As contas são simples, e a análise também por aí pode ser simplista. Os resultados estão a ser bons, e quatro pontos em dois jogos, já ultrapassado o embate com a favorita Espanha, colocam a Seleção muito perto do objetivo mínimo dos mínimos, que será chegar à fase a eliminar.

Apesar de ser Portugal a ostentar as faixas de campeão continental conquistadas em Saint Denis, a Roja mostrou grande parte dos argumentos que a tornaram a dominadora incontestada do futebol mundial de 2008 a 2012. Mesmo perdendo referências, sobretudo Xavi – e já a beber os últimos goles da inspiração de Iniesta –, Busquets, Jordi Alba, David Silva, e até de certa forma Thiago, mantêm a ligação direta a uma filosofia que tem lugar cativo na história do jogo. Isco acrescenta roturas mais verticais, devido à capacidade de ultrapassar adversários em drible, Diego Costa junta-lhe poder de fogo, mangas arregaçadas e dentes cerrados nas áreas rivais. Tudo somado, a Espanha prossegue com o estatuto de candidato à vitória em Moscovo.

Ter conseguido ainda igualar o resultado depois de a equipa que agora é de Fernando Hierro o ter virado a seu favor, e com os espanhóis nas suas sete quintas a poder privilegiar a posse só pela posse, a vitória moral terá sido saboreada apenas pelos portugueses. Por outro lado, o ponto conquistado e também a grandeza do adversário esconderam até ao embate com Marrocos várias debilidades mostradas, sobretudo na incapacidade de ultrapassar as linhas de pressão contrárias. Mais uma vez, frente aos marroquinos, a vitória compensou pelo menos 80 minutos de muito desnorte e falta de discernimento.

Perante o muito bem organizado e irreverente conjunto africano, que Hervé Renard soube reequilibrar depois da derrota com o Irão com a subida de Noureddine Amrabat no terreno (amarrando e torturando Raphaël Guerreiro jogada após jogada) e ainda com as entradas de Manuel da Costa para o eixo defensivo e de Boutaïb para a posição 9, Portugal não soube novamente sair da pressão contrária, intensa e agressiva, sempre onde caía a bola, perdendo-a sucessivamente. Não o conseguiu coletivamente ou sequer no plano individual, através do drible, ao mesmo tempo que do lado contrário essa verticalidade, ganhando inúmeras vezes os duelos individuais 1x1, era cada vez mais perigosa. A fasquia da intensidade e da agressividade foi elevada por Marrocos e Portugal nunca chegou perto.

Apesar de todos os incidentes por que a Seleção passou no Euro-2016, o momento coletivo da equipa parece, mesmo assim, estar alguns furos abaixo, o que tem, de certa forma, de preocupar Fernando Santos. Menos sólido atrás, incapaz de controlar os jogos, mas também muito pouco clarividente no ataque, com muitos passes falhados, sem rasgo, criatividade e, aparentemente, até rotinas, Portugal terá de subir vários furos já frente ao Irão e, caso seja bem sucedido, nos oitavos de final, seja a vertiginosa Rússia ou o bem mais cínico Uruguai quem lhe sair pela frente.

No plano, individual, Cristiano Ronaldo entrou no Rússia-2018 a todo o gás e Rui Patrício chegou rapidamente ao nível de há dois anos. Faltam todos os outros? Provavelmente. De Guedes, Bernardo, João Mário e Raphaël pelo menos é esperado muito mais. É a altura de também eles assumirem o seu papel, e distribuírem entre si e aquele que sucessiva e incansavelmente reforçam como o melhor do mundo o peso da equipa.

O Irão, que apenas vendeu a derrota às três tabelas frente a Espanha, deixou transparecer todo o bom trabalho feito por Carlos Queiroz ao longo dos últimos anos. Muito sólido atrás, e inteligentíssimo na hora saída, muito pela certa, não será certamente obstáculo fácil para Portugal. Mesmo apenas com um empate a separar a equipa das quinas da qualificação.