É o fim do Campeonato do Mundo como o conhecemos. A FIFA decidiu mesmo pelo alargamento do Mundial a 48 equipas, a partir de 2026. As razões, as críticas e o que está em jogo ao longo de 16 perguntas e respostas, uma por cada grupo do Mundial do futuro, que só vai parar na letra P.

O que é que aconteceu mesmo?

A FIFA decidiu nesta terça-feira em Zurique que a fase final do Campeonato do Mundo passará das atuais 32 seleções a 48 a partir de 2026. Portanto, depois da Rússia e da extravagância do Qatar, seguir-se-á um Mundial gigante, 50 por cento maior do que o atual.

Quem decidiu?

O Conselho da FIFA, o orgão que substituiu o Comité Executivo, caído em desgraça depois do escândalo de corrupção que envolveu o organismo e fez rolar cabeças como a de Josep Blatter ou Michel Platini. Tem 35 membros (pode ver aqui quem são) e a decisão, anunciou a FIFA, foi tomada por unanimidade.

E então, como vai ser?

O formato genérico está definido. Serão 16 grupos de três equipas e passam os dois primeiros de cada grupo a uma fase nova, que será os 16 avos de final. A partir daqui há várias questões em aberto. A começar pela forma como será feito o desempate, uma vez que com apenas três jogos por grupo, as probabilidades de várias equipas terminarem iguais aumentam exponencialmente. Uma das hipóteses na mesa, segundo informação que a FIFA foi fazendo sair antes da decisão, seria introduzir um «shoot-out»: baterias de penáltis no fim de cada jogo que terminasse empatado, para haver sempre um vencedor. Gianni Infantino, o presidente da FIFA, falou à imprensa depois da reunião e não descartou essa hipótese, mas diz que poderão haver outras, incluindo o ranking da FIFA como critério de desempate. Mas chutou o tema, polémico, para bem mais tarde: «Há diferentes formas de decidir, por exemplo também o ranking. Mas são assuntos que serão decididos um par de anos antes do torneio, quando os regulamentos forem adoptados.»

E quantos jogos mais?

Ao todo o Mundial passará a ter 80 jogos, mais 16 do que os atuais 64. Um dos argumentos em que a FIFA e os defensores da mudança mais insistem é que, apesar do aumento, isto não significará mais tempo de torneio, nem mais jogos. Serão 32 dias de competição e uma seleção para chegar à final fará no total sete jogos. Infantino também disse que «não serão necessários mais estádios do que os 12 atuais». O que está em cima da mesa é um calendário de quatro jogos por dia na primeira fase, numa competição que só pararia pela primeira vez ao fim de 21 dias. Não haveria jogos em simultâneo. E sobram questões. Como o facto de, neste formato, haver equipas com muito mais tempo de descanso entre jogos que outras. Ao que Infantino respondeu assim hoje: «No fim das contas quem chegar à final terá tido o mesmo tempo de descanso que os outros.»

Quem ganha mais lugares?

Pergunta difícil. É uma das grandes questões, porque o que está em jogo é uma questão política e de equilíbrio de forças entre as Confederações, que são no fundo os eleitores da FIFA. Mas a FIFA chutou a resposta para canto, por agora. De acordo com informações que foram veiculadas por vários media antes da decisão, com base num relatório interno da FIFA, a hipótese com mais força era esta: a Europa passaria das atuais 13 vagas fixas para 16, África das atuais cinco para 9, Ásia das atuais 4.5 para nove, Conmebol e Concacaf de de 4.5 para 6.5, Oceânia do meio lugar atual para um. Com um destes lugares subtraído dependendo do continente do anfitrião, que teria sempre o lugar garantido. Infantino, no entanto, garante que nada está decidido. «Não é necessário tomar a decisão já. Crucial é o desenvolvimento do futebol, mas o lado desportivo também tem que ser tido em conta. Será um misto entre desporto e desenvovimento desportivo das Confederações. África tem 54 países e tem 5 representantes, enquanto a UEFA te 14. Isto tem que ser visto. Mas no fim do dia todas as confederações terão mais representantes», disse. Mas a prova de como a questão é sensível e envolve muita negociação está na reação da UEFA ao alargamento. A favor, mas a fazer questão de «saudar» o facto de a FIFA ter adiado para já a decisão dos lugares por Confederação.

Porquê o alargamento?

A FIFA diz que a decisão tem em vista o desenvolvimento do futebol: promover o jogo e levá-lo a todos. Ou, como diz agora Infantino, num laivo poético: «Mais países terão hipótese de sonhar.» O presidente da FIFA defende também que o futebol não se resume aos dois continentes que historicamente dominam o Campeonato do Mundo: «Temos que moldar o futebol ao século XXI, o futebol é mais que a Europa e a América do Sul. Futebol é global.»

Vai dar mais dinheiro?

Pois. Mais jogos, mais negócio, mais dinheiro, é fazer as contas. Mais uma vez, não há nada assumido pela FIFA sobre isto, mas o tal documento de trabalho que foi enviado às várias confederações e publicado por vários media internacionais analisava as várias hipóteses em cima da mesa e concluía que o Mundial a 48 equipas era o mais rentável. Apontava para aumentos de receitas de 20 por cento em relação ao estimado para o Mundial 2018, 6.5 mil milhões de dólares, lucros adicionais de 640 milhões de dólares, 605 milhões de euros. A estimativa aponta para aumentos nos direitos televisivos e também de marketing. A FIFA vai buscar a esmagadora maioria das receitas ao Mundial, como pode perceber por este artigo. As Federações também ganham muito dinheiro com as grandes competições. E para quê tanto dinheiro? O que diz Infantino: «O importante é o que faremos com as receitas. Vamos investir no futebol.»

Quem é a favor?

A lista é grande. Antes de mais quem votou, claro. Mas também genericamente as várias Confederações, incluindo a UEFA, que no início se mostrou na expectativa, mas agora embarcou na ideia. Mas não só. Também uma série de personalidades, algumas que tinham até um passado pouco alinhado com o sistema, fizeram questão de vir a público defender a ideia antes da decisão. Incluindo Diego Maradona ou José Mourinho.

E Portugal?

AA Federação Portuguesa de Futebol foi uma das apoiantes da candidatura de Infantino, que já propunha no seu programa um alargamento, tal como Luís Figo, quando foi candidato, e é a favor do alargamento. A reação depois da decisão chegou através de uma fonte da federação à Lusa, que lembrou isso mesmo e frisou também o argumento de que ficou salvaguardado que não haverá um peso maior de jogos.

Quais os argumentos a favor?

Os defensores do alargamento repetem, com algumas variações, a ideia da defesa do desenvolvimento do futebol e de ter mais gente a participar na «grande festa» que é o Mundial. Mais ou menos o que disse Mourinho em entrevista ao site da FIFA na semana passada: «As equipas com menos potencial e experiência provavelmente jogam dois jogos e vão para casa. Mas terão melhorado e ganho experiência no campo, ao que podemos acrescentar a recompensa económica por aparecerem na fase final – incluindo investimento futuro nas suas infra-estruturas de futebol.»

E quem é contra?

Sem opinião da generalidade dos adeptos, que não foram propriamente consultados em referendo sobre o assunto, esta resposta centra-se nas reações públicas de organizações ou personalidades. As vozes críticas têm vindo essencialmente da Europa. A começar pela ECA, a Associação Europeia de Clubes, passando por toda a estrutura do futebol alemão ou também por alguns dos responsáveis do futebol em Espanha, incluindo o presidente da Liga, Javier Tebas.

E são contra porquê?

O primeiro argumento contra a decisão é desportivo, a ideia de que um Mundial alargado faz baixar a qualidade e banaliza a competição. Joachim Low, o selecionador alemão, resumiu assim a questão: «Os Mundiais e Europeus deviam ter as melhores equipas. Se continuam a aumentar o número de equipas, diluem a qualidade. Do ponto de vista desportivo o torneio está perfeito com 32 equipas.» Depois há as críticas às motivações da decisão. É uma medida política, a moeda de troca eleitorial de Infantino para ser eleito, dizem. «Esta foi uma decisão tomada por razões políticas, em detrimento das desportivas, e sob considerável pressão política», disse por exemplo a ECA, enquanto o presidente da Liga espanhola acusou Infantino de se portar como Blatter e diz que são os clubes e ligas que mantêm a indústria do futebol, não a FIFA. Tebas também terá ameaçado, segundo a imprensa espanhola, levar a questão a tribunal para impugnar a decisão, ao que Infantino reagiu na conferência com um encolher de ombros.

Isto não é mesmo gente a mais?

Bem, não parece que se vá chegar a um consenso. Mas quando o próprio documento da FIFA admitia que o Mundial a 32 equipas era o modelo que garantia maior qualidade em termos desportivos, porque era aquele que potenciava mais jogos entre as melhores equipas, não parece que a discussão possa ficar arrumada. O documento, que fez 10 mil simulações diferentes, dizia isto, segundo citava a Associated Press: «A melhor qualidade absoluta seria atingida de acordo com o formato atual.» Os defensores do alargamento dão o exemplo do Campeonato da Europa, que em 2016 passou de 16 para 24 equipas, e de histórias bonitas como a da Islândia. Os críticos dão o mesmo exemplo, defendendo que o Euro 2016 provou como o alargamento torna a competição menos emocionante, mais aborrecida. Como disse ainda agora o antigo internacional alemão Uwe Seeler. Infantino joga com números, e diz que ainda assim o Mundial passará a representar proporcionalmente bem menos seleções que os campeonatos continentais: «Um Mundial com 48 equipas representa 33 por cento dos membros da FIFA. Na Taça da Ásia participam 52 por cento, na Copa America 100 por cento, na CAN 30 por cento, na Gold Cup são 35 por cento, no Euro são 44 por cento. Ainda estamos abaixo de um quarto, isso quer dizer que a qualidade se mantém.»

Era isto ou o quê?

Ficar tudo na mesma, para começar? Mas não. A nova administração da FIFA queria mesmo aumentar o Mundial e o que se discutiu desde a eleição de Infantino, em fevereiro, até agora, foi em que moldes aconteceria. A primeira proposta de Infantino, quando em campanha, era para um alargamento a 40 equipas. Depois, falou sobre um formato a 48, mas em que 16 das equipas iriam apenas jogar um play-off e voltavam para a casa. O documento de trabalho analisou cinco modelos. O Mundial a 32 equipas; a 40 equipas, com 10 grupos de quatro; a 40 equipas, com oito grupos de cinco; a 48 equipas, no tal modelo de play-off para excluir 16; e o modelo que ficou, 48 equipas com 16 grupos de três.

E onde vai ser?

Quem sabe. O processo de candidaturas ainda não foi desencadeado. Terá de ser «à prova de bala», disse Infantino, aludindo, sem verbalizar, a todas as suspeitas que envolveram as últimas atribuições de Mundiais à Rússia e ao Qatar. A hipótese mais falada nesta altura é de uma candidatura norte-americana. Não está excluída a hipótese de candidaturas conjuntas, o horizonte temporal é que a decisão seja tomada em 2020.

Quantos formatos já teve o Mundial?

Se falarmos só do número de seleções na fase final teve grosso modo três regimes diferentes. Com exceção do Mundial em que tudo começou, com apenas 13 equipas em 1930, numa edição inaugural que incluiu uma longa viagem de barco das seleções europeias até ao Uruguai. A partir daí passaram a ser 16, exceto em 1938, que foram 15, porque a Áustria tinha-se qualificado mas foi anexada pela Alemanha e não participou. O Mundial só seria alargado em 1982, para 24 equipas. E voltaria a aumentar em 1998, para as 32 equipas que se mantinham até hoje e se manterão nos próximos dois Campeonatos do Mundo. Quando ao formato de disputa da competição, teve várias fórmulas. Começou por ter apenas eliminatórias, em 1950 foram introduzidos grupos, mas com variações no apuramento e formato final. A fórmula de grupos seguidos de oitavos de final estabilizou a partir de 1986. Essa muda ao fim de 40 anos.