«Belarmino,

cerra os dentes, vem jogar.

Somos tão bons a perder quando não queremos ganhar.

Hoje tem que acontecer, cerra os dentes, vem jogar.

Foi só mais um, atrás de outro.

Foste sempre pouco, com medo de ser inteiro.»


Este é um excerto da música «Belarmino», da banda «Linda Martini», inspirada no antigo pugilista português com aquele nome, retratado em documentário por Fernando Lopes (1964). Ao assistir ao clássico do passado sábado lembrei-me desta personagem e desta letra. Não duvido que Sporting e F.C. Porto quisessem ganhar o jogo, mas a verdade é que cederam ao medo de perder, tal como Belarmino Fragoso. Tiveram medo de ser inteiros, e por isso foram pouco.

O receio superou a ambição, indiscutivelmente. Este Sporting em crescimento ainda não tem dentes suficientes para mostrar aos rivais, nos confrontos directos, consciente de que o nível ainda não é o mesmo (embora para lá pareça caminhar). Até nem foi por falta de vontade que a equipa de Domingos Paciência não arriscou mais. Pesou a quebra de rendimento de algumas unidades influentes (Capel e Wolfswinkel, por exemplo), e o receio do contra-ataque portista.

A equipa de Vítor Pereira esteve mais na expectativa, jogou mais em função do adversário. Ao ponto de ter invertido o seu triângulo de meio-campo, para que se adaptasse ao adversário. Fernando e Moutinho dividiram a largura do campo a meio, para que um vigiasse a acção de Elias e o outro estivesse mais atento a Schaars. Belluschi ficou em posição mais adiantada, e mais central do que é hábito, incumbido de alimentar o tridente ofensivo.

O campeão nacional jogou mais na expectativa. A nova identidade da equipa passa um pouco por aí, com a passagem de Hulk para a posição nove, mas em Alvalade isso foi ainda mais visível. A estratégia passava por jogar com as contas leoninas, e esperar que o adversário arriscasse, para depois explorar os erros. O «Incrível» seria trunfo óbvio, mas não teve muito espaço, pois o Sporting não arriscou tanto quanto Vítor Pereira esperaria.

Ambas as equipas tiveram mais medo de perder do que vontade de vencer, e por isso o clássico ficou aquém do esperado. O desfecho penaliza mais o Sporting do que o F.C. Porto, mas quem ficou a ganhar foi mesmo o Benfica.

P.S. (para seguir): Estreia positiva de Renato Neto, sobretudo tendo em conta o contexto. Com pouco mais de uma semana de trabalho às ordens de Domingos Paciência, foi lançado a titular no clássico. É um jogador que se enquadra naquilo que o técnico leonino pretende para a posição seis, e o mais parecido com Rinaudo. Forte fisicamente, o jovem brasileiro ocupa bem o espaço à frente dos centrais, concedendo pouca liberdade aos adversários que aparecem por ali. Depois participa na construção de jogo com processos simples, procurando passes curtos e seguros. Foi neste aspecto que cometeu alguns erros, mas que podem ser considerais normais, dado o contexto.

A titularidade de Renato Neto reforça também a convicção de que André Santos não tem vida fácil. As características do promissor médio parecem estar longe daquilo que Domingos vê num «trinco». O técnico prefere uma presença forte à frente dos centrais, nem que para isso tenha de apostar em jogadores com pouca capacidade para participar na construção de jogo. Tapado por Rinaudo (quando voltar), Carriço e agora Renato Neto, André Santos devia ser emprestado.