Surfista profissional «por acidente», surfista por uma «paixão» que o «consumia». Surfista que já não conseguia «ir para o trabalho de carro a olhar para as ondas lá fora». Surfista que quis «fugir, fruir e deixar o mundo para trás». Surfista que quis «seguir os sonhos, continuar a surfar, a poder surfar o resto da vida».

Surfista com «cicatrizes de pontos da cabeça aos pés», que «muitas vezes podia ter desistido». «E tinha-o feito se não tivesse enfrentado os meus medos», confessa Garrett McNamara, o surfista que em Janeiro deste ano cavalgou a onda gigante de 30 metros de altura na Praia do Norte, na Nazaré – aquela que terá sido a maior onda alguma vez surfada.

«Na vida temos desafios. E temos de enfrentá-los para conseguir coisas grandes.» A receita parece simples: «Não se pensa no passado, não se pensa no futuro. Desfruta-se do momento, Não há medo.» «O medo é uma escolha», considera o norte-americano que, entre risos, conta que já tem «mais medo de vir de carro da Nazaré para Lisboa» do que de deslizar por um prédio de dez andares feito de água.

«Temos que nos empenhar para fazermos aquilo que queremos, porque se fizermos tudo o que pudermos as coisas são alcançáveis», garante McNamara já que «tudo na vida tem limites e se não se enfrentar e avançar…» «Se alguma coisa corre mal motiva-me mais, aprendemos com os erros e avança-se», ensina o surfista que esteve na passada sexta-feira ao Campo Pequeno participar no «Meeting Lisboa», um encontro que decorreu até este domingo na capital portuguesa com o lema «Sejam realistas, peçam o impossível».

Inspirado, honrado e em casa

Garrett McNamara revela que quando espera pela próxima onda está «em estado de excitação, como um miúdo numa loja de guloseimas». «Concentro-me no momento, foco-me no que quero, começo a vê-lo acontecer e faço-o acontecer: manifesto-o. E sinto-me em casa», admite o surfista de 46 anos que diz ser «muito mais fácil viver no oceano do que em terra». «Na terra enrolo-me nos pensamentos, no oceano deixo-me ir…» «A minha paixão pelas ondas grandes é o que me dá motivação. Já não é a adrenalina. Eu surfo para vocês todos», assume.

O norte-americano do Havai que adotou e foi adotado por Portugal desde que em 2011 entrou para o Guinness ao surfar na Praia do Norte uma onda de 24 metros de altura voltou «por causa de todos que agora são família». «Eu sinto-me em casa, na Nazaré e em Portugal, e sinto-me honrado por fazer parte de vós». «Sei que vocês todos me inspiraram, por isso, se eu vos inspirar estou agradecido e honrado.»

E, consciente da situação económica de Portugal, McNamara não deixa de ver as pessoas «com esperança, a avançar, a inspirarem-se uns aos outros, a partilharem, a encontrarem novas maneiras de fazer as coisas acontecerem». Porque «todos temos um dom que é o de conseguir fazer algo melhor do que os outros». «Cada um tem de descobrir o seu nicho. A minha paixão eram as ondas grandes», conta o surfista que crê «vivamente» que «todos temos o nosso talento especial que fazemos melhor do que qualquer outra pessoa». «Temos de descobrir o que é, fazer um plano à volta dele e fazer dele a nossa vida.»

Os portugueses também têm «certamente um dom». «Os portugueses têm o mundo na ponta dos dedos, tudo é possível. Têm possibilidades infindáveis. O solo fantástico dá-vos uma comida excelente, têm o mar, o oceano, foram os primeiros a viajar no mundo inteiro, há tantas ideias novas… Da forma como o mundo vai… O Pacífico está tão envenenado agora. Vocês têm o Atlântico: está fresco, limpo, na ponta dos vossos dedos, podem fazer o que quiserem com ele…»

«Não pensem que a relva é mais verde do outro lado», aconselha McNamara. E desenvolve a sugestão: «Dêem atenção ao que têm e tornem-no melhor. Não vão à procura do que não têm.» «Não deixem que o governo, as notícias, tudo o que tem acontecido vos deite abaixo. Saibam que podem fazer o que querem.»

Próxima onda pode estar para chegar...

A decisão de não fazer também existe. Por isso, o surfista explicou por que retirou a onda de 30 metros do concurso da Billabong. Os patrocínios a bebidas alcoólicas estiveram na base da decisão: «Nada do que atingi foi por beber álcool. Não sou um santinho, gosto de beber um vinho, mas, como atletas, somos vistos pelos jovens e é preciso ver o quadro no seu todo.» «Temos de ter atenção ao metermo-nos nestes eventos com o álcool. Os jovens são o nosso futuro e eu sentir-me-ia terrivelmente ao mandar-lhes a mensagem errada», frisa.

«Fiquei orgulhoso e foi ótimo trazer aquela onda para Portugal», afirma McNamara assumindo ao mesmo tempo que se houver outros surfistas a fazerem os mesmos impossíveis ficará «contente». Outros significam «mais possibilidades para Portugal, para um país que precisa de ajuda». «Farei tudo por vocês, pessoal», garante. «Este não é um projecto sobre mim, é sobre nós todos, como numa equipa», refere o homem para quem «a coisa mais espetacular é partilhar outras coisas com outras pessoas», como as aulas que tem dado aos mais jovens em Portugal: «Tiro tanto gozo do surfar com os miúdos que é quase egoísmo.»

A equipa vai continuar a trabalhar na Nazaré porque «é um dos sítios mais especiais». «Não há ondas maiores com aquela frequência, tudo por causa do canhão», diz quem vê as ondas da Praia do Norte como «as mais desafiadoras». «E já surfei muitas.» Mas há sempre um mas: «Ainda não estou contente com as maiores ondas que apanhei. Tenho um apetite muito grande e estou à procura de uma onda ainda maior do que a que apanhei aqui.» «Por isso não estou ainda realizado, há muito mais por vir», confia o norte-americano, pois, «com todos a pensarem positivo, acontecerá».

Quando, «só a mãe natureza sabe». «Mas não ficaria surpreendido se tivéssemos um presente no dia de Natal…» É quando Deus quiser? «Eu acredito decididamente em Deus. Como iria para lá se não acreditasse?» «Temos de estar preparados mentalmente, fisicamente, espiritualmente. Se não estivermos bem nesses três aspetos, não sei…», interroga Garrett McNamara fazendo questão de declarar a sua convicção: «Quando estamos aflitos, não dizemos isto ou aquilo, todos nós dizemos salva-me Deus. Ter essa fé num Poder Maior, mantém-me e faz-me sentir seguro.»