*Enviado especial ao Euro 2016

A Hungria será o terceiro adversário de Portugal no Campeonato da Europa. Ao contrário do que aconteceu nos outros rivais, o conjunto magiar apresentou um grupo bastante grande de escolhas, apesar de parecer ser, a par da Islândia, a que menos recursos individuais possui.

Foram 37 os jogadores usados pelos três selecionadores que atravessaram a fase de apuramento – Attila Pinter, Pál Dárdai e o alemão Bernd Storck – em 12 jogos. Dez do Grupo F, que fechou na terceira posição, atrás de Irlanda do Norte e Roménia, e outros dois no play-off com a Noruega. A análise de constantes torna-se, obviamente, muito complicada, mas há várias conclusões interessantes a extrair.

Comecemos precisamente por aí. Houve tantas mudanças ao longo de toda a fase de apuramento, que apenas cinco nomes teriam aparentemente ganho lugar cativo no primeiro 11 em França: o veterano de 40 anos Király, com as suas icónicas calças de fato de treino cinzentas, Fiola e Kádar, laterais com estatura e força física, sobretudo o esquerdino, o médio-centro Elek, com 1,93 metros, mas muito móvel e bom pé esquerdo, e o capitão Dzsudzsák, o mais virtuoso dos 23 a estar na fase final. De todos estes, apenas não se confirmou Elek, que também passou por problemas físicos antes da estreia.

No que diz respeito a outras opções, há ainda Zoltan Gera, com 37 anos, que passou com o tempo para zonas mais recuadas, jogando agora como médio-defensivo organizador, e um jovem talentoso de apenas 20 anos, e que também já conquistou algum espaço, chamado Nagy. O experiente central Juhász não jogou o play-off com a Noruega, embora tenha estado no banco na segunda mão em Budapeste, mas com a lesão do lateral Fiola, Storck foi obrigado a desviar Lang para esse lado perante a Islândia, e recuperou o seu lugar no eixo.

Seis vitórias, quatro empates e duas derrotas, com 14 golos marcados, dez sofridos. São os números da fase de apuramento. As bolas paradas tiveram papel fundamental numa equipa que marca poucos golos, sobretudo por culpa do excelente pé esquerdo de Dzsudzsák. Sete dos 14 nasceram aí, em quatro cantos, dois livres indiretos e um livre direto, embora o extremo do Bursaspor some apenas uma assistência, logo no primeiro encontro, frente à Irlanda do Norte. Como é que isto se explica? Pelo desnorte que os seus cruzamentos provocam, desde ressaltos e alívios para zonas centrais, o desvio de companheiros ao poste mais próximo ou mesmo autogolos.

Pontapé de canto para Dzsudzsák, bola ao primeiro poste (uma recorrência), e o desvio de Böde é suficiente para obrigar Henriksen a desviar para a própria baliza. Apenas três homens na área chegaram para criar o desequilíbrio.

A verdade é que a Hungria não parece especialmente forte pelo ar: dois golos de cabeça apenas, um para Gera (Finlândia) e Böde (Ilhas Feroé). Mas a equipa surpreende pela capacidade de remate, com os seus avançados e médios com clara ordem para atirar à entrada da área. Stieber, em Helsínquia, Kleinheisler, em Oslo, Priskin, na receção à Noruega, marcaram golos assim, mas muitos outros tentaram, como Dzsudzsák, Elek e Nemeth, por exemplo. Com espaço e em zona frontal, os húngaros não pedem licença.

Se as bolas paradas têm o peso ofensivo referido, os números mostram igual concentração na hora de proteger a sua baliza. Não sofreram qualquer golo em livres ou canto. Os dez tentos consentiram resultaram da mobilidade dos avançados contrários e dos espaços consentidos pela falta dela nos defesas húngaros, que, apesar de muito solidários e resistentes fisicamente, têm várias lacunas.

O capitão Dzsudzsák é a grande referência da equipa magiar.

Já no Euro 2016, venceram a Áustria (2-0) e empataram com a Islândia (1-1). Szalai, após combinação com Klenheisler, e Stieber, isolado por Priskin, afundaram os austríacos. Já com os nórdicos, foi Nikolic a cruzar da direita, forçando um autogolo de Saevarsson. Três golos de bola corrida, por estranho que pareça.

O falhanço do 3x4x3 e a sustentação no 4x1x4x1

Attila Pinter e o seu 3x4x3 duraram um jogo, a derrota inaugural frente à Irlanda do Norte em casa. O 1-2 motivou o despedimento do selecionador, e a entrada de Pál Dárdai, que montou o seu esquema num 4x2x3x1. Quando Storck chegou, em julho do ano passado, começou a alternar entre esta tática e duas variantes: o 4x1x4x1 mais defensivo e o 4x4x1x1 com um pouco mais de projeção atacante.

Com laterais pouco verticais, todos os esquemas assentaram na mobilidade e verticalidade dos médios interiores (Kleinheisler, Elek, Gera, Toszer), num 9 mais fixo e possante (Szalai, Priskin) e no virtuso Dzsudzsák, que além de ser um perigo nas bolas e cruzamentos garante ainda uma nuance tática importante na preparação e durante os encontros: ao poder jogar como extremo invertido a equipa ganha poder de fogo na zona central, ao ficar-se pela esquerda acrescenta uma profundidade que mais nenhum outro ala consegue dar à equipa.

EQUIPA-TIPO: Király; Fiola, Guzmics, Juhász e Kádár; Gera; Nemeth, Elek (agora Kleinheisler), Nagy e Dzsudzsák; Szalai

Golos marcados: 14

Priskin, Böde e Nemeth, 2; Dzsudzsák, Szalai, Gera, Stieber, Guzmics, Kleinheisler e Lovrencsics e Henriksen (autogolo), 1

Sete golos de bola parada (4 canto, 2 livres indiretos e 1 livre direto) e 7 de bola corrida.

Golos sofridos: 10

Guarda-redes: -9, Király; -1, Gulácsi; 0, Dibusz

-10 bola corrida

ASSISTÊNCIAS: Kádár e Elek, 2; Dzsudzsák, Lovrencsics, Nikolic, Leandro, Juhász e Kalmar, 1.

EM PORMENOR:

A defender:

A Hungria prefere baixar linhas e esperar os seus adversários no seu meio-campo, não se desgastando numa pressão alta. O 9 (Szalai, Priskin) faz um movimento lento sobre o portador da bola, com o resto dos colegas do lado de lá da linha, onde aí sim a equipa se move para recuperá-la.

Pressão praticamente inexistente por parte da Hungria até a bola chegar ao seu meio-campo.

A linha defensiva a 4 não foi muitas vezes apanhada em contra-ataque, mas o facto de serem todos jogadores fisicamente fortes, mas um pouco duros de rins e menos móveis, permitiu sempre algumas oportunidades aos adversários, mesmo frente à modesta equipa das Ilhas Feroé, contra a qual não conseguiu mais que triunfos pela margem mínima (0-1 e 2-1). Em progressão, os defesas magiares são permissíveis ao drible e a jogadores velozes, sobretudo quando estes procuram diagonais, embora depois, com um meio-campo solidário e com elevada intensidade consigam também resolver muitos dos problemas.

Os extremos, incluindo Dzsudzsák, ajudam os laterais nas suas missões defensivas, estendendo-se a linha defensiva a toda a largura do terreno de jogo, tentando depois esticar rapidamente o jogo até ao outro lado do campo.

Um momento de desequilíbrio da Hungria em três imagens: Fiola obrigado a fechar por dentro, com a equipa toda inclinada para o lado contrário. Dzsudzsák, que num primeiro momento parece ter a situação controlada, vai deixar-se ultrapassar, tornando-se Király o salvador da equipa no último momento.

A equipa de Storck não tem problemas em entregar a bola aos rivais e esperar pelos contra-ataques, e isso viu-se mesmo em jogos em casa como, por exemplo, frente à Roménia e que terminou 0-0 com os visitantes a atacar e os locais bem mais confortáveis com o nulo.

Fisicamente, os húngaros conseguem, no entanto, lutar pela bola os 90 minutos. A Hungria é uma equipa que joga com bastante intensidade, e tem crescido muito a nível tático nos últimos encontros.

A sua linha defensiva frente à Noruega (play-off) foi formada por jogadores possantes e altos – Fiola, 1,82 metros; Guzmics, 1,90 metros; Lang, 1,85 metros; Kádár, 1,88 metros –, que garantem eficiência nas bolas paradas defensivas.

Király é ainda um guarda-redes seguro, embora tenha consentido alguns golos em recargas depois de não ter conseguido afastar a bola da área de finalização depois de primeiros remates.

Király, aos 40 anos, é ainda indiscutível na sua seleção.

A atacar:

Numa primeira fase de construção sob pressão, os centrais libertam o espaço entre eles, encostando-se praticamente às alas, para o surgimento de um dos médios-centro e poder transportar a bola ou pelo menos dar essa opção aos seus colegas. Isso foi feito com Gera, um antigo avançado já com 37 anos, e que possui excelente qualidade de passe, e que parece ter recuado – se não em definitivo pelo menos como opção em algumas partidas – vários metros no relvado.

Saída de pressão com centrais bem abertos e um médio a aparecer para dar linha de passe no meio.

Com laterais pouco ofensivos, que mais servem de lançadores do que transportadores de bola ou mesmo de apoio para os companheiros, a Hungria precisa que os seus médios alas e interiores criem espaços nas áreas dos rivais, obrigando a que estes apareçam muitas vezes em posição de finalização, como Elek, Kleinheisler, Gera e Nemeth.

Por vezes, sobretudo quando a bola vem dos flancos, essa capacidade de chegar tão perto do golo parece insuficiente. Com linhas tão baixas, e muito assente nos contra-ataque, a presença na área é escassa para uma equipa que precisa de golos a fim de lutar pelo apuramento para os oitavos de final.

A Hungria explora as transições rápidas através da capacidade de explosão de Dzsudzsák e a potência do seu 9 (Priskin ou Szalai), que serve de referência nas bolas longas, muitas vezes proveniente do seu lateral-esquerdo Kádár.

Os três momentos do golo de Priskin à Noruega: passe longo de Kádar, Priskin a ganhar em velocidade e a fintar para trás para ganhar espaço para o remate e o golo.
O grande golo de Priskin na primeira mão com a Noruega. Um contra-ataque definido com um remate de longe. A Hungria não podia ser mais objetiva.

A equipa também não espera muito tempo para definir. Se lhe derem espaço na zona frontal os seus jogadores têm ordem para atirar. Elek, Dzsudzsák, Nemeth, Kleinheisler, Priskin, Gera, todos eles tentam aproveitar esses momentos de desequilíbrio por parte dos rivais. Também de uma falha na transição rival pode ser aproveitada para um cruzamento rápido, quase sem preparação a fim de tirar proveito de alguma descompensação na grande área.

Kleinheisler (à esquerda) apareceu nos jogos competitivos apenas no play-off com a Noruega e foi decisivo.

A versatilidade de Dzsudzsák, que pode tanto alinhar à direita como à esquerda, pode ser um trunfo importante, já que a equipa ganha inevitavelmente poder de fogo na primeira situação, com o jogador do Bursaspor a fletir para dentro, e profundidade na segunda.

O seu meio-campo aparenta lidar mal com jogadores mais pressionantes, uma vez que tecnicamente não são muito dotados. A zona intermédia beneficiou um pouco com o aparecimento de Nagy, mais rápido e técnico que os companheiros, mas ainda se trata de um jovem a carecer de afirmação no onze.

As bolas paradas são todas para Dzsuzsák, sejam livres diretos ou indiretos, ou mesmo cantos. E são forte arma.

CONCLUSÃO:

PONTOS FORTES

Boa organização, coesão e capacidade de sofrimento.

Velocidade na transições ofensivas, e intensidade colocada no jogo.

As bolas paradas, pelo pé esquerdo de Dzsudzsák.

A versatilidade de Dzsudzsák, que pode jogar em ambos flancos, ganhando a equipa jogo interior quando o faz pela direita, e exterior quando parte do seu flanco de origem, a esquerda.

Confiança da maior parte dos seus jogadores.

Meia-distância à entrada da área.

O aparecimento nos últimos jogos de Nagy e Kleinheisler, que dão mais capacidade e intensidade ao meio-campo. 


PONTOS FRACOS:

Laterais pouco ofensivos.

Linha defensiva ainda por estabilizar na zona frontal, que também por aí tem mostrado alguma permissividade.

Pouca presença na área.

Jogo exterior muito dependente de Dzsudzsák.

Tudo somado, esta Hungria parece ter sido desenhada para esperar o erro dos rivais. É muito dependente das bolas paradas e, consequentemente, de Dzsudzsák, não só pela sua conversão, mas pelo poder de fogo de acrescenta em jogadas corridas. Organizado, solidário, objetivo, fisicamente forte e com ordem para rematar à baliza – é assim que se apresenta o terceiro adversário de Portugal no Euro 2016.