente de Rui Costa, limitou-se a formalizar uma vitória que já não tinha por onde fugir.  
 
Até final, os ingleses carregaram com alma e músculo, os portugueses responderam com agilidade, inteligência e muito sofrimento, nunca deixando de criar perigo em contra-ataque. Os adeptos de Portugal, encurralados num dos topos pela esmagadora superioridade numérica dos «supporters», tinham conquistado para a sua causa todos os espectadores neutrais e mandavam nos cânticos, tal como os jogadores lusos mandavam nos acontecimentos. E a forma como o jogo chegou ao fim, com Portugal a monopolizar a posse de bola, sempre capaz de ameaçar mais um golo, foi um manifesto em favor do futebol de qualidade. Como ainda não se tinha visto neste Europeu. Como raramente se terá visto de forma tão consistente numa selecção portuguesa.  
 

FICHA DO JOGO 

Portugal, 3-Inglaterra, 2 

Phillipstadion, em Eindhoven (Holanda)

Árbitro: Anders Frisk (Suécia) 

Portugal: Vítor Baía; Abel Xavier, Fernando Couto, Jorge Costa e Dimas; Vidigal e Paulo Bento; Figo, Rui Costa (Beto, 84 m) e João Pinto (Sérgio Conceição, 75 m); Nuno Gomes (Capucho, 89 m).

Treinador: Humberto Coelho. 

Inglaterra: Seaman; Gary Neville, Adams, Campbell (Keown, 81 m) e Phil Neville; Beckham, Ince, Scholes e McManaman (Wise, 57 m); Owen (Heskey, ao intervalo) e Shearer.

Treinador: Kevin Keegan. 

Ao intervalo: 2-2

Marcadores: Figo (21 m), João Pinto (36 m) e Nuno Gomes (58 m); Scholes (2 m) e McManaman (17 m)

Disciplina: cartão amarelo a Vítor Baía (88 m); a Ince (43 m)