Quando regressa à Suíça, Camille nunca se esquece de guardar consigo a memória da «areia das praias» de Portugal e as «saudades do bom tempo passado nas férias». No seu regresso a França, Arthur leva sempre na bagagem o vinho do «Porto para a família» e, para si, os «pastéis de nata». Quando Camille Dias e Artur Hanse chegarem à Rússia daqui a um mês, eles serão os representantes de Portugal nos próximos Jogos Olímpicos de Inverno.

Camille Dias e Arthur Hanse vão representar Portugal no esqui alpino, competindo na prova de slalom (e, por inerência desta qualificação, também no slalom gigante). A sétima participação portuguesa nas Olimpíadas de Inverno será a terceira consecutiva. Mas esta será a primeira vez em que haverá dois atletas com as cores portuguesas. Ambos são luso-descendentes. Camille vive na Suíça. Arthur vive em França.

Este «é o consumar de um trabalho da Federação de Desportos de Inverno de Portugal [FDI]: encontrar atletas que representassem [Portugal] com peso nas modalidades mais fortes, nas modalidades rainhas do ski. Foi o consumar do trabalho de «procurá-los junto das comunidades portuguesas», explicou ao Maisfutebol Pedro Farromba, o presidente da FDI e chefe da Missão Portuguesa em Sochi 2014.

«Sendo luso-descendentes, eles têm um apego muito grande à bandeira portuguesa. Vivem, se calhar, até com maior intensidade do que em Portugal», garante Pedro Farromba frisando que Camille e Arthur estão conscientes do «papel» que vão desempenhar: «Vão representar o país e os antepassados e isso deixa-os muito orgulhosos e conscientes da responsabilidade.»

O Benfica e bacalhau

Os dois esquiadores não podiam ter correspondido mais às expectativas com que vão sendo conhecidos, como disseram para o Maisfutebol via e-mail. «É uma honra para mim, especialmente porque vou representar parte da minha família antepassada, que é portuguesa. Por isso, espero representar Portugal o melhor que conseguir», assumiu Arthur Hanse.

Camille Dias promete também que transportarão consigo «o amor do nosso país e das nossas raízes». O trabalho de procura da FDI foi também assim ele consumado com a decisão dos dois esquiadores em optarem representar não o país onde sempre viveram, mas o país dos seus pais. «Temos Portugal no coração», confessa Camille.

Arthur diz não ter «uma grande ligação a Portugal». Mas assume também: «Lá no fundo, eu sinto que é correto representar as minhas raízes.» A família do seu pai é portuguesa, assim como é português o seu padrasto. E cresceu «numa grande comunidade portuguesa» que lhe foi permitindo aprender «todos os dias» e «recuperar o tempo» perdido. «Eu adoro Portugal e é uma grande honra representar Portugal» reforça o esquiador de 20 anos contando que foi o seu padrasto quem lhe deu a ideia de representar Portugal: «É graças a ele que estou aqui.» 



Residente em Les Gets, França, Arthur vem a Portugal «quatro a cinco vezes por ano». «Vou a Lisboa, à Covilhã e viajo bastante nesse país incrível. No total, estou em Portugal durante um mês para ver pessoas, ver os amigos», conta. «É claro que gostaria de ir mais vezes, mas tenho um horário preenchido. Treino 200 dia por ano e depois tenho as aulas», refere o estudante do Instituto Universitário de Annecy acrescentando que «todo os outros períodos de tempo são para ir a Portugal».

A mesma falta de tempo para vir a Portugal é também referida por Camille Dias. Mas não é por isso que a esquiadora de 17 anos residente em Leysin, na Suíça, deixa de abraçar a aldeia de Orvalho e a região da sua família paterna como também sua. «Sou da Beira Baixa, mas vou pouco a Portugal por falta de tempo. O que conheço melhor é o futebol, a minha aldeia e o rio Zêzere», diz a adepta do Benfica que quer ter «uma camisola do clube assinada pelos jogadores». Arthur também conhece «bastantes coisas» do «melhor de Portugal» que vai do «futebol» à «história» passando pela gastronomia voltando a destacar os pastéis de nata companheiros do pequeno-almoço «todas as manhãs» ou a comida mais «típica» como o «bacalhau» e os «queijos».

A sardinha assada e o Sporting

Arthur assume boa disposição quando conta que também «os franceses gostam de comer a incrível comida portuguesa», assim como elogiam «as pessoas muito trabalhadoras» que «fazem um trabalho muito bom em França». Na Suíça, Camille partilha com os suíços «a bondade do povo português» e o que é sentir «o cheiro da sardinha assada». Em França, Arthur conta que outro dos pontos em comum dos tempos mais recentes foi o Mundial 2014: «Muitos franceses estavam com medo que Portugal saísse como adversário do play-off.».

Apoiante do Sporting – «acredito que nesta época vai sair vitorioso» –, Arthur estava na Noruega quando «a Seleção Nacional garantiu o bilhete para o Brasil» e conta a «excitação» vivida: «Acho que acordei toda a gente no hotel de tão feliz que fiquei!» Ver fora de Portugal o sucesso de outros portugueses no desporto é «mais uma honra em ser português», como diz Camille: «Ver como o nosso pais cresce no mundo desportivo também é bom para nós atletas.



Em fevereiro, será então a altura de Camille Dias e Arthur Hanse terem os holofotes portugueses para si direcionados – os Jogos Olímpicos de Inverno decorrem em Sochi entre 7 e 23 (as suas provas decorrerão na segunda semana). «Dada a minha idade, participar já é um bom resultado. Espero estar nos 40 melhores. São as minhas primeiras olimpíadas e por isso tenho de aproveitar ao máximo e ganhar toda a experiência. Os resultados serão um acréscimo», aponta Arthur. «Para mim, chegar perto dos 30 [primeiros] seria magnífico», refere Camille.

Exemplos lá fora a ver cá dentro

O chefe da Missão Portuguesa para Sochi 2014 lembra que os slaloms são «provas que são discutidas à centésima de segundo» e que «o nível competitivo é muito grande». «Do primeiro ao último estarão dois segundos» de diferença, aponta Pedro Farromba explicando que ficar «no primeiro terço [entre 90 participantes] será uma vitória, como já o é a presença».

Esta participação nos Jogos servirá «para dar mais visibilidade aos desportos de inverno em Portugal». «Contamos com mais apoios», revela Pedro Farromba utilizando a metáfora da pescadinha de rabo na boca: «Estamos na fase de termos visibilidade e temos de catapultar essa visibilidade.» Camille Dias está também consciente da «boa publicidade», para a FDI e para «os atletas também» ,que está a ser conseguida, ao mesmo tempo que serve para «mostrar que Portugal cresce e se desenvolve».

A estudante da Leysin American School tem como objetivo posterior aos Jogos a profissionalização «se obtiver patrocínio» e «chegar ao campeonato do mundo» de juniores. Arthur Hanse também já tem a ida aos mundiais da Eslováquia programados – onde também quer estar «no top 30» – e, depois de mais algumas provas internacionais regressará aos estudos. Até chegar maio, para «voltar a Portugal durante uma semana». À distância, Arthur resume o que significa esta presença portuguesa nas olimpíadas de inverno: «A minha participação é boa para este país incrível, que pode ter uma esperança em relação aos jovens portugueses. Eles agora podem acreditar que um dia podem seguir o mesmo caminho que a Camille e eu porque têm dois exemplos.»