«José Alvalade era um entusiasta do desporto e nas suas iniciativas foi muitíssimo além de tudo quanto se tinha feito até ao seu aparecimento do nosso meio.», Diário de Notícias, 20 de outubro de 1918.

José Alfredo Holtreman Roquette. Os mais desatentos podem não reconhecer o nome do homem nascido no dia 10 de outubro de 1885 e que dedicou grande parte da curta vida à promoção e desenvolvimento do desporto em Portugal.

O caso muda de figura, porém, se o tratarmos pela forma como ficou mais conhecido e se tornou nome incontornável do léxico do futebol português e do Sporting em particular: José Alvalade.

Isso mesmo, é a história do homem que foi sócio fundador, primeiro sócio «número 1» e terceiro presidente do Sporting Clube de Portugal que dissecamos neste Anatomia de um nome.

Assumimos desde já que talvez o capítulo dedicado a José Alvalade venha com uma edição de atraso. Isto, porque, no passado dia 19 de outubro, cumpriu-se um século da morte do homem que só viveu 33 anos, mas deixou um clube centenário como legado.

Mas vamos ao que interessa. Desde muito novo, José Alvalade fez da promoção do desporto em Portugal um objetivo pessoal. E seria essa preocupação que o levaria a fundar o Sporting.

Desiludido pelo rumo que o Campo Grande Football Club, que também ajudara a criar em 1904, começava a seguir – mais dedicado a atividades recreativas, como bailes e festas -, o neto do 1.º Visconde de Alvalade abandonou a direção e anunciou a todos a intenção que cumpriria em pouco tempo. E que se tornou lápide:

Vou ter com o meu avôzinho e ele me dará dinheiro para fazer outro clube!

Teve a palavra, então, Alfredo Augusto das Neves Holtreman. Aquele que era à data um dos mais conceituados advogados do país - e a quem o rei D. Carlos I atribuíra o título de 1.º Visconde de Alvalade. O homem não ficou indiferente ao pedido do neto, e a história do Sporting Clube de Portugal começou a ser traçada.

Para que José Alvalade cumprisse então o desejo, o avô deu-lhe «duzentos mil reis» e «ainda lhe disponibilizou parte dos seus terrenos da Quinta das Mouras (que abarcava as atuais zonas do Lumiar, Campo Grande e Alvalade)», conforme se lê no site do Sporting.

E assim, em 1906, aos 21 anos, José Alvalade juntou alguns amigos ao seu projeto – entre os quais os irmãos Stromp e os irmãos Gavazzo - e fundou um clube que apontou desde logo ao sucesso. «Queremos que o Sporting seja um grande clube, tão grande como os maiores da Europa», atirou naquela que seria a primeira pedra da ambição do clube.

Para o avô, figura central desta história, ficou ainda guardada a responsabilidade de ser o primeiro presidente do Sporting Clube de Portugal - esteve no cargo até janeiro de 1910 -, tendo sido também o autor dos primeiros estatutos do clube.

A controvérsia causada pelo que seria o primeiro Estádio José Alvalade

A construção do Campo do Lumiar levou a um afastamento entre José Alvalade e o Sporting

Desengane-se, porém, quem acha que a relação entre José Alvalade e o seu Sporting foi sempre pacífica. Longe disso. Porque mais do que um clube, o jovem aristocrata queria elevar o desporto em Portugal.

Por essa razão, depois de ter assumido a presidência entre os anos de 1910 e 1912, José Alvalade seria afastado do clube, em novembro de 1914.

É que devido à preocupação em promover o ecletismo no país, José Alvalade autorizou que fossem retirados materiais do primeiro estádio do Sporting – o campo do Sítio das Mouras – para ajudar na construção do Stadium de Lisboa, ali ao lado, na zona do Lumiar.

No recinto que funcionaria como uma espécie de estádio nacional, foi construída uma pista de atletismo e um velódromo, além do campo de futebol. E foi lá que se jogaram os primeiros jogos da seleção nacional de futebol, anos mais tarde.

Mas foi mais do que isso, conforme lemos numa descrição feita à época pelo Diário de Notícias, que falava num «imponente recinto em que, ainda por iniciativa de José Alvalade, se realizaram importantes corridas de bicicletas e motocicletas, brilhantes festas de atletismo, aeronáutica, automobilismo, etc.»

Ecletismo, sempre o ecletismo. O mesmo que se tornou preocupação também do clube que fundou e no qual José Alvalade praticou futebol, críquete e ténis.

O velhinho José Alvalade foi o segundo estádio a receber esse nome

A morte precoce não afetou o reconhecimento

Em 1918, com apenas 33 anos, e numa altura em que já voltara a fazer parte da direção do clube que fundara, José Alvalade morreu vítima de epidemia pneumónica.

O Diário de Notícias do dia 20 outubro, noticiava a perda de uma figura que mais do que desportista, se eternizara como promotor do desporto.

«Foi José Alvalade um propagandista convicto do desporto, pois ele mesmo devera aos exercícios físicos uma considerável melhoria da sua saúde e resistência física (…) [que] com o seu desvelado avô, o sr. Visconde de Alvalade, auxiliou na fundação do Sporting Clube de Portugal e mais tarde no desenvolvimento do mesmo clube a um notável grau de aperfeiçoamento e modernização e, por fim, na construção do Stadium Lisboa.»

Aproveitamos a deixa para voltar então ao também conhecido como Estádio do Lumiar. É que o recinto que esteve na origem do afastamento entre José Alvalade e o Sporting Clube de Portugal, tornar-se-ia, em 1937, a quarta casa do clube.

A decisão de eternizar José Alvalade, dando o seu nome ao estádio do Sporting foi tomada dez anos depois, numa altura em que era presidente António José Ribeiro Ferreira.

Essa medida – ainda hoje inscrita nos estatutos do clube que estabelecem que «em homenagem ao Fundador, o principal recinto desportivo do Clube tenha o seu nome» - efetivou-se pouco depois, após a remodelação do Estádio do Lumiar que se tornou assim a primeira versão do Estádio José Alvalade, de acordo com a informação que se encontra no site dos leões.

Depois disso, no dia 10 de junho de 1956, foi inaugurado aquele que seria o primeiro estádio construído de origem para imortalizar o nome José Alvalade, que foi substituído, em 2003, pelo atual Estádio José Alvalade.

O resto, é história que se continuará a escrever.

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