Uma das imagens mais fortes em memória de Hillsborough num relvado não envolve o Liverpool. Aconteceu em Goodison Park, num Everton-Newcastle. Tão simples. Duas crianças de mãos dadas, uma camisola do Everton outra do Liverpool, juntando os números que têm nas costas faz 96.

Era 17 de setembro de 2012, poucos dias depois de o Painel Independente de Hillsborough ter concluído formalmente que não foram os adeptos os responsáveis pela tragédia que a 15 de abril de 1989 vitimou 96 pessoas, todos fãs do Liverpool, nos minutos iniciais da meia-final da Taça de Inglaterra em Sheffield, frente ao Nottingham Forest.

Começava finalmente a fazer-se justiça para os 96 e para as suas famílias, que lutaram durante mais de duas décadas para contrariar a tese vigente desde a tragédia, divulgada pela polícia, de que foram adeptos bêbados e desordeiros a provocar a confusão no acesso ao estádio que resultou no esmagamento de dezenas de pessoas. Com Heysel ainda bem presente nas memórias – 39 mortes no estádio que em 1985 recebeu a final da Taça dos Campeões Europeus entre Liverpool e Juventus – a tese de que também esta tragédia tinha «hooligans» na origem vingou, por muito que quem estivesse no estádio e as famílias das vítimas a desmentissem.

O relatório, divulgado a 12 de setembro de 2012 ao fim de dois anos de investigações, não só concluiu que o principal problema naquele dia foi a má atuação das autoridades, que comprometeram seriamente a segurança, como deixou claro que a polícia passou informação deturpada e falsa sobre o que aconteceu. Esse relatório levou a um pedido formal de desculpas do Governo britânico, 23 anos depois de Hillsborough.

O mais recente passo para encerrar uma longa luta e trazer paz às famílias aconteceu esta semana, quando a justiça inglesa decidiu responsabilizar criminalmente seis pessoas por Hillsborough. Entre elas o então responsável policial, David Duckenfield, acusado de homicídio involuntário por negligência agravada de 95 dos 96 adeptos.

Hillsborough voltou a ser notícia e esse é um bom pretexto para recordar esta imagem e a forma como o Everton, vizinho e eterno rival do Liverpool, esteve sempre na primeira linha da memória por Hillsborough.

Foi assim desde as primeiras horas da tragédia. Naquele dia, à mesma hora de Hillsborough, o Everton jogou a outra meia-final da Taça em Birmingham - venceu o Norwich por 1-0. Mas à medida que começou a perceber-se a dimensão do que se passara em Sheffield, toda a cidade de Liverpool se uniu na dor. Nos cachecóis azuis que se viram junto aos portões de Anfield onde as pessoas começaram a juntar-se naquele dia, nos adeptos dos dois clubes que se juntaram nas estações de comboio à espera dos que regressavam, muitos deles com familiares e amigos entre os que estavam em Hillsborough.

Uma das iniciativas mais tocantes daqueles dias uniu literalmente os dois clubes. Chamaram-lhe «Mile of Scarves» e foi um mar de cachecóis atados a formar um cordão de Goodison Park até aos portões de Anfield, ao longo dos quase dois quilómetros que separam os dois estádios.

Foto Darren Staples/Reuters

E naquele dia de setembro de 2012 o Everton assinalou o primeiro passo formal para repor a justiça com este gesto. Antes de começar o jogo com o Newcastle, duas crianças no relvado, de mãos dadas. Beth Garner-Watt, de 11 anos, vestia a camisola azul do Everton, Mikey Clare, sete anos, a do Liverpool.

Depois um vídeo a evocar Hillsborough. «Goodison Park sauda a luta por justiça que continua por parte das famílias, amigos e adeptos.» Depois, ouviu-se no estádio uma versão de «He Ain’t Heavy He’s My Brother», balada dos anos 60 da banda The Hollies. Por fim o lema «Merseyside United».


Everton tribute to the 96 who died at Hillsborough por emmysguysandgals

Esta versão de «He Ain’t Heavy», sucesso dos anos 60, foi gravada por um projeto criado precisamente para angariar fundos para a luta das famílias de Hillsborough chamado Justice Collective. Participaram, entre muitos outros, Paul McCartney ou Robbie Williams e o single chegou a nº 1 do top britânico naquele Natal de 2012. A capa do disco era precisamente a imagem das duas crianças de mão dada no relvado de Goodison Park.