É isto a Europa do futebol. Estádio com muita gente, golos de espectáculo superior, emoção na evolução do resultado. Uma noite de vibração permanente, a que só faltou uma prestação superior do Sp. Braga. A vitória de 3-2 do Tottenham coloca uma pressão quase insustentável sobre os minhotos, mas o conjunto de Jorge Costa tem, no mínimo, o direito a sonhar. A vingança dos 9-0 de 1984 fica, para já, adiada, mas a ambição de uma reviravolta em White Hart Lane é compreensível e verosímil, caso os arsenalistas repitam os últimos quinze minutos do duelo de hoje.
As muitas mexidas efectuadas no onze inicial (a maior parte delas forçadas) abalaram a própria estrutura mental do Sp. Braga. Principalmente no meio-campo, Castanheira e Andrade, desta vez sem Frechaut ao seu lado, aparentaram uma impotência confrangedora diante dos inesgotáveis Zokora e Tainio. E a definição do jogo começou a ser desenhada nessa zona.
De resto, as premissas principais deste argumento são fáceis de sublinhar. O Tottenham foi mais forte, essencialmente, pela já referida superioridade dos seus médios-centro e por possuir o génio de Dimitar Berbatov. Um jogador de eleição, um executante de elevado nível. A forma como segurou a bola e criou espaços no último terço do terreno, elevaram Paulo Santos a ícone deste encontro. Quatro lances de perigo do búlgaro, quatro defesas recheadas de inspiração do internacional português.
Keane e Malbranque dinamitam sonho bracarense...
O Sp. Braga, de resto, sofreu de males nunca antes imaginados. Sustida por elementos de apreciável e reconhecida craveira técnica, a circulação de bola esteve sempre muito perra e os lances de bola parada nunca saíram a preceito. Ora, privada de duas das suas habituais armas, a equipa minhota chegou a parecer tolhida pelo simples espectro do gigante que o Tottenham não é.

Não havia como enganar. Desta vez, houve lógica na evolução do jogo. Apesar de uma tímida melhoria nos primeiros minutos da etapa complementar, os sintomas apontavam para uma recaída irrecuperável. Zé Carlos ainda deu asas ao sonho num remate à meia-volta, mas o Tottenham reassumiu de pronto as rédeas da partida.
Estava bom de ver. Os ingleses fartaram-se de ameaças inócuas e fizeram dois golos em quinze minutos. Primeiro Robbie Keane, num pontapé em arco à entrada da área, e depois Steed Malbranque, na recarga a um remate de Aaron Lennon. Aparentemente, era o triste definhar de uma formação que tão boa conta de si vinha dando na Europa do futebol. Mas o enorme coração do Sp. Braga tinha diferentes planos para a derradeira fase do jogo.
...mas o coração dos minhotos exigia mais
Se estivéssemos diante de uma tela de cinema, pensaríamos em realizadores da estirpe de David Fincher ou M. Night Shyamalan, especialistas no manipular da imaginação do espectador. Foi isso que sucedeu em Braga, numa simples partida de futebol. O final encaminhava-se para a consagração do Tottenham, mas as bancadas abriram a boca de espanto.
Num assomo de perene inspiração, a igualdade seria restabelecida em apenas cinco minutos. Primeiro numa recarga de Paulo Jorge a uma grande penalidade desperdiçada por si próprio, e depois num cabeceamento de Zé Carlos. O moribundo ergueu-se das mais misteriosas profundezas e abriu espaço à exibição de uma sequela. Fincher e Shyamalan não fariam melhor.
E só Robbie Keane, já depois dos descontos, não permitiu que a alegria arsenalista fosse superior. Em aparente fora-de-jogo, o irlandês recebeu um passe de Zokora e bateu Paulo Santos pela terceira vez. O Tottenham vencia, mas o último quarto-de-hora do Sp. Braga abre espaço à ousadia de querer vencer em White Hart Lane.