[publicado originalmente às 23h48 de 29 de abril]

Aquelas imagens do Leeds United-Aston Villa de domingo passado são para guardar. São momentos assim que definem o jogo, que obrigam a parar, dar um passo atrás e pensar tudo outra vez. Vamos recordá-las a partir desta imagem de Marcelo Bielsa. Um homem no meio de um momento intenso como poucos. Penúltima jornada da época, em jogo a subida à Premier League, num duelo entre duas equipas com a mesma ambição que podia decidir – e decidiu - muita coisa.

As imagens correram mundo, a história não se conta em duas palavras. Tudo começa quando o avançado Jonathan Kodija, do Aston Villa, cai lesionado. Parece haver um momento de hesitação, mas depois, sobre a esquerda, Tyler Roberts passa a bola para Mateusz Klich, que faz o 1-0. Seguiu-se uma enorme confusão, protestos em campo e junto aos bancos, os jogadores do Aston Villa a protestar que o adversário devia ter atirado a bola fora, a regra de cortesia não escrita. Dean Smith, treinador do Villa, protesta com Marcelo Bielsa – disse mais tarde que foi ele quem sugeriu que o Leeds oferecesse um golo de volta. Lá pelo meio também John Terry, adjunto do Aston Villa. No meio da confusão, o avançado Patrick Bamford, do Leeds, caiu no chão, a queixar-se de uma alegada cotovelada de El Ghazi, que é expulso. E é então que Bielsa dá a ordem aos jogadores: «Deem o golo.»

E eles deram, para a imagem que realmente fica: dois jogadores do Aston Villa a avançarem pelo meio-campo do Leeds, os rivais parados a assistir. Todos menos um. Na defesa, o sueco Pontus Jansson ainda tenta fazer alguma coisa, não se conforma. Mas Adomah faz mesmo o 1-1 para o Villa.

Faltavam 15 minutos para o fim e não houve mais golos. O empate teve consequências imediatas. Com aquele resultado, o Sheffield United ganhou desde logo o segundo bilhete de subida direta à Premier League, a par com o Norwich. Ao Leeds, para já terceiro mas que ainda pode cair para quarto, restará jogar o play-off, onde estará também o Aston Villa.

No fim, Bielsa foi Bielsa a falar sobre o que se passou. «Não oferecemos o golo, devolvemo-lo», disse na flash-interview. Na sala de imprensa foi mais desconcertante ainda, quando lhe perguntaram se tomou a decisão motivado por «fair play» ou para acalmar os ânimos: «Não vejo diferença. O que aconteceu aconteceu e respondemos como respondemos. Só há uma forma de analisar o que acontecer. Está a criar uma diferença entre fair play e circunstâncias do jogo. E para mim é a mesma coisa.»

E baralhou ainda mais quem ouvia quando respondeu assim a uma pergunta sobre a reação de Jansson: «Ele não quis obedecer à indicação que eu dei. Isso diminui a minha autoridade. E não sei quais são as consequências quando se perde o respeito do jogador. É a minha resposta irónica para si.»

É Bielsa, a mente brilhante enredada no seu labirinto. Jorge Valdano definiu-o assim um dia: «A Bielsa relaciono-o com a grandeza, que não é mais do que levar as virtudes ao limite.»

É o homem que já esta época foi multado quando um membro da sua equipa técnica foi apanhado a espiar jogos do Derby County. E que admitiu que o fazia para todos os adversários, e a propósito disso deu uma conferência de imprensa de 70 minutos (!) com uma esmagadora apresentação em Powerpoint a explicar como prepara cada jogo.

A atitude de Bielsa no domingo provocou um mar de reações. Muitos aplausos, também críticas, porque esta é uma decisão que levanta muitas questões. E deixará seguramente marcas. Também para o Leeds, um clube com tanto passado. Que gera paixões e ódios e tem há muito, para os rivais, colado um rótulo negativo. «Dirty Leeds», voltaram a chamar-lhe nas redes sociais mal Klich marcou o tal golo. A alcunha tem décadas, vem do tempo em que o clube, então orientado por Don Revie, foi campeão inglês por duas vezes, em 1969 e 1974, com um futebol que os adversários acusavam de ser agressivo, violento.

Com este gesto, Bielsa fez muito pela imagem do Leeds, volte ou não volte o clube à Premier League, 15 anos depois. E fez muito pelo futebol. Antes de mais, que é tudo, pôs-nos a pensar. Aquilo que ele melhor faz.