Os protestos voltaram aos estádios alemães. A cada jornada nas últimas semanas, faixas gigantes em vários recintos contestam a intenção da Liga de ceder parte dos seus direitos audiovisuais a um investidor externo. A medida, que se anuncia como uma tentativa de aumentar a competitividade da Bundesliga face aos outros grandes campeonatos, será votada em breve pelos clubes.

O projeto teve vários avanços e recuos, mas está pronto. A Liga alemã (DFL) anunciou na semana passada o plano, que consiste na criação de uma empresa para gerir os direitos audiovisuais, a qual cederia 12.5 por cento da participação a um investidor ao longo de 20 anos. Em troca, receberia dois mil milhões de euros.

Desse valor, 60 por cento reverteria diretamente para os clubes, sendo 45 por cento destinados obrigatoriamente a ser gastos em infraestruturas. Os restantes 40 por cento são reservados à «digitalização e internacionalização» da Liga alemã, nomeadamente através da criação de uma plataforma digital dirigida a novos públicos e ao mercado internacional. A distribuição pelos clubes seguiria a mesma lógica da repartição dos direitos televisivos, com uma base comum e outra em função dos resultados desportivos.

Em cima da mesa a DFL tem propostas de quatro fundos, que vai apresentar aos 36 clubes das duas competições profissionais a 24 de maio. Precisa da aprovação de dois terços dos clubes para aquilo que na prática implica ceder parte das futuras receitas televisivas a troco de um encaixe imediato.

A DFL defende que pretende com isto capitalizar o futebol alemão e aproveitar o «know how» de um futuro investidor para expandir o negócio, mantendo o princípio de não permitir que investidores externos tenham maioria de participação nos clubes – a regra conhecida por 50+1. Embora com várias diferenças na forma como é aplicada pelos clubes, essa regra impede que aconteça na Alemanha o que se passa um pouco por toda a Europa e em grande escala na Premier League, a mudança de propriedade dos clubes para as mãos de magnatas ou fundos, alguns deles associados a Estados estrangeiros.

Como a Bundesliga está a perder terreno no mercado internacional

A Bundesliga está a perder terreno para a concorrência, nomeadamente na capacidade de internacionalização. A comparação com a Premier League em termos de receitas televisivas é gritante. Em Inglaterra, o mercado televisivo internacional vale 2.1 mil milhões de euros por época e já representa 53 por cento das receitas totais de audiovisual, que são de 3.9 mil milhões. Na Alemanha, ele vale 170 milhões de euros por temporada, num bolo global de 1.2 mil milhões. Mas se Inglaterra já está noutro patamar, a Bundesliga vê-se ameaçada por mais concorrência.

A Liga espanhola, que já tem em vigor um acordo semelhante ao que a Alemanha quer estabelecer, ganha cerca de 800 milhões de euros por ano no mercado internacional, onde já vai buscar quase metade das suas receitas audiovisuais, de acordo com os dados do último relatório da UEFA sobre o futebol europeu.

«A capitalização de outras Ligas e clubes na Europa aumentou significativamente e claro que nos coloca sob pressão», defende Axel Hellmann, presidente do Eintracht Frankfurt e diretor-executivo da DFL: «O facto de termos decidido manter e reforçar a regra 50+1 e ao mesmo tempo vermos a necessidade de expandir a exploração comercial da Liga é a base para procurarmos capital.»

Hans-Joachim Watzke, presidente do Borussia Dortmund e do conselho de supervisão da DFL, tem sido um dos defensores do projeto e reforça os argumentos. «Queremos e precisamos de fazer alguma coisa para melhorar a nossa capacidade de investir», diz, usando o exemplo de Erling Haaland, que no defeso trocou o Dortmund pelo Manchester City: «Quem defende que compremos e mantenhamos estrelas como Haaland tem de perceber que isso provavelmente implica um aumento significativo, entre outras coisas, no preço dos bilhetes. Tudo se tornaria mais caro para os adeptos.»

A Liga espanhola deu esse passo em 2021, num acordo que avançou apesar da oposição de Real Madrid, Barcelona, At. Bilbao e da própria Federação, através do qual vendeu dez por cento dos direitos televisivos durante 50 anos a troco de 2 mil milhões de euros. O negócio foi feito com o fundo CVC, uma empresa de capital de risco de origem britânica sedeada no Luxemburgo, que em 2022 fez negócio semelhante com a Liga francesa, neste caso pagando 1.5 mil milhões de euros pela aquisição de 13 por cento do capital de uma subsidiária para gerir os direitos televisivos. O mesmo fundo esteve em negociações com a Liga italiana e o processo não avançou, mas o assunto na Serie A também continua sobre a mesa.

Na Alemanha, o processo está longe de ser pacífico e conta com oposição de vários grupos de adeptos, com uma cultura crítica que já se manifestou em muitas ocasiões. As críticas vão do risco de hipotecar receitas futuras e do eventual aumentar de desigualdades entre clubes à possibilidade de ingerência dos futuros compradores, desde logo em questões práticas como os horários dos jogos ou a realização de partidas no estrangeiro.

No início de abril, à margem do clássico entre Dortmund e Bayern Munique, adeptos dos dois clubes uniram-se nos protestos e emitiram um comunicado conjunto a criticar a DFL. «Alimentar por curto prazo a máquina de queimar dinheiro e para isso abdicar de receitas futuras pode tornar-se uma ameaça existencial para o futuro da Bundesliga como uma Liga de topo», defendem.

Maioria dos adeptos contra, com uma exceção

«A abertura a investidores, particularmente a firmas de capital de risco que procuram o maior lucro possível, comporta o risco de eles usarem a sua influência para maximizar os ganhos, potencialmente contra os interesses dos adeptos e das pessoas que vão ao estádio», diz por sua vez um membro do grupo oficial de adeptos do Dortmund, Jan van Leeuwen, citado pela DW Sports. Também adeptos do St. Pauli se manifestaram em comunicado, defendendo que «os clubes da segunda metade da Bundesliga ou da 2. Bundesliga serão os mais negativamente afetados» e concluindo: «Não queremos futebol como em Inglaterra, onde os adeptos são mera decoração para um desporto controlado por investidores.»

As faixas nas bancadas do Dortmund, do Colónia, do Estugarda ou do Union Berlim são a face mais visível da contestação, que se tem manifestado também em ações junto dos clubes e dos meios de comunicação e levou alguns dirigentes a manter sessões de esclarecimento com os adeptos. Num encontro em Dortmund, Watzke garantiu por exemplo que os futuros investidores não terão peso nas decisões desportivas da Bundesliga. «Não ando a lutar há anos pela regra 50+1 para deixar entrar agora um cavalo de Tróia», disse.

A revista Kicker divulgou recentemente uma sondagem, com mais de 56 mil votos, segundo a qual 67.65 por cento dos adeptos das duas divisões profissionais se manifestaram contra a proposta da DFL, enquanto 27.47 se pronunciaramm a favor. Apenas um clube teve adeptos a dizerem-se maioritariamente favoráveis: o RB Leipzig. Este é o clube criado em 2009 e detido pela Red Bull que é até hoje motivo de discórdia no futebol alemão. O Leipzig não beneficia formalmente de uma exceção à regra 50+1, mas contornou-a, com um número muito reduzido de sócios com direito a voto.

Artigo atualizado