Foram-se-nos dois gigantes. Dois homens maiores do que o pugilista e futebolista que encarnavam. Ali e Cruijff nunca deixaram uma palavra por dizer, retraíram um pensamento ou uma ideia. Lutaram por elas. E nada há como lutar por isso. Ali e Cruijff não são estrelas num céu, são constelação. Como os que faleceram no acidente da Chapecoense, retratadas nos Momentos Internacionais de 2016. 

Portugal perdeu a maior figura do atletismo nacional, provavelmente de todo o olimpismo. Moniz Pereira deixou o Sporting de luto. Como o fez Mário Wilson no Benfica. E na Académica. E no V. Guimarães. E no Boavista. O Velho Capitão deixou uma braçadeira enlutada. Não foi a única.  

O céu ganhou demasiadas estrelas em 2016. 

Johan Cruyff, 24 de março

O futebol perdeu o seu pensador. E o seu estilista. Se alguém tornou o jogo bonito foi Johan Cruijff. Disse-o Gary Lineker, inglês insuspeito. O holandês inspirou a modalidade em campo e mudou-a quando fora dele.

Pensou Rinus Michels como o próprio não tinha feito e criou o Dream Team do Barcelona, já depois de ter conquistado tudo como futebolista, desde as três Bolas de Ouro aos três títulos de campeão europeu pelo Ajax.  

Influenciou uma geração e o futebol que se vê hoje saiu-lhe da cabeça. Não haveria o Barça de Messi e Iniesta sem Johan Cruijff. Nem as duas versões de Guardiola. A de jogador e a de treinador. O número 14 deixou o mundo, mas o seu legado continua bem vivo. Vemo-lo todos os dias nos relvados. Cruijff tinha 68 anos.

Fernando Mendes, 31 de março

Jogador, treinador, referência indiscutível do Sporting.

Fernando Mendes foi um homem único na História leonina. Capitão de equipa, foi ele quem levantou a Taça das Taças, quando o Sporting bateu o MTK Budapeste, em 1963/64.

Dedicou-se à causa verde e branca, foi treinador campeão em 1979/80 e substituiu Augusto Inácio em 2000/01, quando o técnico deixou o comando da equipa.

O Sporting perdeu um dos seus grandes. Quando ele tinha 78 anos.

Cesare Maldini, 3 de abril

O Maldini original. Pai de Paolo, Cesare foi um campeão ultrapassado pelos títulos do filho, mas cujo legado é inegável em Itália. Maldini foi muitas vezes sinónimo de Milan, e começou com Cesare. Campeão de Itália, campeão europeu, treinador dos rossoneri, selecionador.

Cesare foi tudo isto e mais: foi, por exemplo, o primeiro capitão italiano a levantar a Taça dos Campeões Europeus, logo em Wembley, frente ao Benfica.

Como treinador, venceu uma Taça das Taças e orientou a Itália no Mundial 1998. Não perdeu nenhum jogo, mas foi eliminado nos penáltis pela França. Em abril, uma parte da História do Milan partiu. E de Itália também. Aos 84 anos.

Muhammad Ali, 3 de junho

Poucas figuras há no Desporto mundial maiores do que Muhammad Ali. E se houver, ele contradiz. Sim, porque não se pense que apesar de ter ido lá para onde foi, Ali vai deixar de dizer o que pensa.

Nascido Cassius Clay, foi uma personagem tão inspiradora quanto controversa. Indiferente ninguém lhe ficava, isso é certo. Os pugilistas porque caíam em ringue, os outros adversários pelo cansaço de o terem de combater fora dele. Resistiu a todos. Travou lutas pela religião, pela raça, por aqueles que tinham de ir combater no longínquo Vietname.

Como pugilista, Ali foi um dos maiores de sempre. Foi a figura mais mediática quando o mediatismo não era tão grande quanto ele.

Lutou com os punhos, mas eram as palavras que doíam sempre mais.

Artur Correia, 25 de julho

Os campeões são feitos de arte e talento. E de homens como Artur Correia. O Ruço nunca virou uma cara à luta e teve de travar muitas. No futebol, pelo Benfica e pelo Sporting, mas sobretudo na vida fora de campo.

Dentro dele era raça, querer. Era um benfiquista desde sempre, mas jogou pelo rival. «Do ponto de vista pessoal e profissional era o mesmo. Ele no Sporting era o mesmo do Benfica. Se calhar o Sporting é que não era o Benfica para ele. Mas conquistou toda a gente, disso não há dúvida», dizia dele Eurico Gomes. Venceu seis campeonatos, cinco pelo clube do coração, outro pelos leões.

Mas sofreu. Muito. Teve um acidente cardiovascular que o retirou dos relvados mais cedo do que devia; sofreu depois um aneurisma da aorta e teve uma perna amputada. Aguentou-se a tudo, porque lhe ia no feitio. Sucumbiu a um AVC, aos 66 anos. E pôde descansar, por fim.

Moniz Pereira, 31 de julho

É um dos maiores «obrigados» que o país deve dizer. A Moniz Pereira, fazedor de campeões. Nunca um só homem foi uma modalidade em si mesmo como o professor. O atletismo em Portugal era ele. Mas ele era mais do que o atletismo, curiosamente. Porque também compôs músicas para Amália e outros ilustres.

Moniz Pereira deu a Portugal Carlos Lopes, Fernando Mamede ou Francis Obikwelu. Inspirou os mais novos que estes com a obra que fez em Alvalade. O ecletismo do Sporting, ponto de honra entre adeptos, tem muito dele. As medalhas olímpicas de Portugal também.

Foi a visão de Moniz Pereira que colou portugueses às televisões nos verões de anos bissextos. Desde os Olímpicos nos anos 70 até aos de hoje. Faleceu aos 95 anos.

João Havelange, 16 de agosto.

Durante muitos anos, ele foi a cara da FIFA. João Havelange foi o dirigente dos dirigentes no futebol mundial entre 1974 e 1998. No organismo, passou por seis Campeonatos do Mundo e ainda recuperou a China, afastada da FIFA por motivos políticos durante vários anos.

Chegou a ser presidente de Honra do organismo, mas renunciou ao cargo em 2013 para não sofrer represálias no escândalo de corrupção que assolou a FIFA. No entanto, argumentou com razões pessoais e de saúde. Faleceu aos 100 anos, quando decorriam os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Curiosamente, não houve qualquer homenagem a Havelange por parte do Comité Olímpico Internacional, do qual foi membro, mas ao qual renunciou também pelos mesmos motivos que o levaram a deixar a presidência honorária da FIFA.

Mário Wilson, 3 de outubro

Ninguém explicou melhor o sentimento benfiquista do que Mário Wilson, garantem os adeptos da Luz.

Se Eusébio foi Rei e Mário Coluna transportou a mística, Wilson foi aquele que melhor verbalizou o King e o clube. O discurso arrepiante numa das galas encarnadas foi apenas o último episódio de um homem sentimental e apaixonado. Tão apaixonado que o próprio admitiu ter dois amores: a Académica e o Benfica. Curiosamente, foi no Sporting que se sagrou campeão como jogador.

«Velho capitão» da Briosa, Mário Wilson chegou a Portugal para substituir Fernando Peyroteo, o maior goleador do campeonato português. Saiu campeão e chegou a Coimbra. Esteve lá muitos anos e ganhou a alcunha. Depois ganhou o lugar de treinador principal, ao suceder a Pedroto. Passou por outros emblemas, até que chegou ao Benfica. Venceu o campeonato como técnico e seria, a partir de então, alguém que se prestou a ajudar os da Luz quando mais era necessário. E nunca foi tão necessário como na segunda metade dos anos 90, em que conseguiu vencer uma Taça de Portugal frente ao Sporting.

Mário Wilson faleceu aos 86 anos. O Benfica enlutou-se, o negro da Académica foi mais negro ainda. E o resto do futebol português fez uma vénia de respeito ao Velho Capitão que partiu.

Carlos Alberto Torres, 25 de outubro

Há muitas estrelas no céu, mas a da lateral-direita é dele. Carlos Alberto Torres, o Capita! Na memória deixou-nos, sobretudo, aquele golo. Um dos maiores da História do futebol. Aquela imprudência de um defesa atravessar o campo todo para ir lá à frente meter a bola nas redes, quando subir era desaconselhável pelos treinadores da época. Um golo perfeito na arrogância do lateral, no remate, e no coletivo, numa final de Copa do Mundo.

Carlos Alberto Torres foi o capitão do tri brasileiro, um dos maiores jogadores de uma seleção que tem muitos e muitos grandes jogadores. Foi personalidade em campo. Foi campeão do mundo e comentador.

Conhecido por falar alto e grosso e por não deixar palavras para os outros dizerem, Carlos Alberto Torres esteve na TV como naquela final de 1970: quando era para ir para cima, era com tudo. E morreu assim também, de causa fulminante.