O ano de 2004 assinala exemplar desforra do futebol sobre o cerco do marketing e o culto das estrelas. Como Ícaro, que criou asas para voar demasiado alto e ser derrubado pelo sol, o Real Madrid galáctico despenhou-se com fragor ao longo de doze meses penosos. E recorde-se que em Janeiro de 2004, com a liderança na Liga, a presença na final da Taça do Rei e o favoritismo claro à conquista da Liga dos Campeões, o sonho de grandeza merengue parecia mais pujante e justificado do que nunca.
Que Carlos Queirós tenha sido um dos protagonistas desse descalabro é mais acidental do que parece à primeira vista. Apesar dos muitos ódios de estimação que suscita em Portugal, o técnico português foi pouco mais do que o homem errado no lugar errado à hora errada: o desastre já estava em marcha mesmo antes de ele chegar a Chamartín. A segunda metade do ano merengue, já depois do seu regresso a Manchester demonstrou-o sem margem para dúvidas.
Enquanto o glamour andou associado à lógica desportiva (Figo primeiro, Zidane depois), a coisa ainda deu certo e fez sonhar. Depois, quando a obrigação de contratar estrelas ¿ Ronaldo, Beckham, Owen (!!!) - se impôs a qualquer lógica, foi o descalabro: a Taça do Rei foi-se em Março, a Liga dos Campeões logo a seguir (diante de um Mónaco liderado pelo proscrito Morientes), e Abril e Maio limitaram-se a prolongar um calvário em que a qualidade do futebol era inversamente proporcional ao nível de humilhação a que eram expostos os adeptos «blancos».
Sem perceber que tinha mais estrelas do que jogadores motivados, o reeleito Florentino Perez quis mais do mesmo, e designou Queirós como culpado de todos os males. Mas a demissão de Camacho, menos de dois meses depois, provou que o mal não era do timoneiro, era do rumo. À entrada de 2005, parece claro que estamos perante o fim de um ciclo, que apenas uma improvável vitória na presente edição da Liga dos Campeões evitaria classificar como fiasco total.
A moral da história é simples: no futebol, ter dinheiro, talentos, adeptos e História, ajuda mas não chega. Antes, e depois de tudo, é preciso construir, defender e sustentar uma equipa. E essa é tarefa para treinadores, não para presidentes e directores comerciais. Mourinho e o Chelsea, Rijkaard e o Barcelona, aí estão a prová-lo.