Há festa em Chaves. Mais do que isso, aliás, a julgar pelas palavras dos protagonistas. Há festa em Trás-os-Montes. Festa em Mirandela, festa em Vila Real, Macedo de Cavaleiros até Bragança. O interior norte do país volta ao principal campeonato de futebol em Portugal.

O empate em Portimão, este domingo, permite a festa antecipada, a uma jornada do fim do campeonato. Os flavienses já não podem ser campeões (o FC Porto B ficou com a Taça), mas a subida já não foge. E o domingo foi de festa, por isso.

Desde 1999 que o Desp. Chaves não disputa um jogo da Liga portuguesa. Desceu nessa época, há 17 anos e nunca mais voltou. Passou, até, pelo terceiro escalão, em duas ocasiões, disputou uma final da Taça de Portugal em 2010, falhou a glória da subida no último minuto da época passada, mas agora está de volta.

E esta história começa, então, no livre de André Carvalhas, no último minuto do Freamunde-Tondela da última jornada de 2014/15. O Desp. Chaves precisava que os tondelenses não vencessem para subir, mas no último lance do jogo, que até então estava 1-1, André Carvalhas deu o título ao Tondela, fez subir o União da Madeira e deixou o Chaves na II Liga.

Com um pontapé tudo mudou. Quem festejava? Vítor Oliveira, que treinava o União. Foi ele o escolhido para liderar a reconstrução do Chaves. Aposta com todo o sentido: vinha de três subidas consecutivas e tinha oito no currículo. Subiu a parada este domingo. É especialista, pois claro.

Vítor Oliveira festejou a nona subida de Divisão

«Depois do ano passado, sabe ainda melhor»

Mas voltemos ao início de tudo. Poucas equipas podem dizer que começam a construir uma época no preciso momento em que a anterior termina, mas o Desp. Chaves foi, por assim dizer, obrigado a apoiar a construção da carreira deste ano naquele momento.

Paulo Ribeiro, guarda-redes, foi um dos resistentes de uma época para a outra. O antigo guarda-redes do FC Porto está em Chaves desde 2011. Conversou com o Maisfutebol na tarde de domingo, enquanto fazia a longa viagem de regresso a casa, após o empate de Portimão.

Pelo telemóvel era perfeitamente audível a festa do plantel.

«Depois do que aconteceu no ano passado isto é uma alegria enorme. É como que esquecer de vez aquele final dramático que nos tirou o sonho», diz Paulo Ribeiro.

O guardião lembra que o plantel mudou muito, mas aquela tarde não foi esquecida: «Havia muito poucos jogadores este ano que estavam no ano passado e passaram por aquela desilusão. Para nós, que já cá estávamos, acho que é ainda mais saboroso, depois de uma desilusão daquelas.»

Outro que esperou um ano por esta festa foi João Patrão. O médio partilha da opinião do colega: «Depois do que aconteceu no ano passado o sabor é ainda melhor. É um enorme orgulho, uma enorme satisfação e sensação de missão cumprida.»

Lembra-se da Liga em 1999?

Foram 17 longos anos de ausência. A última edição do campeonato que teve o Desp. Chaves era bem diferente dos patrões atuais. Tinha as mesmas 18 equipas, mas entre elas contavam-se, por exemplo, Beira-Mar, Alverca, Campomaiorense, Salgueiros, Farense, Estrela da Amadora ou U. Leiria que hoje, com exceção dos algarvios porque entretanto recuperaram, andam pelos campeonatos não profissionais ou foram, mesmo, extintos.

Nessa época de 1998/99, em que o FC Porto de Fernando Santos festejou o único «Penta» do futebol português e o Boavista foi vice-campeão nacional, o Desp. Chaves foi penúltimo apenas à frente da Académica. O Beira-Mar, que nesse ano até venceu a Taça de Portugal, foi a outra equipa a descer.

Aquele Chaves teve dois treinadores (Horácio Gonçalves e Augusto Inácio) e tinha alguns jogadores bem conhecidos. Paulo Torres, campeão do mundo em Lisboa, ou Filipe, que erguera o mesmo título dois anos antes em Riade. Ainda os jovens João Alves, que jogaria no Sp. Braga, Sporting e V. Guimarães, ou Ricardo Chaves, em ano de estreia.

Ao contrário do grupo atual, constituído, essencialmente, por portugueses e brasileiros, aquele Chaves tinha cinco espanhóis (Toniño, Seba, Carlos Alvarez, Arteaga e Michel) e dois búlgaros (Timnev e Stanchev).

O Desp. Chaves dos anos 90

Por onde andou o Desp. Chaves desde a última descida?

1999/00: II Liga, 12º classificado (Francisco Vital e Rodríguez Vaz)

2000/01: II Liga, 10º classificado (Dito, António Jesus e António Borges)

2001/02: II Liga, 5º classificado (António Borges)

2002/03: II Liga, 6º classificado (Rogério Gonçalves)

2003/04: II Liga, 10º classificado (José Alberto Costa e Manuel Correia)

2004/05: II Liga, 17º classificado – Despromovido* (Jorge Amaral e Daniel Ramos)

2005/06: II Liga, 8º classificado (Vítor Maçãs e António Caldas)

2006/07: II Liga, 16º classificado – Despromovido (António Caldas, Ricardo Formosinho e António Borges)

2007/08: II Divisão B, 2º classificado na fase de subida (António Borges e Leonardo Jardim)

2008/09: II Divisão B, 2º classificado – Promovido (Leonardo Jardim)

2009/10: II Liga, 15º classificado – Despromovido (Tulipa, Nuno Pinto e Ricardo Formosinho)

2010/11: II Divisão B, 3º classificado (Luís Miguel e Jorge Regadas)

2011/12: II Divisão B, 3º classificado (Jorge Regadas e João Eusébio)

2012/13: II Divisão B, 1º classificado (Hélder Fontes, Pedro Monteiro e João Pinto)

2013/14: II Liga, 8º classificado (João Eusébio e Quim Machado)

2014/15: II Liga, 3º classificado (Norton de Matos e Carlos Pinto)

2015/16: II Liga, 2º classificado** (Vítor Oliveira)

*Repescado após desistência do Alverca

**Ainda não terminou

«Este clube vai até aos arredores de Espanha»

O atual plantel do Desp. Chaves também tem algumas caras conhecidas dos relvados portugueses. Como o guarda-redes António Filipe, que passou largos anos no Paços de Ferreira, Braga, um histórico de Leixões e Rio Ave, entre outros, ou Tozé Marreco, reforço de inverno, a tempo de ainda marcar um golo em 12 jogos e selar a segunda subida consecutiva, após a festa com o Tondela, no ano passado.

«O segredo deste grupo é a união, sem dúvida. Toda a gente a remar para o mesmo lado. O clube soube levantar-se depois do que nos aconteceu na época passada, soube ser humilde, perceber o que tinha de melhorar e unir-se em prol de um objetivo que agora nos dá esta festa», explica Paulo Ribeiro.

Com o Desp. Chaves regressa, então, toda uma região ao chamado «convívio dos grandes». Trás-os-Montes, uma área do país que bem precisa da atenção mediática que agora poderá ter, certamente, por causa do futebol.

João Patrão, de resto, não tem dúvidas: «Este clube já é mais do que Chaves. É toda uma região. É Trás-os-Montes e mais do que isso. Vai até aos arredores de Espanha! Passa muito para lá da cidade. Representamos Chaves mas também Vila Real, Macedo Cavaleiros, Bragança, Mirandela. Tudo…»

«A região de Trás os Montes já merecia há muito tempo voltar a ter um clube na Liga. O Chaves merece, aquele povo merece, os nossos adeptos merecem», encerra Paulo Ribeiro.

Equipa tipo do Desp. Chaves em 2015/16 (jogadores com mais minutos por posição):

António Filipe; Tiago Almeida, Miguel Oliveira, Fábio Santos e Nelson Lenho; Rafael Assis, João Patrão e Luís Silva; Diogo Cunha, Barry e Braga

O plantel que conquistou a subida à Liga:

Guarda-redes: António Filipe e Paulo Ribeiro

Defesas: Edu Machado, Diogo Coelho, Mike Moura, Stéphane, Miguel Ângelo, Miguel Oliveira, Fábio Santos, Nélson Lenho e Tiago Almeida (voltou ao Belenenses em janeiro)

Médios: Rafael Assis, Diogo Cunha, Siaka Bamba, João Patrão, Bruno Magalhães, Luís Silva, André Fontes e Braga.

Avançados: Luís Barry, João Reis, Perdigão, Sandro Lima, Luís Pinto, João Mário, Gustavo Sousa, Tozé Marreco, Ludovic (vendido ao FC Zimbru, da Moldávia, em janeiro), Alioune Fall (emprestado ao Vizela em janeiro) ou Arnold Issoko (vendido ao V. Setúbal ainda em agosto)